Identificação do HTLV pode salvar vidas e poupar
recursos
Um vírus perigoso, capaz de causar leucemia,
paralisia e cegueira, desconhecido até pelas equipes de saúde, pode
estar infectando cerca de 1% da população brasileira, sem que
ninguém saiba. É o HTLV, que os especialistas consideram primo-irmão
do vírus da Aids, com mecanismos de transmissão semelhantes. Esses
dados alarmantes foram trazidos ao conhecimento dos deputados da
Comissão de Saúde da Assembléia, nesta quarta-feira (11/8/04) como
subsídio à discussão do projeto de lei 1.548/04, de autoria da
deputada Ana Maria Resende (PSDB), que torna obrigatória a
realização de testes sorológicos para detecção do vírus na rede
pública estadual de saúde.
Segundo a chefe da Divisão de Desenvolvimento
Técnico e Científico do Núcleo de Pesquisa HPB - Hemominas,
Bernadete Catalan Soares, o HTLV foi descoberto em 1980, e dez anos
depois foi comprovado ser a causa de um caso grave de leucemia no
Brasil. O Ministério da Saúde tornou obrigatória a triagem do sangue
dos doadores para evitar a transmissão.
"O vírus é mais freqüente no sexo feminino e sua
incidência aumenta com a idade. A Bahia e o Maranhão têm o maior
número de casos, sendo a presença maior em Salvador, com cerca de 2%
da população. Dois grupos da população apresentam soropositividade
importante: os índios e os usuários de drogas", segundo Bernadete.
Ela explicou que há três teorias para a origem do vírus: que tenha
chegado ao Brasil através das migrações pré-colombianas, que tenha
vindo com o tráfico de escravos ou com a migração japonesa no século
20. As formas de contágio mais freqüentes seriam através do sangue,
das secreções sexuais e do aleitamento materno.
Leucemia, paralisia e cegueira
"Dos soropositivos, 5 a 10% vão desenvolver doenças
graves, como a leucemia de células T do adulto, cuja forma aguda
mata em poucos meses, ou mielopatias capazes de levar à paralisia
progressiva e à morte, ou uveítes, que são manchas brancas na retina
que evoluem para o glaucoma e a cegueira", continuou a especialista.
O argumento mais forte em favor da detecção precoce também foi
fornecido por Bernadete Catalan: "Um teste Elisa para detecção do
HTLV custa R$ 5,00. O custo anual de um paciente com mielopatia é de
R$ 50 mil anuais. Com leucemia é de R$ 100 mil".
A gravidade do quadro foi acentuada pela
coordenadora de DST/Aids da Secretaria de Estado da Saúde, Maria
Tereza da Costa Oliveira. Segundo ela, numa amostragem de 85 mil
partos realizados pela rede pública estadual, 0,6% das mães
apresentaram o vírus HIV. Embora não haja pesquisas conclusivas, os
especialistas supõem que a epidemia de HTLV pode ser maior que a de
Aids. "Talvez tenhamos o maior número absoluto de casos de HTLV do
mundo", disse a presidente da Fundação Hemominas, Anna Bárbara
Proietti.
O professor da Faculdade de Medicina da UFMG,
Fernando Augusto Proietti, que também pertence ao grupo
interdisciplinar de pesquisa do HTLV, adiantou que o vírus mostra
também uma iniqüidade social importante, ao atingir
preferencialmente as camadas mais carentes da sociedade. O
presidente da comissão, Ricardo Duarte (PT), revelou que um médico
de sua equipe teve paralisia causada pelo HTLV.
Os deputados quiseram saber se as autoridades já
tinham um plano para enfrentar o problema. Ricardo Duarte indagou se
os testes podem ser feitos na rede pública de saúde fora do
Hemominas. Tereza Oliveira disse que a realização de testes ainda se
limita aos casos suspeitos. Anna Proietti informou que o Hemominas
já vem fazendo a triagem sorológica dos doadores e que a Fundação
Ezequiel Dias está aparelhada para testar o leite materno. Em caso
positivo, os médicos podem introduzir alimentação alternativa e
salvar o recém-nascido da contaminação.
Os outros controles também seriam semelhantes à
prevenção da Aids, mas Bernadete Catalan frisou que a reação Elisa
para HTLV tem que ser específica. Anna Proietti revelou que a
Secretaria de Estado da Saúde já se adiantou quanto à oferta dos
testes para apoiar os gestores municipais que decidirem levá-los até
a ponta do sistema, nos postos de saúde. Ela também assegurou à
deputada Ana Maria que o sistema estadual de saúde apóia
integralmente a aprovação de seu projeto.
Ana Maria revelou que o PL 1.548 passou com
dificuldades pela Comissão de Constituição e Justiça, já que os
exames teriam que ser feitos pelo Sistema Único de Saúde, que é
federal. No entanto, com sua insistência, os deputados aceitaram que
o Estado também assumisse responsabilidades no assunto. "Agora, com
estes esclarecimentos, temos certeza de que o parecer será votado
com maior facilidade nesta comissão e também no Plenário, para que
muitas vidas sejam poupadas e outras tenham qualidade melhor", disse
a deputada.
O deputado Carlos Pimenta (PDT) assegurou, como
relator do projeto, que seu parecer seria "absolutamente favorável".
Contudo, lembrou que, mesmo se aprovada a lei, isso não significa
que o serviço seja implementado. "Fizemos um levantamento segundo o
qual 95% das leis votadas pela Assembléia nos últimos anos estão
engavetadas e não foram cumpridas", afirmou.
Pimenta defendeu que o Estado dê condições
financeiras para que a Funed e o Hemominas possam desenvolver bem
suas atividades, e elogiou o secretário da Saúde, Marcus Pestana.
"Apesar de não ser médico, ele tem sido uma grata surpresa ao
mostrar não só sensibilidade para as questões de saúde, mas também
para organizar a atuação do Estado".
Presenças: Participram da
reunião os deputados Ricardo Duarte (PT), presidente; Carlos Pimenta
(PDT) e Célio Moreira (PL) e a deputada Ana Maria Resende
(PSDB).
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