Comissão ouve denúncias de exploração sexual de menores no Norte
de MG
A Comissão de Segurança Pública da Assembléia
Legislativa ouviu nesta quinta-feira (27/5/04) novas denúncias que
comprovam o envolvimento de políticos, policiais, funcionários
públicos e profissionais liberais numa rede de exploração sexual de
crianças e adolescentes em São Francisco, no Norte de Minas. Em
reunião realizada na Câmara Municipal daquela cidade, os deputados
ouviram pais de meninas que estão se prostituindo e foram subornados
para retirarem suas queixas na polícia.
O esquema está sendo apurado pelo Ministério
Público e pela Polícia Civil e deve culminar no pedido de prisão
preventiva de oito acusados que estariam atrapalhando as
investigações. "Está havendo um movimento para desestabilizar o
trabalho do Ministério Público e da Polícia Civil, mas nós vamos dar
continuidade às investigações", disse o deputado Rogério Correia
(PT), que pediu a realização da reunião.
A vendedora ambulante Terezinha Rodrigues Ferreira,
mãe de uma garota de 14 anos que estava se prostituindo, contou que
recebeu R$ 500 para que sua filha voltasse atrás em um depoimento
dado ao Ministério Público. Segundo ela, seu marido, Mamédio Joaquim
dos Santos, foi procurado pelo advogado Reginaldo Rodrigues dos
Santos, que lhe ofereceu o dinheiro e fez com que assinasse um
documento em que negava as acusações. "Eu não queria esse dinheiro
sujo. Mas como uma pessoa pobre e sofrida vai resistir a um dinheiro
desse?", questionou Terezinha.
Seu marido, Mamédio Joaquim dos Santos, tem 63 anos
mas não recebe aposentadoria. Por causa de um problema de saúde, ele
não tem condições de trabalhar há 23 anos. O casal, que tem oito
filhos menores de idade, recebe R$ 45 do programa Bolsa Escola e
outros R$ 25 do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.
Mamédio disse que aceitou o dinheiro porque ficou com medo e não
tinha como comprar um remédio de que precisava. O advogado Reginaldo
Rodrigues dos Santos estaria defendendo um funcionário da
Administração Fazendária em São Francisco identificado por Terezinha
apenas como "Fernando".
O advogado também teria procurado a dona de casa
Rita de Cássia Souza da Silva com o mesmo objetivo: fazer com que
ela mudasse o depoimento prestado ao MP segundo o qual um policial
militar teria explorado sexualmente sua filha de 14 anos. Seu
marido, Manoel Socorro da Silva, aceitou os R$ 2 mil oferecidos para
que o nome do policial não fosse citado no depoimento. "Ele disse
que, se fosse preso, mandava matar e depois se suicidava", contou. O
casal já tem sete filhos, espera mais um e recebe R$ 95 reais do
programa Bolsa-Família.
Segundo a integrante do Conselho Tutelar dos
Direitos da Criança e do Adolescente de São Francisco, Luzia
Ferreira Neves, a situação das meninas exploradas sexualmente é
muito semelhante. Todas são de famílias muito pobres e
desestruturadas, que enfrentam problemas sérios de fome, desemprego
e alcoolismo. "Algumas garotas aceitam fazer programas em troca de
um lanche", revelou. Os envolvidos no esquema de prostituição, de
acordo com a conselheira, "eram homens que toda a população admirava
como cidadãos". Ela reclamou que o dinheiro de boa parte dos
programas de distribuição de renda não chega até as famílias mais
necessitadas e que o conselho tutelar não tem condições de funcionar
adequadamente por falta de verba.
MP vai pedir prisão preventiva de 8
acusados
A promotora Luciana Kellen Santos Pereira começou a
investigar o caso em novembro do ano passado. De acordo com ela, a
polícia já concluiu o inquérito que aponta o envolvimento de quase
100 pessoas na exploração sexual de cerca de 50 crianças e
adolescentes na cidade, com idades entre dez e 14 anos. Nas duas
últimas semanas, segundo a promotora, algumas vítimas receberam
subornos e ameaças de morte, o que a levou a pedir a prisão
preventiva de oito acusados. "O Judiciário ainda não analisou o
pedido porque prefere esperar a formalização da denúncia, que será
oferecida no máximo até a próxima semana", garantiu.
O tenente Paulo César de Souza, representante da
comissão criada para apurar o envolvimento de policiais militares no
esquema, disse que os procedimentos administrativos da corporação
devem ser concluídos até a próxima semana. Segundo ele, vítimas,
acusados e testemunhas ouvidos confirmam o envolvimento de três PMs
na exploração sexual de menores em São Francisco. Os três também
serão indiciados no inquérito que a Polícia Civil vai remeter à
juíza de São Francisco, Rosana Siqueira da Paixão, na semana que
vem.
Deputados cobram providências
O presidente da comissão, deputado Sargento
Rodrigues (PDT), classificou como "crime nojento" a exploração
sexual de menores. "Não podemos entender tanta monstruosidade dessas
pessoas que exploram crianças e adolescentes de forma covarde. Não
podemos perder a capacidade de indignação com esse crime", afirmou o
deputado. Ele disse ainda que vai se esforçar para que as meninas
ameaçadas sejam incluídas nos programas de proteção a testemunhas. O
deputado Rogério Correia disse que ia se encontrar com a juíza de
São Francisco para que ela se manifeste o mais rápido possível sobre
o pedido de prisão preventiva dos acusados. "Esperamos uma punição
exemplar e vamos cobrar isso da Justiça", disse.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada
na Câmara Municipal de São Francisco para apurar a participação de
vereadores no esquema de prostituição infantil virou motivo de
bate-boca entre parlamentares locais. "Essa CPI é uma verdadeira
pizza. Não houve eleição de presidente e não foi tomado nenhum
depoimento", atacou o vereador Ricardo Figueiredo, um dos
integrantes da comissão. O presidente da CPI, Vilmar Arruda, disse
que espera receber uma denúncia oficial para depois tomar uma
providência.
Presenças - Participaram da
reunião os deputados Sargento Rodrigues (PDT), presidente; e Rogério
Correia (PT). Também estiveram presentes o delegado de São
Francisco, João Henrique Furtado de Oliveira, e os vereadores
Armando Gonçalves e Antônio Afonso Almeida.
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