Torturados reivindicam recebimento de indenizações
Deputados da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa se reuniram nesta terça-feira (31/8/04) com
lideranças dos exilados, dos ex-presos políticos e dos anistiados e
com autoridades do governo estadual para debater os 25 anos de
edição da Lei Federal 6.683/79, mais conhecida como Lei da Anistia.
Ao abrir os trabalhos, o deputado Durval Ângelo (PT), presidente da
comissão, alertou que o debate iria "reabrir uma ferida indelével na
alma da sociedade brasileira", mas que "os militantes dos direitos
humanos não podem permitir que a memória caia no esquecimento e
precisam responsabilizar o Estado pelos crimes contra pessoas
ocorridos dentro de suas dependências".
Em nome dos anistiados, Gilse Cosenza disse que a
luta não é meramente pelo pagamento das indenizações às vítimas de
tortura previstas na Lei Estadual 13.187/99, originada de projeto da
deputada Maria José Haueisen (PT). "Trata-se de uma luta pelo
aprofundamento da democracia no País. Um povo que não conhece a sua
história não poderá impedir que arbitrariedades desse tipo voltem a
acontecer. As indenizações não pagam - nem apagam - o absurdo que
foi a tortura patrocinada pelo Estado".
O preço da dor
As indenizações às vítimas de tortura durante o
regime militar, como prevê a lei, têm que ser pagas após aprovação
dos pedidos e montagem documentada dos processos pelo Conselho
Estadual de Direitos Humanos (Conedh), que optou por estabelecê-las
no valor máximo de R$ 30 mil, segundo a diretora de Promoção dos
Direitos Humanos da Sedese, Márcia Martini. "Quem somos nós para
colocar preço na dor das pessoas?", justificou a diretora.
As primeiras indenizações foram pagas ainda no
governo Itamar Franco, no qual 89 pessoas foram contempladas. Outros
90 casos que Franco deixou empenhados não foram pagos no primeiro
ano do governo Aécio Neves. Em março deste ano, 36 conseguiram
receber. Restam 206 processos completos, entre 600 pedidos já
protocolados. O subsecretário de Estado de Direitos Humanos, João
Batista de Oliveira, pediu apoio político à sua proposta de que o
governo pague a sete pessoas por mês, quitando os débitos até o
final deste governo.
Gilse Cosenza lembrou ainda que há 30 mil processos
tramitando em Brasília, para que os ex-presos políticos, exilados e
clandestinos, que foram expulsos das universidades ou dos empregos
no Estado, possam beneficiar-se da aposentadoria, e que seu tempo de
prisão seja computado para este fim. "Pelo ritmo atual em que o
benefício está sendo concedido, estaremos todos mortos antes de
obtê-lo", criticou.
João Batista de Oliveira relatou o trabalho em que
está empenhado para a implantação do Memorial dos Direitos Humanos
ainda este ano. Nos arquivos da ditadura, segundo ele, pode-se
encontrar a ficha de subversivo do ex-reitor da UFMG e da Uemg,
Aluízio Pimenta, porque compareceu a um churrasco em homenagem ao
escritor Jorge Amado, então deputado comunista, e outra do prefeito
de Juiz de Fora e ex-deputado federal Tarcísio Delgado, porque
advogava em favor de presos políticos quando estudante
universitário.
Márcia Martini e João Batista condenaram os
aspectos da lei da anistia que, criada para atender o clamor da
sociedade de redenção dos patriotas, serviu também para proteger os
torturadores e criminosos das forças armadas e da polícia. "Muitos
deles ainda são indicados para ocupar cargos de relevo nos governos,
quando não são denunciados pelas entidades de direitos humanos",
disse o subsecretário. "Soube inclusive recentemente que o coronel
Erasmo Dias, personagem central da tortura, requereu indenização ao
governo federal como se fosse vítima".
Da platéia, o jornalista Olavo Froes acrescentou
que o Cabo Anselmo, famoso traidor da esquerda nos anos de chumbo,
também requereu indenização. A coordenadora do movimento Tortura
Nunca Mais, Heloísa Greco, foi ainda mais veemente. "O Brasil é o
único país que emergiu da ditadura sem punir seus torturadores. Pelo
contrário, esses criminosos são homenageados. A mais importante
comenda da Polícia Civil tem o nome do delegado Luiz Soares da
Rocha, um grande torturador. O famigerado José Maria Cachimbinho,
considerado 'homem de ouro' da polícia, continua torturando na
Delegacia de Furtos e Roubos com os mesmíssimos métodos que usava
nos porões da ditadura. O próprio acervo da Coseg, que deveria ter
sido entregue ao Memorial dos Direitos Humanos, fica sob os cuidados
de outro emérito torturador e está sob sigilo perene, por ato de
Fernando Henrique Cardoso", disse ela.
Heloísa Greco alertou ainda que o movimento dos
anistiados não pode se limitar à questão da indenização pecuniária.
"A lei da anistia positivou uma estratégia do esquecimento, da
amnésia coletiva. Não podemos aceitar essa anistia recíproca. Para
nós, anistia tem que ser para a vítima, e não para o algoz. Temos
que exigir o desmantelamento do aparelho repressivo e a investigação
completa dos desaparecimentos, com a punição dos assassinos.
Desaparecimento é crime continuado, não prescreve. É direito sagrado
das famílias enterrar os restos de seus mortos e saber quem os matou
e como. O direito ao passado e à memória traz lições de cidadania à
sociedade", afirmou Heloísa Greco.
Requerimentos - Oito
requerimentos foram aprovados durante a reunião, sendo seis do
deputado Durval Ângelo. Dois deles pedem o encaminhamento de
relatório contendo denúncias de irregularidades que teriam sido
cometidas por agentes penitenciários do CEIP Belo Horizonte à
Secretaria de Defesa Social e à Promotoria da Infância e Juventude.
Durval Ângelo pediu ainda investigação da Polícia Federal da invasão
do jornal O Tempo, ocorrida em 26 de agosto, e de arbitrariedades
cometidas pela equipe do delegado federal Magno José Teixeira contra
o editor geral do jornal, Almerindo Camilo. Em outro requerimento, o
deputado pede à Secretaria de Defesa Social informações sobre
irregularidades na cadeia de Alfenas, como superlotação e condições
inadequadas. Durval Ângelo pede também manifesto de apoio à Pastoral
de Rua de Belo Horizonte pela iniciativa de reverenciar a memória
dos moradores de rua agredidos e assassinados em São Paulo. O último
requerimento do deputado pede providências para a instalação de
rampas para acesso de portadores de deficiência na Assembléia.
Um requerimento assinado por Durval Ângelo e Biel
Rocha, ambos do PT, pede uma audiência pública no dia 21 de setembro
sobre a campanha contra o abuso e exploração sexual de crianças e
adolescentes, a ser realizada nas escolas estaduais de 20 a 24 de
setembro. O oitavo requerimento, do deputado Gustavo Valadares
(PFL), pede audiência conjunta das comissões de Direitos Humanos com
Transportes e Obras Públicas e Participação Popular, para discutir a
implementação do passe intermunicipal para pessoas deficientes e
idosos no Estado.
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