Anteprojeto de Saneamento Ambiental não tem
defensores
Um anteprojeto de lei federal estabelecendo uma
política nacional de saneamento ambiental, enviada para discussão
nos Estados pelo Ministério das Cidades, conseguiu a unanimidade do
repúdio de todas as entidades de engenharia sanitária, sindicatos e
associações de classe envolvidas neste assunto. A proposta prevê,
inclusive, a extinção de prestigiosas empresas de saneamento como a
Copasa mineira e a Sabesp paulista, dentro de cinco anos, ao proibir
a renovação dos contratos de concessão celebrados com as
prefeituras.
Pela gravidade e urgência do assunto, o anteprojeto
provocou, nesta quarta-feira (1º/9/04) uma reunião da Comissão do
Meio Ambiente e Recursos Naturais da Assembléia Legislativa de Minas
antes mesmo do Seminário Legislativo sobre Saneamento Ambiental, um
evento que a Assembléia vem preparando há meses, e está marcado para
o período de 13 a 16 de setembro. A reunião, solicitada pelo
deputado Fábio Avelar (PTB), foi presidida pelo deputado Doutor
Ronaldo (PDT) e aconteceu num auditório lotado principalmente por
engenheiros e técnicos da Copasa. O próprio presidente da empresa,
Mauro Machado Costa, veio trazer sua indignação contra a proposta do
Ministério das Cidades.
"Esse anteprojeto foi concebido por algum
'iluminado' de Brasília, ignorando a realidade do saneamento básico
no Brasil, no qual as empresas estaduais são responsáveis por 75% de
toda a água tratada distribuída à população. Essas pessoas dizem que
estão ouvindo a todos, mas não acatam nada, porque estão convictos
de que sabem mais que a Copasa, que tem mais de 40 anos de
experiência e uma tecnologia exemplar. Entre todas as entidades de
engenharia ambiental e sanitária, esse anteprojeto conseguiu o
consenso da divergência", ironizou Machado Costa.
Argumentos fortes foram oferecidos por diversos
especialistas que estudaram o anteprojeto. Marcos Tadeu Abicalil, da
Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais, que
representa 25 empresas estaduais de saneamento que atendem 3.921
municípios brasileiros, disse que o anteprojeto contém dispositivos
claramente inconstitucionais e outros duvidosos, que afrontam a
autonomia e invadem competências de estados e municípios.
"Ressuscitaram o Planasa do tempo da ditadura com um autoritarismo
ainda maior", comparou Abicalil. "Água, esgoto, coleta de lixo e
drenagem estão sendo tratados como se fossem a mesma coisa",
acrescentou.
Walter Vilela Cunha e José Antônio Cunha Melo, da
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária, criticaram vários
pontos das diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico
contidas no anteprojeto, especialmente na regulamentação dos
consórcios públicos de municípios para tratamento de água. "O
projeto não faz restrições quanto aos consórcios se formarem fora
das bacias hidrográficas, o que traz dificuldades a mais, e também
não oferece possibilidade de se criar empresas para drenagem e
disposição de resíduos sólidos", disse Cunha Melo. "Assegura ao
usuário o direito de não pagar tarifas que não tenham sido
estabelecidas em lei e proíbe os subsídios cruzados", acrescentou
Walter Cunha. Ambos consideram o projeto muito ruim, necessitando de
uma nova versão, o que inclusive já teria sido admitido pelo
ministro Olívio Dutra, segundo Abicalil.
José Maria dos Santos, presidente do Sindágua, que
reúne os empregados da Copasa, disse que o único ponto positivo do
projeto é estimular o debate. "O subsídio cruzado, que permite à
Copasa cobrar tarifa unificada, compensando os municípios
deficitários com os superavitários, é uma forma de redistribuição de
renda, que não é permitida no anteprojeto. Se a Copasa for extinta,
onde vamos trabalhar? Nos consórcios? Esses consórcios seriam de
pobres, porque nenhum município superavitário concordaria em
ingressar neles", disse o sindicalista.
Santos defendeu a retirada das parcerias
público-privadas do anteprojeto, por entendê-las prejudiciais à
missão social das empresas de saneamento de promover a
universalização do acesso ao saneamento básico, e também defendeu
que haja controle social sobre as empresas de saneamento.
A única voz que se levantou para defender alguns
pontos positivos do anteprojeto foi a de Dóris Aparecida Garisto
Lins, presidente da Associação dos Serviços Municipais de Água e
Esgotos, mesmo assim com várias restrições. "Temos que absorver os
méritos do projeto e combater o que está em desacordo com nossos
sonhos de universalização da oferta de serviços", disse ela.
"Assinalamos 14 pontos positivos no anteprojeto, e 42 pontos
passíveis de discussão. É preciso haver transparência nos contratos
dos municípios com as empresas estaduais e os prefeitos precisam
dizer quanto arrecadam e quanto investem em saneamento básico",
acrescentou.
Gustavo Machado, da Secretaria de Desenvolvimento
Regional e Política Urbana, disse que o projeto deveria apenas
"traçar diretrizes gerais para o saneamento ambiental, fornecer a
moldura, cabendo aos Estados e municípios decidir a pintura, e não
descer a 672 normas de detalhamento como faz, ferindo a autonomia
dos entes federados".
O deputado Fábio Avelar também manifestou suas
preocupações com a segmentação dos serviços de água e esgotos, e com
a quebra da harmonia e da eficiência hoje existentes, que pode
prejudicar a convivência dos vários setores. Para ele, o Seminário
Legislativo de Saneamento Ambiental, que começa dentro de doze dias,
será uma grande oportunidade para combater essa proposta tão
distante da realidade dos estados e municípios.
Requerimentos - A comissão
aprovou ainda requerimentos do deputado Leonardo Quintão (PMDB),
pedindo esclarecimentos sobre a extinção do selo verde e medidas
para evitar a comercialização de carvão produzido com mata nativa. E
outro do deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), pedindo investigações
das autoridades do município de Extrema sobre danos ambientais
causados pelo aterro do bairro Pessegueiro.
Presenças - Deputados
Doutor Ronaldo (PDT), vice-presidente que dirigiu a reunião; Fábio
Avelar (PTB), Leonardo Quintão (PMDB) e Biel Rocha (PT).
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