Implantação de sistema nacional de cultura vai articular ações
O fortalecimento institucional do Ministério da
Cultura e da implantação do Sistema Nacional de Cultura, com a
participação articulada entre União, Estados e municípios, nos
moldes do Sistema Único de Saúde, é o caminho que o governo federal
tem tomado para fortalecer as políticas públicas nesse setor. Foi o
que explicou o secretário de Articulação Institucional do Ministério
da Cultura, Márcio Augusto Freitas de Meira, que participou do
primeiro dia do Fórum Técnico Cultura: Política e Financiamento, uma
realização conjunta da Assembléia Legislativa de Minas Gerais e a
Secretaria de Estado de Cultura, nesta segunda-feira (30/8/04). O
encontro se estende até esta quarta-feira (1º), no Plenário.
De acordo com Meira, o objetivo do governo federal
é iniciar a implantação de acordos de cooperação entre os entes
federados, baseados em outros sistemas públicos já existentes, ainda
este ano. Para o funcionamento do sistema, cada ente deverá manter
um órgão governamental, como uma secretaria, por exemplo, para
coordenar as políticas; e criar conselhos fortes, com a participação
paritária da sociedade civil. A criação e o fortalecimento de
legislações de incentivo ao financiamento cultural e o planejamento
compartilhado a curto, médio e longo prazo também são prioridades de
ação do Ministério da Cultura.
Ainda segundo o secretário de Articulação
Institucional, o Ministério vem trabalhando com três pilares. O
primeiro é a cultura ser considerada como direito social, conforme a
Constituição Federal, tendo o cidadão como alvo das políticas
públicas - e não os artistas e produtores culturais. O segundo
aspecto, de acordo com o secretário, é considerar a cultura como
aspecto fundamental da construção da identidade e da diversidade do
Brasil, inclusive para reconhecimento internacional do País. Por
fim, a influência da cultura na economia também é outro pilar
fundamental para o fortalecimento das políticas públicas: "A cultura
tem participação efetiva no PIB e isso deve ser tema de qualquer
política voltada para o setor".
Silva pede comissão permanente
A necessidade de compreender a cultura como
importante segmento na área econômica também foi bastante ressaltada
pelo secretário de Estado de Cultura, Luiz Roberto do Nascimento e
Silva. "Há um certo pudor de se associar cultura e processo
econômico, apesar de ela ser empregadora maciça de mão-de-obra. Na
Região Metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, o setor é a
sexta atividade econômica fundamental", analisou o secretário,
lembrando que o grau de informalidade e a sazonalidade são fatores
que podem "escapar" das pesquisas. "Nossa tarefa é grandiosa mas
difícil, pela pluralidade. No setor cultural acontece um fenômeno
importante: todos os recursos oferecidos são captados", afirmou.
Ao final de sua exposição, o secretário fez um
apelo: a criação de uma comissão permanente na Assembléia
Legislativa para tratar especificamente da área cultural. "É preciso
ter essa especialidade porque lidamos com um público muito
diferenciado", defendeu. Outra sugestão dada por Luiz Roberto do
Nascimento e Silva foi, além de manter o percentual previsto na lei
estadual de incentivo à cultura, criar um fundo alternativo voltado
para projetos sem grande apelo mercadológico.
Deputado ressalta potencial do Estado
A abertura do Fórum Técnico Cultura: Política e
Financiamento" foi feita pelo autor do requerimento pela realização
da atividade, deputado Domingos Sávio (PSDB), que representou o
presidente da Assembléia, deputado Mauri Torres (PSDB). "Minas tem
muitas possibilidades culturais, mas uma análise quantitativa e
qualitativa nos mostra que a produção cultural do Estado ainda
possui um grande campo a ser explorado", afirmou Domingos Sávio, que
também destacou a cultura como indutora do desenvolvimento de outros
campos da sociedade. O parlamentar lembrou que a Assembléia também
organizou uma discussão sobre o setor cultural na década de 90, que
acabou resultando na reformulação da política cultural do Estado.
Também participou da mesa da manhã o deputado André
Quintão (PT). Ele ressaltou a importância de o fórum técnico ser
realizado pela Assembléia e pela Secretaria de Cultura neste
momento: "A Assembléia vai fazer, no mês de outubro, a primeira
revisão participativa do Plano Plurianual de Ação Governamental
(PPAG), que estipula prioridades para os quatro anos de governo",
afirmou.
Investimento em cultura ainda é baixo no interior
do Estado
O presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais (Iepha), Octávio Elísio Alves de Brito,
ressaltou a importância de haver articulação entre os diversos entes
públicos para que a política cultural seja permanente e efetiva em
Minas Gerais. Para ele, que participou do Fórum sobre financiamento
da cultura, na manhã desta terça-feira (30/08/04), no Plenário da
Assembléia, o diálogo entre os produtores da cultura e os atores
políticos também é fundamental, uma vez que da Assembléia
Legislativa saem as leis onde são definidas as questões básicas
relacionadas ao financiamento da cultura. Octávio Elísio lembrou que
a Constituição Federal de 1988 define cultura como direito do
cidadão; sendo o Estado responsável por garantir o acesso de todos
aos bens culturais.
Octávio Elísio cita o instituto do tombamento como
fundamental para a proteção do patrimônio cultural do Estado.
Segundo ele, a legislação vigente no Estado incentiva os municípios
a inventariarem seu patrimônio, ao conceder pontos, que depois são
revertidos em recursos aos que têm bens tombados. "O que antes era
um entrave para a cidade, agora é fonte de receita". De acordo com o
presidente do Iepha, hoje já são mais de três mil bens municipais
tombados, um número que também demonstra quão importante é o papel
do município na gestão do espaço urbano. O desafio, admite ele, é
fiscalizar a aplicação dos recursos arrecadados, e que deveriam ser
reinvestidos em cultura, o que nem sempre acontece.
Municípios precisam de assessoria para apresentar
bons projetos
O superintendente da Fundação Cultural Alfredo
Ferreira Lage, José Alberto Pinho Neves, de Juiz de Fora, disse que
aquela prefeitura investe 1,75% de seu orçamento em cultura, com
projetos de incentivo à leitura e ao desenvolvimento da literatura,
entre outros. Na opinião dele, a Lei estadual 11.726, de 1994,
precisa ser reformulada para continuar cumprindo seu papel, e
valorizar os produtores culturais do Estado, inclusive os do
interior. José Alberto fez uma ressalva com relação à postura do
Estado e daqueles que produzem cultura: "o interior precisa ser
valorizado pelo Estado, mas as propostas que vêm dos pequenos
municípios precisam ter qualidade, e não apenas quantidade",
afirmou.
Provocado por um dos participantes do Fórum, sobre
o que é ou deixa de ser um bom projeto cultural, o superintendente
evitou a polêmica, afirmando que os projetos vindos do interior não
conseguem financiamento, freqüentemente, por não terem a forma
adequada à lei. "Muitas vezes o município precisa de apoio logístico
para apresentar boas propostas", lamentou. O secretário de Estado da
Cultura, Luiz Roberto do Nascimento e Silva concordou com o
representante de Juiz de Fora: " É verdade que há produtores e
grupos culturais que não têm condições de preencher tantos
formulários, contratar advogados etc."
Instâncias do poder público devem ter competência
estabelecida
O presidente da Fundação Clóvis Salgado (FCS),
Mauro Guimarães Werkema, foi o palestrante da tarde desta
segunda-feira (30/8/04) do Fórum Técnico Cultura: Política e
Financiamento, realizado no Plenário da Assembléia Legislativa.
Werkema disse que no Brasil não há uma política clara que estabeleça
as competências específicas da União, do Estado e do município.
Isso, segundo ele, gera uma superposição de ações na área da
cultura.
O executivo defendeu um mecanismo de financiamento
diferenciado para o teatro, opinião contestada pelo presidente da
Associação Artística dos Músicos de Minas Gerais, Weber Lopes:
"Precisamos exigir políticas especiais para todos os setores
culturais, pois cada um deles tem as suas especificidades",
argumentou.
Lembrando que a produção cultural brasileira
depende principalmente das leis de incentivo, o que faz com que a
maior parte dos recursos seja empregado pelo poder público, Werkema
falou sobre as dificuldades para que Estados e municípios financiem
iniciativas culturais, dada a sua "crônica crise financeira".
Finalmente, o presidente da FCS defendeu a maior integração entre
cultura e turismo, como ocorre na Bahia.
O diretor da Superintendência de Ação Cultural da
Secretaria de Estado da Cultura, José Eduardo Castro Liboreiro,
endossou as declarações de Werkema e informou que apenas dez
empresas são responsáveis por 90% do patrocínio cultural no Estado.
Já o professor da PUC Minas José Márcio Barros falou da importância
das cidades para a cultura, uma vez que é nelas que as atividades se
realizam. Ele defendeu a reativação do Conselho Estadual de Cultura
como órgão de regulação social e fiscalização da política de
incentivo à cultura e ainda a maior presença da arte nas
universidades.
Mais verba e menos verbo
Uma postura mais ácida a respeito das omissões do
poder público em relação à cultura foi mostrada pelo diretor de
teatro Pedro Paulo Cava, que se colocou como porta-voz da
resistência cultural mineira. "Nós, que escolhemos viver e trabalhar
neste Estado que é tão difícil para a cultura como para qualquer
outra atividade, não podemos ficar reféns do Estado e das leis de
incentivo à cultura, nem ficar sempre falando as mesmas coisas em
inúmeros seminários como este. O que a Cultura precisa é mais verba
e menos verbo", disparou.
Desde os anos 70, quando começou sua militância no
teatro em Minas, Cava notou que havia seis teatros em Belo
Horizonte, todos do poder público, e que agora há 45 espaços
particulares, e que hoje há uma centena de companhias teatrais, e
inúmeras galerias. "Ou seja, o Estado cresceu culturalmente e hoje
possui o maior PIB cultural do país. Há 80 casas de espetáculos no
interior, o que permitiria fazer um circuito para apresentação de
peças e exposições de arte", informou. O teatrólogo também denunciou
que existe um hiato entre as peças destinadas ao público infantil e
ao público adulto. "A falta de formação teatral para os adolescentes
é uma lacuna que veio da ditadura", disse Cava.
Em seguida, o coordenador dos trabalhos da tarde,
deputado André Quintão (PT), abriu a palavra para a platéia.
Inúmeras pessoas foram ao microfone, dividindo-se entre formular
questões aos expositores, encaminhar críticas e formular propostas.
Entre estas contribuições, houve quem lembrasse que os municípios
ignoram que podem usar parte do seu ISS e do IPTU para apoiar grupos
culturais locais, houve cobrança sobre a prioridade que deveria
haver na lei de incentivo à cultura para proteger patrimônio
tombado, houve discussão sobre a descentralização da cultura através
de instâncias regionais formadas a partir de uma sólida base
municipal.
O cerne do debate foi a ampliação de 0,3% para 0,5%
a renúncia fiscal para financiamento da cultura. Muitos consideraram
esse acréscimo de R$ 14 a R$ 15 milhões "uma miséria", ou "uma gota
d'água num oceano de carência", mas o deputado Domingos Sávio
(PSDB), que participou da mesa, pregou uma postura mais realista, e
lembrou que nem esse benefício estava assegurado. "Depois que todos
nós estivermos de acordo a respeito desse ponto, ainda teremos que
enfrentar a resistência da Secretaria da Fazenda em aumentar a
renúncia fiscal", disse o deputado.
José Eduardo Liboreiro, provocado pela platéia,
disse que as grandes empresas estão criando seus próprios institutos
e fundações e ali aplicam os recursos que deveriam distribuir pelos
empreendedores culturais, e disse que a Lei Rouanet precisa de
aperfeiçoamentos. Mauro Werkema também criticou a excessiva
concentração de incentivos no eixo Rio-São Paulo.
Outro tema que mobilizou os participantes foi
levantado por Pedro Paulo Cava, que lembrou a omissão do Banco Itaú
nas questões culturais. "Esse banco ganha uma fábula para
administrar as contas do Governo de Minas e não retorna nada para a
sociedade mineira. O Itaú Cultural nem sequer existe mais",
denunciou. O deputado Domingos Sávio confirmou que o Banco Itaú
"lucra bilhões" em Minas, e disse que um projeto seu cria na
Assembléia a Comissão Permanente de Cultura, que teria força
institucional para apoiar essas atividades no Estado.
Ao encerrar a reunião, o deputado André Quintão
informou que a ata com a transcrição completa dos pronunciamentos do
fórum será publicada no sábado, dia 18 de setembro, e que a data da
reprise pela TV Assembléia, para quem desejar gravar a íntegra do
fórum, será divulgada após a plenária do dia 1º de setembro.
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