Conferência de Direitos Humanos aprova 170 propostas
Dentre as 170 propostas votadas durante a Plenária
Final da II Conferência Estadual de Direitos Humanos, encerrada
nesta sexta-feira (28/5/2004) na Assembléia Legislativa, o
coordenador, deputado Durval Ângelo (PT), destaca como maiores
avanços a posição de fortalecimento do Ministério Público, mantendo
seu poder de investigação que está ameaçado de restrição por uma
Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) junto ao Supremo
Tribunal Federal, a oposição à federalização dos crimes contra os
direitos humanos e a proposta de aumento da pena para agentes
públicos que cometerem abuso de autoridade.
"Foi fundamental a defesa do Ministério Público,
que hoje é o grande parceiro dos direitos humanos. A federalização
dos crimes contra os direitos humanos poderia levar à impunidade dos
infratores, pois a Justiça Federal não está presente em todos os
lugares. Igualmente, consideramos ridículas as atuais penas por
abuso de autoridade, que hoje vão de dez dias a seis meses, e acabam
não punindo quem viola o lar das pessoas e humilha alguém em função
do seu cargo. A proposta é elevar de seis meses para três anos essas
penas, mediante modificação da legislação federal", disse Durval
Ângelo, que preside a Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia.
Participaram dos cinco grupos de trabalho que se
reuniram na tarde da quinta-feira e da Plenária Final não menos que
160 participantes de pelo menos 37 entidades que representam todos
os setores da sociedade, especialmente minorias cujos direitos são
violados com freqüência. Estavam ali entidades de travestis, gays,
lésbicas, negros, deficientes, favelados, associações comunitárias,
imigrantes, refugiados, trabalhadores rurais, estudantes,
anistiados, combate à tortura, defesa de crianças e adolescentes,
usuários de drogas, e também oficiais da PM, delegados de polícia, o
clero católico e os órgãos públicos.
"Excesso de propostas pode cair no vazio", alerta
Durval
Cada uma dessas categorias participou da elaboração
das 170 propostas e dezenas de moções apresentadas nos grupos de
trabalho. Como alguns conceituam direitos humanos de maneira muito
abrangente, as propostas trataram até da adoção de software
livre, aumento do salário mínimo, criação de bibliotecas e retomada
do desenvolvimento. O deputado Durval Ângelo acredita que as
propostas possam ser condensadas em 40 ou 50, sem perda de conteúdo,
e alinhadas em cerca de dez eixos de ação, citando como exemplo os
eixos de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e
adolescentes, ao trabalho escravo, à tortura, etc. "Quem tem 500
propostas não tem nenhuma. Temos que afunilar e priorizar", resumiu
Durval Ângelo.
A convivência durante dois dias entre
representantes de grupos sociais tão heterogêneos quanto travestis,
policiais, ex-torturados e usuários de drogas não foi exatamente
fácil, exigindo de organizadores e participantes o exercício
permanente dos princípios de democracia e tolerância. Mas o saldo
foi positivo, na opinião de muitos deles. Gilce Cosenza,
representante dos anistiados, avalia que houve ganho na participação
popular desde a primeira conferência, realizada há dois anos.
"Incorporamos setores que antes não se interessavam, como o
movimento comunitário, setores de educação, saúde e sindicalistas,
que passaram a perceber que os direitos humanos, civis, políticos,
sociais e culturais dependem de que toda a população os
garanta".
João Batista de Oliveira, secretário-adjunto de
Estado de Direitos Humanos, também considera que a militância
aumentou e que a conferência ganhou caráter deliberativo. "O
problema é o contingenciamento de recursos. Não dá para fazer
direitos humanos com corte de recursos, como está acontecendo com o
combate à exploração sexual de crianças e adolescentes", disse o
secretário. O coordenador estadual da Criança e do Adolescente,
Túlio Lamounier Barbosa, avalia que a mobilização cresceu, "mas as
violações continuam aumentando em Minas e no Brasil, inclusive os
casos de tortura".
"Ministro Nilmário poderia ter agido mais", diz
Heloísa Greco
Heloísa Greco, do movimento Tortura Nunca Mais, tem
opinião mais crítica. Para ela, a conferência foi bem organizada,
com ótimas discussões, mas surgiu com um vício de origem ao vir
verticalizada da Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República. "A primeira foi melhor construída, porque
veio da base, mas acho que as entidades ocuparam espaço e deixaram
claro o caráter instituinte da conferência, que tem que vir das ruas
e da sociedade", afirmou.
Heloísa Greco fez críticas à atuação do secretário
Nilmário Miranda, por não ter resolvido questões que estariam dentro
da sua faixa de "governabilidade". "Ninguém ainda disse que não
toleraremos mais tortura neste país. Ninguém promoveu a erradicação
da tortura nas delegacias. Até hoje os arquivos da repressão não
foram abertos, e nem foram reconhecidos os direitos dos familiares
dos desaparecidos políticos. Há um patamar mínimo que temos que
sanear para estabelecer a interlocução, uma base sobre a qual erguer
o sistema nacional consistente de direitos humanos", declarou a
militante.
Heloísa Greco apontou a organização da comunidade
gay nesta conferência como um fato positivo surpreendente.
"Numa sociedade machista como esta onde vivemos, para nós, mulheres,
foi um alento muito grande". Valkiria la Roche, presidente da
Associação dos Travestis e Transgêneros de Minas Gerais, denunciou
crimes medievais praticados contra travestis no Norte de Minas, como
a empalação, que atribui ao coronelismo e à intolerância das
famílias tradicionais.
"Queremos que o travesti tenha pelo menos o sonho,
e não apenas a utopia, de poder trabalhar em estabelecimento
público, nos órgãos de governo, ser cidadão comum e ter o direito à
educação. Professoras e diretoras não são capacitadas para atender o
diferente, e permitem a exclusão pelos colegas, pelos pais. O
travesti acaba não completando nem o primário", denunciou. A questão
do acesso a emprego seria ainda pior. "Ninguém emprega o travesti. O
que lhe sobra é o mercado do sexo. Por isso é cada vez maior o
número de travestis nas ruas. Não lutamos por dinheiro, por repasses
do Ministério da Saúde. Nosso recorte é um recorte de vida. A gente
milita por amor, pela nossa causa", afirmou La Roche.
Oficiais da PM vão levar resultado para discussão
nos quartéis
Várias propostas de interesse das organizações
policiais tiveram voto contrário da maioria da Plenária, mas o major
PM Marcelo Vladimir, comandante do Grupamento de Ações Táticas
Especiais (Gate), não considera isso uma derrota. "Cada pessoa votou
conforme sua percepção. Aqui e ali não fomos compreendidos, mas o
conjunto das propostas vem em benefício da pessoa humana, do serviço
policial, da segurança pública e dos direitos humanos".
O major anotou os ganhos da conferência. "Acho que
houve grande avanço em relação aos direitos da pessoa humana em
geral: negros, índios, brancos, sociedade civil, todos ganhamos
dignidade como gente. Este respeito eu presenciei durante esta
conferência e vou levar para minha corporação e meus companheiros de
farda", disse o major.
O deputado Durval Ângelo assegura que o manual de
Direitos Humanos da Polícia Militar é invejável, que qualquer
entidade de direitos humanos o aprovaria. Ao final da plenária,
foram eleitos 15 delegados da sociedade civil, representando os
grupos participantes, para participarem da IX Conferência Nacional
de Direitos Humanos, que acontece em Brasília, de 29 de junho a 2 de
julho próximo. Dez delegados representantes do poder público serão
indicados pelos órgãos, sendo cinco do Executivo, três do Judiciário
e dois do Legislativo.
|