Exploradores do trabalho escravo terão crédito oficial
negado
O ministro Nilmário Miranda, titular da Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, anunciou
que o governo Lula vai implantar medidas que impeçam os produtores
denunciados por trabalho escravo de tomar empréstimos nos bancos
oficiais, durante palestra na II Conferência Estadual de Direitos
Humanos, realizada na manhã desta quinta-feira (27/5/2004) no
Plenário da Assembléia Legislativa. O presidente da Comissão de
Direitos Humanos, deputado Durval Ângelo (PT), acrescentou que o
prefeito de Unaí, José Braz, acaba de ser condenado judicialmente
pela prática de trabalho escravo.
Nilmário Miranda mostrou-se preocupado com o
aumento da violência policial no País, apontado pelo relatório da
Anistia Internacional, divulgado nesta quarta-feira (26). Mas
garantiu que o trabalho para superar a situação deve ser feito pelos
Estados federados, onde acontece a violência. Nilmário lembrou que,
apesar das 3.000 mortes atribuídas a policiais no Brasil, apontadas
no relatório da Anistia, a situação está melhorando, porque o
governo federal tem liberado recursos para os Estados, pelo Fundo de
Segurança Nacional, que este ano terá R$ 12 bilhões. Ele acredita
que a forma de superar a violência praticada pelos policiais é
fortalecer as polícias e as corregedorias, dar autonomia aos órgãos
periciais e capacitar os agentes.
Liberdade - Em sua
palestra, o ministro desenvolveu a tese de que o Brasil está vivendo
o mais longo período de democracia plena de sua história, sem
ameaças de golpe. "Depois da ditadura militar, emergiu um fortíssimo
movimento popular no Brasil, com as organizações dos trabalhadores e
os movimentos pela anistia e pelos direitos humanos, e os avanços
populares na busca pela participação política direta. Para se ter
uma idéia, a emenda à Constituição pela reforma agrária chegou ao
Congresso com 1,5 milhão de assinaturas", disse Miranda.
Ao elogiar o pioneirismo de Belo Horizonte em
instalar em sua Câmara Municipal a primeira Comissão de Direitos
Humanos do país, em 1973, Nilmário disse que o presidente Lula criou
em seu governo, além da Secretaria Especial de Direitos Humanos, as
secretarias especiais da Igualdade Racial e dos Direitos da Mulher.
O ministro quer que a IX Conferência Nacional de Direitos Humanos,
marcada para o período de 29 de junho a 2 de julho, em Brasília,
trate de definir responsabilidades executivas e de estabelecer metas
a serem cumpridas em dois anos. "O Plano Nacional de Direitos
Humanos tem mais de 500 itens de caráter meramente declaratório. Não
estabelece quem irá fazer e como", disse Nilmário.
Presidente destaca desigualdades sociais
Na abertura do encontro, o presidente da
Assembléia, deputado Mauri Torres (PSDB), disse que o Brasil ainda
está longe de ter um modelo que propicie condições de plena
realização dos direitos humanos, em virtude da extrema desigualdade
social. "Isto significa a manutenção de um grande contingente de
marginalizados, de excluídos. E este segmento é o mais esquecido, é
também o mais vulnerável na violação dos direitos humanos",
destacou.
Para o presidente, um caminho para reduzir a
distância entre o que existe de conquistas legais e sua efetivação é
fazer cumprir o que está no papel. Ele recomenda um esforço conjunto
de órgãos públicos e entidades da sociedade civil.
Sociedade organizada dá suporte aos direitos
humanos
Só o Estado social produz uma sociedade onde os
direitos humanos são mais respeitados. E uma sociedade organizada em
redes dará melhores respostas aos direitos de todos. Estas foram
algumas das idéias discutidas pelos participantes da II Conferência.
O encontro prossegue na sexta-feira (28) e é uma preparação para a
IX Conferência Nacional de Direitos Humanos
Representando o secretário de Estado de
Desenvolvimento Social (Sedese), João Leite, o subsecretário de
Direitos Humanos, João Batista de Oliveira, lembrou que a
conferência estadual é uma oportunidade de levar a Brasília o olhar
de Minas sobre os direitos humanos. Ele ressaltou a importância do
caráter deliberativo da conferência nacional na formulação de
políticas para o Sistema Nacional de Direitos Humanos.
João Batista de Oliveira mostrou preocupação com o
aumento da violência dos agentes públicos, evidenciado no relatório
da Anistia e também no do Ministério Público de Minas, divulgado
este mês. Ambos apontam o aumento da violência praticada por
policiais. Ele disse que é preciso investir mais no social, para se
gastar menos com o policial.
A primeira palestra, sob o tema " O papel dos
diversos setores sociais na construção de um sistema de proteção dos
direitos humanos", foi feita pelo professor da UFMG José Luiz
Quadros Magalhães, que lembrou os aspectos históricos das conquistas
sociais. O professor disse que o Estado social é o que garante
melhores direitos aos cidadãos.
José Luiz disse que os tempos atuais estão
substituindo o líder carismático por milhares de lideranças,
formando uma sociedade em rede. "Quanto mais associações de bairros,
organizações não governamentais (ONGs), melhor para os direitos
humanos", afirmou. Para ele, é preciso afastar também os discursos
perigosos de tempos de crise, como o da intolerância.
Desrespeito à Constituição Federal
O jurista Dalmo de Abreu Dallari, da USP/Unesco,
lembrou os tempos em que percorreu o país como "caixeiro-viajante"
da Constituinte, pregando a participação popular na elaboração da
Carta, e recebeu uma injeção de ânimo ao encontrar-se com uma
delegação de mulheres de uma associação de bairro em Montes Claros,
que lhe traziam contribuições para a Constituição. Dallari lamenta
que a lógica econômica dos monetaristas de Chicago sejam colocadas
acima da Constituição.
"Os famosos acordos do governo com o FMI não são
aprovados pelo Congresso. Nossos representantes só tomam
conhecimento deles pelos jornais, e nada podem fazer quando o
governo destina muitos milhões para pagar agiotas internacionais e
transformar trabalhadores em mendigos", acusou o veterano jurista.
"Há outras duas criações neoliberais para burlar a Constituição. Uma
é o contingenciamento. Coloca-se uma verba para iniciativas sociais
no Orçamento e depois contingencia-se, ou seja, era só uma grande
safadeza, uma encenação. Outra é a flexibilização de direitos
trabalhistas, uma vigarice que ganhou força com o fim da União
Soviética em 1991.
Esses comentários foram feitos por Dallari após a
apresentação de um painel sobre a evolução dos direitos humanos
através dos tempos, que o jurista iniciou com a afirmação de que os
direitos humanos nascem com o ser humano, e são percebidos através
da História. "A vida, a saúde e a transmissão de conhecimentos, que
chamamos de educação, são direitos essenciais do ser humano. O
primeiro pensador dos direitos humanos foi Santo Tomás de Aquino,
que reconhecia inclusive o direito à rebelião. Mas a Igreja teve
seus pecados mortais contra o cristianismo, inclusive porque já foi
dona de escravos", relatou.
Em seguida, Dalmo Dallari explicou como surgiu a
nobreza européia no início da Idade Média e logo depois os
burgueses, plebeus que enriqueceram rapidamente com o comércio e
adquiriram poder econômico emprestando dinheiro aos nobres e aos
reis. Relatou a revolução inglesa comandada por Oliver Cromwell no
final do século XVI, que retirou o poder do rei e realçou a Câmara
dos Comuns acima da Câmara dos Lordes.
Extermínio - Por sua vez,
a professora da Uni-BH, Ângela Maria da Silva Gomes, falou sobre o
racismo e a desigualdade de oportunidades para os negros no Brasil.
A professora afirmou que a dominação da raça começou com os reis
católicos descendo da Europa para a África e seqüestrando 20 milhões
de africanos, e que os portugueses exterminaram 9 milhões de índios
brasileiros a pretexto da fé católica. Depois condenou a política de
esterilização das mulheres pobres brasileiras, adotada sob o
eufemismo de "planejamento familiar". Gomes afirmou que no governo
Maluf, em São Paulo, foram impressos cartazes mostrando uma criança
negra armada, com os dizeres "defeito de fabricação. Passe pelo
planejamento familiar".
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