Participantes debatem males sociais do eucalipto

A parte da tarde do primeiro dia do Ciclo de Debates "O Eucalipto" foi dedicada à discussão das conseqüências sociais...

24/05/2004 - 00:00
 

Participantes debatem males sociais do eucalipto

A parte da tarde do primeiro dia do Ciclo de Debates "O Eucalipto" foi dedicada à discussão das conseqüências sociais dessa monocultura, sob a direção da deputada Maria José Haueisen (PT). O primeiro expositor foi o holandês Winniefried Overbeck, que trabalha há dez anos para a Fase, entidade educacional do Espírito Santo. Ele tratou do aquecimento global da Terra em função das emissões de gás carbônico industrial. Os estudos de que dispõe revelam que, com a poluição mantida nos níveis em que está, no final do século a Terra estará 3 graus mais quente. Para eliminar o problema, os níveis de CO2 deveriam ser reduzidos em 60% a 70%.

Overbeck critica o principal instrumento mundial de controle da poluição, o Protocolo de Kyoto, que fixa em 5% a redução das emissões dos países ricos, e mesmo assim permite que se troque expansão das emissões pelo plantio de florestas capazes de absorvê-las. O holandês revela que as vantagens são todas para as indústrias dos países ricos e para as empresas que fazem reflorestamento, e os impactos ficam para as comunidades escolhidas para introduzir a monocultura.

"Uma grande fábrica de celulose, a Aracruz, exporta 97% de sua produção, que é principalmente de papel descartável, para o Primeiro Mundo. É difícil garantir o padrão de consumo atual de embalagens e papel. O norte-americano consome nove vezes mais papel que o brasileiro, e 58 vezes mais que o vietnamita. Se o padrão americano de consumo fosse igual para todo o mundo, seriam necessários seis planetas Terra para mantê-lo", informou Overbeck.

Concentrando-se na questão local, o expositor disse que no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo há 600 mil hectares tomados por eucaliptos, e que a Aracruz Celulose acabou sozinha com 40 aldeias indígenas e retirou-lhes a maior riqueza, que era a Mata Atlântica. Considerou também aviltante a terceirização de serviços no plantio, corte e carvoejamento do eucalipto. "Conheço bem a realidade na região de São Mateus, mas quantas comunidades existem no meio dos eucaliptais de Minas, perdendo sua identidade, sua referência, sua dignidade e sua cultura?", indagou.

A responsabilidade do agronegócio na exclusão social

O professor do UNI-BH, Carlos Eduardo Mazzetto Silva, agrônomo e geógrafo, fez palestra sobre "A problemática sócio-ambiental da monocultura do eucalipto". Começou por considerar indissociáveis os aspectos sociais e ambientais do eucalipto, e a desqualificar o uso da palavra floresta para designar um eucaliptal. "Floresta é um ecossistema heterogêneo, onde vivem milhares de espécies animais e vegetais", definiu, acrescentando que o desafio atual é o de orientar a sociedade para o caminho da sustentabilidade.

Mazzetto acusou o agronegócio de ser responsável por toda a exclusão social e pela violência que se expandiram pelo Brasil nos últimos 40 anos. "O Brasil produz 120 milhões de toneladas de grãos por ano. Isso daria duas toneladas por brasileiro a cada dia, e mesmo assim há fome no País, porque os grãos se destinam à exportação", disse ele. "Os governos tentam mitigar os efeitos e conseqüências, em vez de rediscutir o modelo de monocultura concentrador e excludente", acrescentou.

Mazzetto também lançou luz sobre a polêmica quanto aos males que a monocultura traria ao solo e aos lençóis d'água, revelando que os estudos do professor Paula Lima realizados em Grão Mogol comprovam que o eucalipto produz dez vezes mais biomassa por hectare do que o cerrado, e portanto absorve dez vezes mais água. "A caatinga é seca e seus rios são temporários porque ali chove apenas 400 mm por ano. Mas no cerrado a precipitação anual é de mil milímetros, dos quais 556 ficam no lençol freático para abastecer permanentemente as nascentes. O solo do cerrado funciona como uma esponja", ensinou. "Ocorre que, numa chapada forrada com eucaliptos, eles vão absorver 41% dessa água, provocando o efeito da seca que as populações marginais bem conhecem", concluiu.

Deputado confirma existência de complô internacional contra a silvicultura brasileira

Dois expositores fecharam o painel sobre "O Eucalipto e as Questões Sociais". Carlos Gonçalves da Silva, da Agência para o Desenvolvimento Social e Econômico Sustentável de João Pinheiro, destacou os méritos e a responsabilidade social das empresas de exploração do eucalipto de sua região, que pagariam em dia seus impostos, forneceriam comida de qualidade aferida por nutricionistas, uniforme e equipamento, e também cederiam as florestas para o trabalho dos apicultores. "A floresta gera mais empregos que a pecuária. No futuro, o eucalipto será madeira nobre, utilizada cada vez mais pela indústria de móveis", afirmou.

O engenheiro florestal Paulo Rogério Soares de Oliveira expôs os resultados de uma tese de doutoramento que preparou para a Universidade Federal de Viçosa, sobre um projeto de plantio de eucalipto em pequenas propriedades do Espírito Santo envolvidas num contrato de fomento florestal para fornecimento às grandes indústrias de celulose. Aplicou 235 questionários, apurando que 9,5% dos produtores têm hoje o eucalipto como sua atividade principal, e 31% como atividade secundária. Soares de Oliveira apurou que a maioria dos produtores não consideram que houve desvantagens em sua propriedade, porque utilizaram terras até então ociosas.

No início da fase de debates, o deputado Paulo Piau (PP) admitiu que é preciso refletir sobre o passivo ambiental causado pelas atividades agrícolas, mas também confirmou a denúncia feita na parte da manhã sobre a existência de um complô internacional contra os avanços da silvicultura brasileira. Também reclamou de que haveria uma "satanização" do agronegócio brasileiro, que considera "a única coisa em que temos condições de competir internacionalmente".

O deputado foi além: "Essa guerra existe de fato, com lobbies instalados inclusive no Congresso Nacional. Conceitualmente, não se pode diferenciar agricultura familiar e agronegócio. Não concordo que a soja seja apenas para exportação. Todos nós consumimos óleo de soja, e quando comemos carne de frango e de porco, eles também foram alimentados com farelo de soja", disse Piau.

Contrapondo-se às palavras de Paulo Piau, Winniefried Overbeck disse que lhe parecia clara a opção do Estado brasileiro pelo agronegócio, já que o orçamento reservava para apoiá-lo R$ 40 bilhões este ano e apenas R$ 7 bilhões para a reforma agrária e os créditos do Pronaf para a agricultura familiar. Declarou-se surpreso com os estudos de lucratividade do eucalipto, mas contrapôs que não seria maior que na fruticultura, nem capaz de gerar mais empregos.

Estudos de Paulo Haddad revelam empobrecimento das regiões

Depoimentos pungentes sobre a deterioração da qualidade de vida dos trabalhadores rurais após o advento do eucalipto foram dados por lavradores de Rio Pardo de Minas, de Capelinha e Turmalina, e houve um participante que utilizou até a forma do poema de cordel. Outros cobraram um novo ordenamento do uso do solo e políticas de agroecologia. Enio Bohnemberger, coordenador estadual do Movimento dos Sem Terra, disse que "o povo brasileiro não precisa de mais boi, nem de eucalipto. O agronegócio não enxerga o ser humano, apenas o mercado para suas máquinas".

O deputado Chico Simões (PT) disse que, "se acabasse o agronegócio, com certeza haveria mais pessoas trabalhando", mas acrescentou que era preciso encontrar formas de conviver com o eucalipto. "Da forma como está hoje não é possível. O eucalipto não pode matar o homem que vive na terra", condenou Simões.

Houve vozes que se levantaram também em defesa do eucalipto, como última alternativa de renda para os agricultores e de trabalho para milhares de trabalhadores rurais. Ao final das intervenções, o deputado Paulo Piau elogiou o debate aberto e democrático como instrumento capaz de modificar as mentalidades. Também a presidente da reunião, deputada Maria José Haueisen, disse que "esta é a Casa do contraditório e do debate que nos faz crescer e aprender. Pedimos este ciclo de debates porque nos preocupam os efeitos que a cultura do eucalipto causou em nossa região. Um estudo recente do ex-ministro Paulo Haddad demonstra que as 50 cidades mais pobres do Brasil estão no Jequitinhonha, no Mucuri, no Norte de Minas e no Norte do Espírito Santo. Ninguém é mais capaz de avaliar os danos do eucalipto do que quem vive no meio dele", concluiu.

Haueisen anunciou o painel final para as 8h30 desta terça-feira (25/5/2004), com os aspectos ambientais da eucaliptocultura. Anunciou ainda que a transcrição dos debates será publicada no jornal "Minas Gerais", Diário do Legislativo, de 9 de junho próximo, e que o ciclo de debates será reprisado pela TV Assembléia às 8h30 e às 18 horas do próximo dia 29 de maio.

 

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