CPI reforça pedido de prisão de acusados por sumiço de
café
Em uma reunião que durou dez horas, a Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Café ouviu nesta segunda-feira
(31/5/04), na Câmara Municipal de Carmo do Rio Claro, Sul de Minas,
convidados e indiciados sobre o desaparecimento de mais de 18 mil
sacas de café em duas empresas da região. Vários requerimentos
solicitando providências foram aprovados, entre eles o de quebra de
sigilo fiscal e bancário dos acusados e levantamento fiscal nos
armazéns da região pela Secretaria de Estado de Fazenda e outro,
assinado por todos os membros da comissão, solicitando à juíza da
comarca empenho e agilização na decretação de prisão preventiva dos
dois proprietários e dos três administradores das empresas, conforme
pedido anteriormente feito pelo promotor da comarca de Carmo do Rio
Claro, Cristiano Cassiolato.
O inquérito policial registra o desaparecimento de
11.513 sacas dos Armazéns Gerais Ouro Preto, em Carmo do Rio Claro,
e outras 6.671 da filial, a Exportadora de Café do Carmo, em
Conceição da Aparecida. O caso veio a público no dia 16 de dezembro
e, no dia seguinte, as empresas fecharam para balanço e declararam
insolvência. A estimativa é de que o prejuízo dos produtores seja de
pelo menos R$ 4 milhões.
O promotor Cristiano Cassiolato afirmou que está em
andamento uma ação civil pública pedindo à Justiça a penhora dos
bens dos sócios e de suas esposas. Segundo Cassiolato, a ação
decorre do descumprimento de itens plenamente executáveis do termo
de ajustamento de conduta firmado em 28 de janeiro pelo Ministério
Público com os proprietários das empresas, Natal Marcos Pereira e
Josué Rogério Soares, que também teve a participação de uma comissão
representativa dos produtores lesados.
No termo de ajustamento de conduta, sobre o qual
ainda não houve prestação de contas ao Ministério Público, os
proprietários ofertaram uma série de bens e se comprometeram a
ressarcir 74,68% do valor devido, de acordo com a cotação do dia do
café - solução na esfera cível que foi considerada a que
beneficiaria o maior número de cafeicultores. A primeira providência
do acordo, que previa, entre outros itens, venda de imóveis e
colheita de safras futuras, foi a remoção do café que ainda estava
estocado. Antes do acordo, a Justiça havia interditado as empresas a
pedido do banco cooperativo local.
Estocagem não era cobrada
O promotor Cristiano Cassiolato disse ainda que a
conclusão do inquérito policial indica de forma clara que as
empresas se aproveitavam da boa fé dos produtores ao não cobrar pela
estocagem dos produtos, conforme determina o decreto que rege o
assunto. Segundo o promotor, "o armazém chamava para um 'bom
negócio', o que se configura um engodo. Além disso, variadas vezes o
café era transportado de uma empresa para outra, para que a
rotatividade desse uma boa aparência do estoque". Segundo
Cassiolato, o MP também pediu uma investigação sobre a relação das
empresas com os corretores de café. "Eles estavam organizados de
forma a transferir café sem baixa de estoque escritural",
afirmou.
O delegado de Carmo do Rio Claro e de Conceição da
Aparecida, Marcos Tadeu Brandão, informou que o inquérito policial
concluiu pelo indiciamento de Natal Marcos Pereira, proprietário, e
Welington Rosa, administrador dos Armazéns Gerais Ouro Preto, os
dois responsáveis pela saída de mercadoria. Segundo Brandão, todos
os depoimentos realizados durante a investigação policial foram
unânimes em ressaltar que a comercialização das mercadorias só
poderia ser feita após autorização dos produtores. Respondendo
a indagações dos deputados sobre investigações a respeito do
paradeiro da mercadoria desaparecida, o delegado disse que não foi
possível fazer esse rastreamento, já que vários corretores adquiriam
o produto.
CPI pede auxílio da Fazenda
Após ouvir o promotor e o delegado da comarca, os
deputados tomaram depoimento de dois servidores da Secretaria de
Estado da Fazenda que trabalham nas duas cidades: João Carlos
Ferreira e Wagner Lomon. Os deputados pediram informações sobre o
pagamento de tributos por parte dos dois armazéns, mas eles
afirmaram que não tinham como saber se houve saída de mercadoria sem
nota fiscal das empresas Armazéns Gerais Ouro Preto e Exportadora de
Café do Carmo. Os parlamentares questionaram também o promotor sobre
o enquadramento dos envolvidos em prática de sonegação fiscal.
Segundo Cassiolato, é preciso antes fazer um levantamento sobre os
créditos tributários relativos às empresas. Em função disso, a CPI
vai solicitar ao secretário de Estado de Fazenda, a requerimento do
deputado Sargento Rodrigues (PDT), a indicação de uma equipe de
fiscais para auxiliar a fiscalização da CPI nos municípios e locais
que a comissão indicar.
Produtores - Em seguida, a
CPI ouviu quatro produtores rurais: Eleir Ribeiro de Carvalho,
Antônio Inácio Galdino, Orlando Forgetti e Isabel Lemos Pereira
Copieters. Segundo Isabel, um quinto produtor, Christovam Souto Lyra
de Freitas, participou, como representante dos cafeicultores, do
termo de ajustamento de conduta firmado com os proprietários da
empresa.
Depoimentos são contraditórios
Após quase oito horas de reunião, foram ouvidos os
administradores Leopoldo Vinuto e Luciano Barreto. Segundo a
denúncia do Ministério Público, eles estão envolvidos com o
desaparecimento das 18 mil sacas de café. Apesar da insistência dos
deputados em saber detalhes sobre o sumiço das sacas, ambos
declararam que, apesar de lidarem com estoque das mercadorias
armazenadas, não têm qualquer informação sobre o ocorrido; e que a
liberação de saída cabia apenas aos proprietários, Natal Marcos
Pereira e Josué Rogério Soares, e ao administrador Welington Rosa,
que entre 1997 e 2000 foi sócio da exportadora e, desde então, era
funcionário da empresa, sem carteira assinada.
Os dois administradores também afirmaram aos
deputados da CPI que as notas fiscais eram emitidas para qualquer
produto movimentado. Leopoldo Vinuto, que trabalhava em Carmo do Rio
Claro, disse não saber nada sobre o carregamento de três carretas
nos armazéns, na véspera de seu fechamento, conforme relatado
anteriormente por testemunhas. O gerente da Exportadora do Carmo,
Luciano Barreto, confirmou que era comum o transporte de café
"velho" da Exportadora aos Armazéns Gerais e que os donos das
empresas não fizeram queixa policial de furto ou roubo de
mercadoria, conforme já havia sido dito pelo delegado de Carmo do
Rio Claro.
Ao contrário do que foi declarado e confirmado
pelos outros dois funcionários e também pelo corretor de café José
de Souza Neto, também ouvido pela CPI por comercializar milhares de
sacas de café das empresas, Welington Rosa afirmou que recebia um
salário de R$ 2.500 para classificar e, "às vezes", comercializar o
produto estocado nas empresas. Questionado bastante pelos
parlamentares da CPI sobre a origem do depósito feito na conta da
irmã dele, Leila Fernanda Rosa, no valor de R$ 25 mil, em 17 de
dezembro, Welington Rosa negou qualquer relação do dinheiro com o
desaparecimento das sacas e enfatizou que o depósito resultava de
créditos trabalhistas atrasados, como férias e décimo-terceiro -
mesmo sendo ele, como afirmou por diversas vezes, empregado
informal, isto é, sem carteira de trabalho. O dinheiro acabou sendo
devolvido aos cofres das empresas para o ressarcimento dos
produtores, por determinação do Ministério Público.
Os deputados constataram ainda dois pontos
importantes do depoimento de Welington Rosa: que ele abriu um
escritório de corretagem há 30 dias e que Luciano Barreto tinha
participação na comercialização de café. Ele citou os nomes da
secretária e do contador da empresa como detentores de informações
pedidas pelos deputados. Essas pessoas devem ser ouvidas pela CPI,
juntamente com a advogada da Exportadora, Maria da Piedade, citada
pelo corretor José de Souza Neto.
Dono diz que foi funcionário
Os deputados notaram novas contradições nas
declarações do proprietário Natal Marcos Pereira, quando este, sem
ter ouvido as demais testemunhas, relatou sobre a rotina das
empresas, a relação com Welington Rosa e o sumiço das milhares de
sacas. Pelo depoimento de Natal, ele teria tido conhecimento do
sumiço do produto a partir de um telefonema do funcionário Luciano
Barreto, que, segundo ele, pode estar envolvido no furto de três
carretas do produto. Natal afirmou ter tentado fazer uma
representação contra o funcionário na delegacia da cidade, mas, por
falta de provas, teria desistido; e que, na verdade, ele - e não os
produtores - teria sido o autor do boletim de ocorrência policial
quando da descoberta da fraude.
Quanto à real situação de Welington Rosa na
empresa, Natal afirmou que esse funcionário é quem mais realizava a
comercialização de café estocado, sempre com autorização dos
produtores; e que a venda dos 33% das cotas do antigo proprietário,
em 2000, custou cerca de R$ 50 mil - e não R$ 15 mil, como declarado
por Welington Rosa à CPI. Natal Marcos relatou ainda que o pagamento
de Rosa era quase igual ao recebido pelos sócios, mas que o cheque
de R$ 25 mil teria sido pego de forma indevida pelo funcionário. O
dinheiro seria destinado ao pagamento de produtores.
Os deputados ouviram também o sócio de Natal Marcos
Pereira, Josué Rogério Soares. Ele disse que não participava do
cotidiano da empresa e que a comercialização ficava a cargo de Natal
e Welington. "Atribuo a situação a uma grande má administração. Fui
omisso", repetiu o depoente, enfatizando que não houve suspeita de
fraude ou roubo. Ele garantiu que não participava da venda de
produtos e que ficou sabendo da diferença no estoque uma semana
antes do fechamento, junto com os demais. Josué Rogério afirmou
ainda que não é verdade que ele retirava mensalmente cerca de R$ 3
mil, como dito pelo sócio; e que não se lembra da venda das ações
que pertenciam a Welington.
"Nenhum dos depoentes intimados tem explicação para
a causa do desaparecimento, que caracteriza crime de estelionato",
afirmou o vice-presidente da CPI, deputado Sargento Rodrigues. O
relator da comissão, deputado Rogério Correia, expressou opinião
semelhante: "A denúncia é de que houve má-fé, especialmente nos
últimos meses do ano". O presidente da CPI, Sebastiao Navarro
Vieira, lembrou a situação difícil dos cafeicultores,
principalmente os pequenos, e ressaltou a importância de esclarecer
as denúncias.
Outros requerimentos aprovados:
* do deputado
Rogério Correia (PT), solicitando ao Banco Central a quebra do
sigilo bancário de cinco envolvidos no desaparecimento de sacas de
café: Josué Rogério Soares, Natal Marcos Pereira, Welington Rosa,
Luciano Barreto e Leopoldo Vinuto;
* do deputado
Adalclever Lopes (PMDB), solicitando do delegado de Carmo do Rio
Claro o encaminhamento dos nomes dos proprietários e dos motoristas
dos veículos que transportaram café dos armazéns, além dos números
das placas desses veículos.
Presenças - Participaram da
reunião os deputados Sebastião Navarro Vieira (PFL), presidente;
Sargento Rodrigues (PDT), vice; Rogério Correia (PT), relator,
Adalclever Lopes (PMDB), relator auxiliar, e Fábio Avelar
(PTB).
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