Debate sobre direitos do consumidor destaca desafios do
movimento
Os principais desafios da luta pelos direitos dos
consumidores hoje são o acompanhamento de todo o processo que gere
um direito; a maior participação das entidades civis, desde que com
independência e transparência; e o resgate de valores éticos mudados
pelas exigências do mercado, entre eles a solidariedade e cidadania.
Essas foram algumas das conclusões do debate público "Fortalecimento
da Proteção e Defesa do Consumidor - Um Desafio para o Século XXI",
realizado pela Assembléia Legislativa nesta segunda-feira (13/9/04).
Tais desafios, bem como a análise da situação atual
dos direitos dos consumidores no País, foram discutidos por
especialistas, entre eles o diretor do Departamento de Proteção e
Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, Ricardo Morishita
Wada, e pela presidente da Consumers International, Marilena
Lazzarini. Os dois falaram no primeiro painel, "A importância dos
movimentos civis na proteção e defesa do consumidor". O debate teve
mais um painel pela manhã e dois à tarde, além de uma comemoração
pelos 21 anos de criação do Movimento das Donas de Casa e
Consumidores de Minas Gerais. A reunião foi pedida pela deputada
Lúcia Pacífico (PTB), presidente da Comissão de Defesa do Consumidor
e do Contribuinte da Assembléia e a homenagem foi requerida pelo
deputado Dilzon Melo, do mesmo partido e 3º vice-presidente da
Assembléia.
Ricardo Morishita destacou que, mesmo depois de 14
anos de sanção do Código do Consumidor, ainda há a necessidade de
punição para que os direitos sejam cumpridos. "Aqui as coisas ainda
funcionam à base do chicote", lamentou. Para Marilena Lazzarini,
militante dos movimentos paulistas do consumidor, onde ocupou a
direção de várias entidades civis, um dos problemas mais graves nas
relações de consumo é a perda de poder dos governos para as grandes
corporações internacionais, o que mudou completamente os parâmetros
de aplicação do código.
Mercado define novas relações de consumo
Segundo Marilena Lazzarini a predominância das
corporações na definição das novas relações internacionais gerou um
"ente" abstrato, o mercado, em função de quem tudo é definido: "Por
isso os países pobres estão cada vez mais pobres; as políticas
sociais cada vez mais degradadas". Ela recomenda o resgate de
valores éticos como solidariedade e cidadania, em contraponto à
valorização excessiva do mercado. Lazzarini afirmou que se vive
mundialmente um refluxo de direitos, sobretudo do consumidor, e até
mesmo de perda de direitos. "O Código está diminuindo de tamanho,
basta ver as ações que bancos e telefônicas estão ganhando na
Justiça, em detrimento de direitos conquistados ao longo de mais de
20 anos". Para ela, a educação é fundamental, com o objetivo de
mudar o modelo de consumo exagerado para um consumo responsável, que
preserve o meio ambiente, por exemplo.
A professora e doutora em Educação pela
Universidade Federal Fluminense, Edwiges Zaccur, disse que a
cidadania no Brasil é transmudada em conformismo, o que dificulta o
avanço da luta. Ela detalhou as conquistas dos consumidores, que
começaram com a luta pelos direitos trabalhistas nos Estados Unidos,
no século XIX. Para Zaccur, os pilares do movimento devem ser os
direitos das comunidades, a operatividade e a criatividade. Também
participou do primeiro painel a presidente do Movimento das Donas de
Casa e Consumidores da Bahia, Selma Magnavita, que destacou a
importância do movimento mineiro na criação de seu similar
baiano.
O primeiro painel foi mediado pelo diretor do
Procon Assembléia, Marcelo Barbosa, para quem os pilares das
relações de consumo são o respeito aos direitos e o princípio da
probidade e da boa-fé. Barbosa destacou que o cliente é o maior
patrimônio do fornecedor e que sua esperança é que estes tenham um
olhar ético sobre o mercado.
Planos de saúde ocupam a terceira colocação nas
reclamações
A polêmica envolvendo planos de saúde e
consumidores foi o tema do segundo painel, que teve a apresentação
da professora de direito do consumidor e advogada voluntária do
Movimento das Donas de Casa, Luciana Atheniense, e do advogado da
entidade e consultor da Assembléia, Hênio Andrade Nogueira.
Segundo Luciana Atheniense, são 21 milhões de
reféns dos planos de saúde, à mercê de normas não claras e
imprecisas. A Lei 9.656, de 1998, que regula os planos, ao invés de
harmonizar veio criar mais conflitos, não só para os consumidores,
mas para os advogados, segundo Hênio Nogueira. "Depois da sua
publicação, foram 44 Medidas Provisórias mudando a lei. Em dois
anos, o Movimento recebeu 600 reclamações sobre planos, que, hoje,
são o terceiro colocado nas reclamações que recebemos", enfatizou
Luciana Atheniense. Ela disse que as principais reclamações
referem-se ao descredenciamento de profissionais, aos reajustes e à
doença pré-existente.
Hênio Andrade abordou a migração de contratos
antigos para os novos, o que tem sido motivo de mais polêmica, já
que os ônus caem sobre os consumidores. O advogado recomendou a
busca dos direitos na Justiça, sempre que o consumidor se sentir
lesado; além de exigir, que em caso de migração, o cliente peça a
definição clara das cláusulas de carência e doença pré-existente,
"para não ser surpreendido depois". Hênio lembrou que sobre os
reajustes, o consumidor deve pesquisar em jornais os índices de
correção que correspondem ao plano, na data de seu aniversário,
anualmente.
O promotor de Defesa do Consumidor para a área de
Saúde do Ministério Público, Paulo Cézar Neves Marques, disse que o
melhor plano de saúde deve ser o SUS (Sistema Único de Saúde). "Como
a classe média vem sendo expulsa dos planos particulares pelo alto
custo dos reajustes, a migração para o SUS ainda vai levar à
exigência de um melhor atendimento pelo órgão", destacou. Outra
idéia defendia pelo promotor foi o que ele chamou de
"portabilidade", ou seja, a possibilidade de migração de planos
diferentes, não só de uma empresa, mas de empresas diferentes, em
condições equivalentes.
Na abertura dos trabalhos, a deputada Lúcia
Pacífico explicou que o debate era um mini-seminário, em que foram
escolhidos os temas que mais afligem o dia-a-dia dos consumidores.
Encerrando a fase da manhã dos debates, o secretário de Estado e
Planejamento, Antonio Anastasia, disse que o Movimento das Donas de
Casa e do Consumidor recebe todo o respeito do governo mineiro, pelo
seu amplo vigor. Anastasia manifestou seu repúdio pelo fato de o
País ainda não viver em plena civilidade, como comprovam o ataque a
bens públicos, e o próprio desrespeito aos direitos dos
consumidores.
Além da deputada Lúcia Pacífico, participaram do
debate pela manhã os deputados Rêmolo Aloise (PL), presidente em
exercício da Assembléia; Antônio Júlio (PMDB), da Comissão de Defesa
do Consumidor; e Adelmo Leão Carneiro (PT), 2º vice-presidente da
Assembléia.
Debates prosseguiram na parte da tarde
Dois painéis foram realizados na parte da tarde,
durante o debate "Fortalecimento da Proteção e Defesa do Consumidor
- Um Desafio para o Século XXI". O primeiro, intitulado "Ações Civis
Públicas", coordenado pela deputada Vanessa Lucas (PSDB), teve como
protagonista o advogado Délio Malheiros, que expôs as várias frentes
de batalha do Movimento das Donas de Casa (MDC), que resultaram em
70 ações civis públicas.
Malheiros revelou que o MDC estendeu seus
questionamentos à cobrança abusiva de taxa de assinatura da
telefonia fixa, que resulta na penalização da população mais pobre e
no favorecimento dos ricos; aos hidrômetros domiciliares, em que o
consumidor paga pelo ar que passa pelo cano como se fosse água; à
supressão dos subsídios que protegiam o consumidor de 80 a 180
kwh/mês de energia elétrica.
Além da área das concessionárias de serviços
públicos, o MDC atuou contra o indexador em dólar para as operações
de leasing, contra os valores pagos como indenização pelo DPVAT, o
seguro dos automóveis, contra os telefones 900 e 0900 do
disque-amizade, contra o desvio do dinheiro da taxa de iluminação
pública, e até contra proposta recente que prevê indenização para
pessoas que se ferirem nas cercas elétricas. Malheiros chama essa
indenização de "seguro do ladrão".
O promotor Marcos Toffani Baer Bahia, do Procon
estadual, lembrou que a defesa do consumidor é uma das atribuições
do Ministério Público, e alertou para um lobby permanente dos
"setores conservadores" para desmontar as conquistas dos
consumidores. "Eles tem obtido algumas vitórias. O desafio diante de
nós é consolidar as conquistas e continuar lutando", afirmou.
Edy Mussoi, presidente do MDC do Rio Grande do Sul,
disse que o seu movimento "é filhote do mineiro" e fui fundado há 17
anos. "O que vocês fazem aqui, nós seguimos em nosso Estado",
acrescentou.
MDC mineiro é exemplo para os demais
estados
Na fase de debates, a maioria das perguntas e
consultas foram dirigidas ao advogado Délio Malheiros. O
representante do Amazonas disse que o Governo vendeu os serviços
públicos de água, esgotos, luz e telefone, e que agora permitia a
cobrança de 80% da conta de água para o serviço de esgotos, que é
explorado por uma empresa francesa. Malheiros lembrou que a Copasa
mineira tinha sido autorizada a cobrar taxa de lixo, e que isso foi
derrubado. Recomendou que os manauaras recorressem à Justiça, mas
antecipou que "se for taxa, é inconstitucional; se for tarifa, só
pode ser praticada pelo seu efetivo custo".
Xisto, de Porto Velho (RO), disse que Lúcia
Pacífico é tão conhecida em Rondônia quanto aqui, e que o MDC lá
entrou com ação civil pública contra os supermercados que não querem
informar os preços. Malheiros disse que, no caso de discrepância nas
etiquetas, prevalece o menor valor. Relatou a luta do MDC contra
sete redes de supermercados para a etiquetagem do produto, que é
exigência do consumidor mineiro. "O Carrefour entrou com 14 recursos
e foi até o Supremo, e perdeu todos. Agora vamos receber as multas,
que são de R$ 10 mil por dia durante seis anos, e esse dinheiro vai
compor o Fundo de Defesa do Consumidor", afirmou.
Foram discutidos ainda as tarifas bancárias, o
cumprimento da lei contra fumar em shoppngs e repartições
públicas e o caso do "apagão" ocorrido em Florianópolis, objeto de
ação do MDC local para ressarcimento dos consumidores que tiveram
prejuízos.
Agências Reguladoras são reprovadas pelo
consumidor
O quarto e último painel tratou do desempenho das
agências reguladoras criadas pelo governo para fiscalizar as
concessionárias de serviços públicos e monopólios estatais, a
exemplo da ANP, Aneel, Anatel, ANA, ANS, Anvisa, Inmetro e Banco
Central. Sezifredo Paz, coordenador do Instituto de Defesa do
Consumidor (Idec), disse que a criação das agências "não gerou
benefícios para a população em geral em termos de preços e qualidade
dos serviços", e que o papel das agências precisa ser regulamentado
em lei.
O professor Marcelo Sodré, da PUC São Paulo,
questionou se as agências poderiam ou deveriam ser órgãos de defesa
do consumidor, e leu trechos de leis e decretos que estabelecem, por
exemplo, que cabe à Anatel reprimir infrações aos direitos dos
usuários. Sodré chama atenção à expressão "usuário", que difere um
pouco de consumidor, e concluiu que "as agências se excluem do
sistema e se colocam acima da legislação".
Sezifredo Paz disse que uma avaliação conduzida
pelo Idec sobre o desempenho das agências junto ao público deu a
estas a nota média de 4,2 em 10. A melhor qualificada foi a Aneel,
de energia elétrica, e as agências do petróleo e das águas não foram
avaliadas. Para Sodré, isso demonstra a reprovação das agências
reguladoras.
Milton Marques, da Eletrobrás, fez uma longa
exposição sobre o desperdício de energia elétrica no Brasil e sobre
os reflexos que isso pode ter num país onde a demanda de energia
elétrica cresce 5,2% ao ano, e onde é necessário construir novas
usinas ou recorrer às termelétricas. Marques informou que o consumo
médio do Brasil é de 1.671 kWh/habitante/ano, média relativamente
baixa de comparada aos países desenvolvidos. Disse ainda que de cada
R$ 100,00 pagos pelo consumidor, apenas R$ 29,00 vão para a
concessionária, e que o restante são impostos.
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