50 mil sacas de café desapareceram em Muzambinho

Compra de títulos da dívida pública sem nenhum valor, endividamento crescente e sumiço de quase 50 mil sacas de café ...

09/08/2004 - 00:00
 

50 mil sacas de café desapareceram em Muzambinho

Compra de títulos da dívida pública sem nenhum valor, endividamento crescente e sumiço de quase 50 mil sacas de café são alguns dos elementos que compõem o retrato do descalabro administrativo da Cooperativa Municipal Agropecuária de Muzambinho (Coomam), que os deputados da CPI do Café da Assembléia Legislativa foram investigar no último sábado (7/8/04) naquela cidade do Sul de Minas. Em reunião que durou quase nove horas e foi acompanhada até o final por moradores da cidade e produtores rurais prejudicados, os deputados tomaram conhecimento do caos administrativo que culminou com a falência da cooperativa em abril deste ano.

A Coomam chegou a ter 6.484 cooperados e quatro filiais nas cidades vizinhas, atuando na armazenagem de café, beneficiamento de leite, venda de insumos agrícolas e até produção de doces, gerando cerca de 250 empregos diretos e indiretos. Hoje o que resta é um rombo de R$ 20 milhões, e a metade desse valor refere-se às sacas de café que sumiram do armazém da cooperativa, lesando cerca de 1,3 mil cafeicultores. Outros R$ 3 milhões são relativos a dívidas com bancos e fornecedores. A Coomam deve também R$ 7 milhões a aplicadores que investiram economias na cooperativa como se ela fosse um banco, oferecendo rendimentos maiores que a média do mercado na esperança de captar dinheiro para rolar suas dívidas.

Segundo o liqüidante da Coomam, Cezário Baptista, a cooperativa chegou a captar R$ 118 milhões dessa forma. Mas como o prêmio oferecido aos aplicadores era muito alto e a cooperativa estava endividada, em pouco tempo ela perdeu a capacidade de remunerar as aplicações. Nesse caso, na prática, a cooperativa agropecuária funcionava como um banco, o que é proibido pela legislação brasileira. Outra irregularidade constatada pelo liqüidante foi a prática recorrente de descontar cheques de terceiros, o que gerou enormes prejuízos, já que muitos não tinham fundos. De acordo com Batista, a documentação da cooperativa acusa quase R$ 2 milhões em cheques contabilizados e não encontrados e em cheques devolvidos que não foram contabilizados.

Títulos podres inflaram balanços

As irregularidades não param por aí. A Coomam também incluiu em seus balancetes operações com títulos da dívida pública para inflar suas receitas. De acordo com Cezário Baptista, no balancete de setembro de 2003, constam R$ 10,5 milhões como aplicações a longo prazo que na verdade referem-se a títulos da dívida pública. Esse dinheiro seria utilizado para saldar a dívida da cooperativa com o INSS, mas os papéis não têm valor nenhum atualmente. Em agosto do mesmo ano, o balancete aponta a compra de títulos da dívida pública por R$ 229 mil. Mas os papéis, que também não têm liquidez, foram inseridos na contabilidade no valor de R$ 773 mil, para garantir o pagamento de dívidas com o governo do Estado, segundo o liqüidante.

Para saldar dívidas, a Coomam chegou a adquirir, em 1998, uma fazenda de 246 hectares no Amazonas, a três dias de barco da cidade mais próxima. De acordo com Cezário Baptista, as terras foram adquiridas por R$ 1,5 mil e poderiam ser vendidas por R$ 11 milhões, segundo avaliação de uma empresa paulista. Mas na verdade as terras não têm valor nenhum, e a transação configurou mais um prejuízo para a cooperativa. Ainda segundo o liqüidante, a diretoria da Coomam ajuizou uma ação para transferir créditos a receber da cooperativa para sete diretores. "Essa cessão de crédito representa prejuízo para os cooperados. Estamos tentando anular isso, o que é um custo a mais para a cooperativa", disse Cezário Baptista.

Polícia investiga irregularidades

A Polícia Civil já investiga as irregularidades administrativas da Coomam. Um inquérito deu origem a um processo com 15 volumes, que pede o indiciamento dos membros da diretoria e do conselho fiscal da Coomam por crime de gerência temerária. Outros dois inquéritos, ainda em andamento, apuram a formação de quadrilha e a prática de estelionato por parte dos diretores da cooperativa.

Segundo o promotor Paulo Henrique Delicole, que pediu a abertura dos inquéritos, a polícia vem enfrentando muitas dificuldades para colher provas, até porque muitas pessoas da cidade têm receio de prestar depoimentos. A quebra dos sigilos financeiro e fiscal dos indiciados já foi solicitada, mas falta equipe especializada para fazer o cruzamento das informações contábeis com os dados da Receita Federal para acompanhar a evolução patrimonial dos diretores da Coomam.

Presidente admite "besteira"

O presidente da cooperativa entre 1988 e 2001, Roberto Vieira de Souza, atribui a crise financeira à conjuntura econômica do País nos anos 90, com juros altos, escassez de crédito e queda na cotação do café. Além disso, segundo ele, a diretoria da Coomam foi iludida pela promessa de dinheiro do Recoop, linha de crédito do governo federal para sanear as cooperativas. Ele negou o desaparecimento de café e a compra de títulos públicos podres, mas admitiu erros na administração da cooperativa. "No sufoco, a gente acaba fazendo besteira, sim", disse.

O gerente financeiro da Coomam, Pedro de Almeida Machado, disse que não participou da compra de papéis do governo e garantiu que a cooperativa não teve prejuízos com cheques devolvidos. A CPI também ouviu o comerciante Alfredo Eduardo Elias Gonçalves, que diz ter feito uma permuta de títulos públicos com a Coomam. Nessa troca, ele alega que a cooperativa ficou com papéis de valor maior e lhe pagou a diferença em dinheiro, mas nega que tenha levado vantagem na transação. Hoje a validade desses papéis, que foram comprados pela cooperativa por R$ 600 mil, está sendo contestada na Justiça.

Quem também vendeu títulos podres para a Coomam foi o empresário Aquiles Caetano, que já foi investigado pela CPI do Narcotráfico e já foi processado por estelionato e formação de quadrilha no Rio Grande do Sul. Candidato a prefeito de Muzambinho, Aquiles garante que os papéis tinham liquidez no mercado na época. Disse também que as centenas de cheques sem fundo que ele trocou na Coomam não causaram prejuízo à cooperativa.

Deputados criticam má administração

O deputado Rogério Correia (PT) criticou a diretoria da Coomam. "Os agricultores não sabiam nada de dívida pública e ficaram à mercê da diretoria. Essa verdade é de indignar qualquer um", disse. O deputado Sargento Rodrigues (PDT) também condenou a desastrosa administração da cooperativa. "Os diretores agiram de forma descuidada e criminosa. Parece que eles não estavam preocupados com o dinheiro dos produtores rurais", afirmou. O presidente da CPI, deputado Sebastião Navarro Vieira (PFL), se disse incrédulo com as irregularidades apontadas e lembrou o prejuízo que a falência da Coomam trouxe para a economia de Muzambinho.

Foram aprovados requerimentos do deputado Sargento Rodrigues, convidando o liqüidante da Coomam, Cezário Baptista, e o promotor Paulo Delicole para comparecerem à Assembléia e prestarem mais esclarecimentos à comissão, e pedindo ao primeiro cópias de todos os cheques recebidos pela cooperativa, para subsidiar os trabalhos da comissão. O deputado Rogério Correia também teve um requerimento aprovado, que pede proteção policial para o liqüidante da Coomam.

Presenças - Participaram da reunião os deputados Sebastião Navarro Vieira (PFL), presidente; Sargento Rodrigues (PDT), vice; Rogério Correia (PT), relator; Fábio Avelar (PTB), Antônio Júlio (PMDB) e a deputada Maria Olívia (PSDB). Também estiveram presentes o prefeito de Muzambinho, Sérgio Arlindo Paolielo; os delegados de polícia João Simões de Almeida Júnior e Samir Vicente Ribeiro; o representante da Associação dos Cafeicultores Lesados pela Coomam, José Francisco Paccilo; e o ex-corretor de café da Coomam, Alcindo Campos Filho.

 

 

 

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