Participantes debatem males sociais do eucalipto
A parte da tarde do primeiro dia do Ciclo de
Debates "O Eucalipto" foi dedicada à discussão das conseqüências
sociais dessa monocultura, sob a direção da deputada Maria José
Haueisen (PT). O primeiro expositor foi o holandês Winniefried
Overbeck, que trabalha há dez anos para a Fase, entidade educacional
do Espírito Santo. Ele tratou do aquecimento global da Terra em
função das emissões de gás carbônico industrial. Os estudos de que
dispõe revelam que, com a poluição mantida nos níveis em que está,
no final do século a Terra estará 3 graus mais quente. Para eliminar
o problema, os níveis de CO2 deveriam ser reduzidos em 60% a
70%.
Overbeck critica o principal instrumento mundial de
controle da poluição, o Protocolo de Kyoto, que fixa em 5% a redução
das emissões dos países ricos, e mesmo assim permite que se troque
expansão das emissões pelo plantio de florestas capazes de
absorvê-las. O holandês revela que as vantagens são todas para as
indústrias dos países ricos e para as empresas que fazem
reflorestamento, e os impactos ficam para as comunidades escolhidas
para introduzir a monocultura.
"Uma grande fábrica de celulose, a Aracruz, exporta
97% de sua produção, que é principalmente de papel descartável, para
o Primeiro Mundo. É difícil garantir o padrão de consumo atual de
embalagens e papel. O norte-americano consome nove vezes mais papel
que o brasileiro, e 58 vezes mais que o vietnamita. Se o padrão
americano de consumo fosse igual para todo o mundo, seriam
necessários seis planetas Terra para mantê-lo", informou
Overbeck.
Concentrando-se na questão local, o expositor disse
que no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo há 600 mil hectares
tomados por eucaliptos, e que a Aracruz Celulose acabou sozinha com
40 aldeias indígenas e retirou-lhes a maior riqueza, que era a Mata
Atlântica. Considerou também aviltante a terceirização de serviços
no plantio, corte e carvoejamento do eucalipto. "Conheço bem a
realidade na região de São Mateus, mas quantas comunidades existem
no meio dos eucaliptais de Minas, perdendo sua identidade, sua
referência, sua dignidade e sua cultura?", indagou.
A responsabilidade do agronegócio na exclusão
social
O professor do UNI-BH, Carlos Eduardo Mazzetto
Silva, agrônomo e geógrafo, fez palestra sobre "A problemática
sócio-ambiental da monocultura do eucalipto". Começou por considerar
indissociáveis os aspectos sociais e ambientais do eucalipto, e a
desqualificar o uso da palavra floresta para designar um eucaliptal.
"Floresta é um ecossistema heterogêneo, onde vivem milhares de
espécies animais e vegetais", definiu, acrescentando que o desafio
atual é o de orientar a sociedade para o caminho da
sustentabilidade.
Mazzetto acusou o agronegócio de ser responsável
por toda a exclusão social e pela violência que se expandiram pelo
Brasil nos últimos 40 anos. "O Brasil produz 120 milhões de
toneladas de grãos por ano. Isso daria duas toneladas por brasileiro
a cada dia, e mesmo assim há fome no País, porque os grãos se
destinam à exportação", disse ele. "Os governos tentam mitigar os
efeitos e conseqüências, em vez de rediscutir o modelo de
monocultura concentrador e excludente", acrescentou.
Mazzetto também lançou luz sobre a polêmica quanto
aos males que a monocultura traria ao solo e aos lençóis d'água,
revelando que os estudos do professor Paula Lima realizados em Grão
Mogol comprovam que o eucalipto produz dez vezes mais biomassa por
hectare do que o cerrado, e portanto absorve dez vezes mais água. "A
caatinga é seca e seus rios são temporários porque ali chove apenas
400 mm por ano. Mas no cerrado a precipitação anual é de mil
milímetros, dos quais 556 ficam no lençol freático para abastecer
permanentemente as nascentes. O solo do cerrado funciona como uma
esponja", ensinou. "Ocorre que, numa chapada forrada com eucaliptos,
eles vão absorver 41% dessa água, provocando o efeito da seca que as
populações marginais bem conhecem", concluiu.
Deputado confirma existência de complô
internacional contra a silvicultura brasileira
Dois expositores fecharam o painel sobre "O
Eucalipto e as Questões Sociais". Carlos Gonçalves da Silva, da
Agência para o Desenvolvimento Social e Econômico Sustentável de
João Pinheiro, destacou os méritos e a responsabilidade social das
empresas de exploração do eucalipto de sua região, que pagariam em
dia seus impostos, forneceriam comida de qualidade aferida por
nutricionistas, uniforme e equipamento, e também cederiam as
florestas para o trabalho dos apicultores. "A floresta gera mais
empregos que a pecuária. No futuro, o eucalipto será madeira nobre,
utilizada cada vez mais pela indústria de móveis", afirmou.
O engenheiro florestal Paulo Rogério Soares de
Oliveira expôs os resultados de uma tese de doutoramento que
preparou para a Universidade Federal de Viçosa, sobre um projeto de
plantio de eucalipto em pequenas propriedades do Espírito Santo
envolvidas num contrato de fomento florestal para fornecimento às
grandes indústrias de celulose. Aplicou 235 questionários, apurando
que 9,5% dos produtores têm hoje o eucalipto como sua atividade
principal, e 31% como atividade secundária. Soares de Oliveira
apurou que a maioria dos produtores não consideram que houve
desvantagens em sua propriedade, porque utilizaram terras até então
ociosas.
No início da fase de debates, o deputado Paulo Piau
(PP) admitiu que é preciso refletir sobre o passivo ambiental
causado pelas atividades agrícolas, mas também confirmou a denúncia
feita na parte da manhã sobre a existência de um complô
internacional contra os avanços da silvicultura brasileira. Também
reclamou de que haveria uma "satanização" do agronegócio brasileiro,
que considera "a única coisa em que temos condições de competir
internacionalmente".
O deputado foi além: "Essa guerra existe de fato,
com lobbies instalados inclusive no Congresso Nacional.
Conceitualmente, não se pode diferenciar agricultura familiar e
agronegócio. Não concordo que a soja seja apenas para exportação.
Todos nós consumimos óleo de soja, e quando comemos carne de frango
e de porco, eles também foram alimentados com farelo de soja", disse
Piau.
Contrapondo-se às palavras de Paulo Piau,
Winniefried Overbeck disse que lhe parecia clara a opção do Estado
brasileiro pelo agronegócio, já que o orçamento reservava para
apoiá-lo R$ 40 bilhões este ano e apenas R$ 7 bilhões para a reforma
agrária e os créditos do Pronaf para a agricultura familiar.
Declarou-se surpreso com os estudos de lucratividade do eucalipto,
mas contrapôs que não seria maior que na fruticultura, nem capaz de
gerar mais empregos.
Estudos de Paulo Haddad revelam empobrecimento das
regiões
Depoimentos pungentes sobre a deterioração da
qualidade de vida dos trabalhadores rurais após o advento do
eucalipto foram dados por lavradores de Rio Pardo de Minas, de
Capelinha e Turmalina, e houve um participante que utilizou até a
forma do poema de cordel. Outros cobraram um novo ordenamento do uso
do solo e políticas de agroecologia. Enio Bohnemberger, coordenador
estadual do Movimento dos Sem Terra, disse que "o povo brasileiro
não precisa de mais boi, nem de eucalipto. O agronegócio não enxerga
o ser humano, apenas o mercado para suas máquinas".
O deputado Chico Simões (PT) disse que, "se
acabasse o agronegócio, com certeza haveria mais pessoas
trabalhando", mas acrescentou que era preciso encontrar formas de
conviver com o eucalipto. "Da forma como está hoje não é possível. O
eucalipto não pode matar o homem que vive na terra", condenou
Simões.
Houve vozes que se levantaram também em defesa do
eucalipto, como última alternativa de renda para os agricultores e
de trabalho para milhares de trabalhadores rurais. Ao final das
intervenções, o deputado Paulo Piau elogiou o debate aberto e
democrático como instrumento capaz de modificar as mentalidades.
Também a presidente da reunião, deputada Maria José Haueisen, disse
que "esta é a Casa do contraditório e do debate que nos faz crescer
e aprender. Pedimos este ciclo de debates porque nos preocupam os
efeitos que a cultura do eucalipto causou em nossa região. Um estudo
recente do ex-ministro Paulo Haddad demonstra que as 50 cidades mais
pobres do Brasil estão no Jequitinhonha, no Mucuri, no Norte de
Minas e no Norte do Espírito Santo. Ninguém é mais capaz de avaliar
os danos do eucalipto do que quem vive no meio dele", concluiu.
Haueisen anunciou o painel final para as 8h30 desta
terça-feira (25/5/2004), com os aspectos ambientais da
eucaliptocultura. Anunciou ainda que a transcrição dos debates será
publicada no jornal "Minas Gerais", Diário do Legislativo, de 9 de
junho próximo, e que o ciclo de debates será reprisado pela TV
Assembléia às 8h30 e às 18 horas do próximo dia 29 de maio.
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