Policiais advertem que vão entrar em greve por reajuste
salarial
A insatisfação com os baixos salários é o ponto de
convergência das reivindicações de todas as categorias policiais de
Minas. As 13 entidades que congregam os 80 mil policiais civis,
militares, bombeiros, peritos criminais, legistas, escrivães e
agentes penitenciários participaram da reunião desta quinta-feira
(13/5/2004) na Comissão de Segurança Pública da Assembléia
Legislativa, e disseram aos deputados que estão dispostos a entrar
em greve após a assembléia geral marcada para o próximo dia 19, caso
o governo não dê resposta satisfatória a suas reivindicações, que
incluem 54% de reajuste.
Quase 200 manifestantes se comprimiram no Auditório
da Assembléia, diante de 19 deputados estaduais e do deputado
federal Cabo Júlio (PSC-MG), numa audiência que durou cinco horas.
Eles buscavam a intermediação dos deputados para que o governo
dialogue de maneira mais consistente. Os líderes do governo,
deputado Alberto Pinto Coelho (PP), e do bloco governista, Antônio
Carlos Andrada (PSDB), estavam presentes e apresentaram argumentos
em defesa do governo.
Vários participantes compararam a situação atual
com a do movimento reivindicatório de 1997, que culminou com a morte
do Cabo Valério, mas consideraram que desta vez o movimento está
organizado, com entidades de classe e um conselho que as reúne, com
representantes eleitos para a Assembléia e para o Congresso. Com
diferentes graus de veemência, o discurso reivindicatório foi o
mesmo para soldados e coronéis, por detetives e delegados, por
bombeiros e peritos.
Segundo as informações trazidas aos deputados,
Minas Gerais caiu para o 22º lugar no ranking de remuneração
das PMs, depois de 35 meses sem reajuste. O presidente da comissão,
deputado Sargento Rodrigues (PDT), valorizou o debate e a
negociação. "Se em 1997 tivesse havido debate, aquela tragédia
certamente teria sido evitada", afirmou.
A primeira parte da longa reunião foi destinada por
Sargento Rodrigues (PDT) a ouvir as queixas dos representantes das
entidades de classe, após uma introdução feita pelo deputado Rogério
Correia (PT), cujo requerimento originou a audiência. Correia
lamentou a ausência dos comandantes da PM, dos bombeiros, do Chefe
de Polícia e do secretário de Governo na reunião, e disse que a
intenção "não é amedrontar ou pressionar o governo, mesmo porque é o
diálogo, e não o enfrentamento, a melhor forma de resolver a
situação".
Hospitais cortaram convênios e não atendem
policiais
O deputado Cabo Júlio criticou a publicidade do
governo, que mostra uma situação tranqüila no Estado, e disse que a
realidade é bem diferente: "Há mais de 60 municípios sem viatura da
PM e mais de 250 sem viatura da Polícia Civil. A dívida do Estado
com o Instituto de Previdência do Servidor Militar é de R$ 1,18
bilhão. Quase todos os hospitais cortaram os convênios e não atendem
mais os PMs e os bombeiros. A previsão de arrecadação da Taxa de
Segurança Pública em 2004 é de R$ 380 milhões, mas em 2003 apenas
74% foram repassados para a finalidade. Em 2003, 26 policiais foram
mortos em serviço. Em 2004, até ontem, já foram 13 mortes. Os
policiais têm que morar em favelas, e voltam para casa com a farda
escondida num embrulho e a identidade na meia. Nas blitz, nós
somos obrigados a apreender carros dos cidadãos que trafegam com
pneus carecas e com kit gás irregular. Para agir com justiça,
teríamos que apreender nossas próprias viaturas, que estão em
condições ainda piores. O caos está instalado".
Déficit zero - As palavras
do deputado federal inflamaram a platéia, que começou a gritar
slogans pela greve, após a assembléia marcada para o próximo dia 19:
"Vai parar! Vai parar! A polícia vai parar!" Os líderes de classe
que se sucederam ao microfone compuseram um quadro ainda mais grave
da situação. O major Zoé Ferreira dos Santos disse que a obediência
dos policiais depende do respeito a seus direitos e sua dignidade.
"O déficit zero que o governo anunciou para outubro e novembro vai
ser atingido com nossa fome. Lutamos por um piso salarial de R$
1.500,00. Lá em Santa Catarina, o piso é de R$ 1.670,00",
afirmou.
José de Souza Lacerda, representante dos policiais
civis, falou sobre o suicídio de um companheiro ocorrido nesta
quarta-feira dentro da delegacia, dos que ficaram aleijados em
serviço e da pressão psicológica que sofrem da corregedoria. "Nunca
vi criarem tanto setor de disciplina como agora. O cúmulo é que
agora querem confiscar nossas armas", afirmou.
Policiais combatem o crime com armas
obsoletas
Marcos Terrinha, representante dos agentes
penitenciários, disse que seu patrão não é o governador, mas a
sociedade. Revelou que o governo está parabenizando a categoria por
completar um ano sem rebelião nos presídios, mas que todos preferem
o reconhecimento na forma de salário. "O marmitex que nos é servido
está diminuindo de tamanho. Sequer podemos tomar ônibus sem pagar.
Cinco mil agentes penitenciários contratados serão postos na rua
quando houver concurso. Para calar a imprensa, o governo tem
dinheiro, mas para nos dar reajuste, não tem. O déficit zero será
atingido à custa do meu salário, da minha sobrevivência", desabafou
Terrinha.
Coragem - O cabo Adalberto
Santos Valadares, representante dos bombeiros e PMs, retratou a
situação precária do equipamento: "A cena que mais se vê são os
policiais empurrando a viatura da Rotam no meio da favela, com os
bandidos zombando. Nós temos coragem de entrar na favela para pegar
bandido à unha com revólver 38 obsoleto e munição recarregada, mas
não temos coragem de impor nossas reivindicações ao governo".
Carreira - O coronel Paulo
Afonso Miranda, presidente do Clube dos Oficiais, argumentou em
favor da carreira policial, "uma profissão pesada e diferenciada,
que inutiliza o homem em menos de 20 anos". Depois exortou os
deputados a defenderem os policiais. "Defendam nossas corporações e
assim estarão defendendo o povo", afirmou.
Segurança Zero - O
presidente do Sindipol, Antônio Marcos Pereira, analisou com
preocupação a atuação do Exército nas favelas cariocas. "Os bandidos
do Rio virão em êxodo para Minas, mas vamos combatê-los assim mesmo,
porque esta é a nossa profissão. Não somos frouxos. Nossa virtude é
a coragem", exclamou. Na mesma linha, o representante dos peritos
criminais, Roberto Simão, disse que os policiais cariocas ganham o
triplo dos mineiros. "Será que o Rio teve o aviso que estamos dando
aqui? Quando for deflagrada a greve, nenhuma das entidades será mais
capaz de segurar. Teremos um Estado de Segurança Zero em Minas",
frisou.
Mortos em serviço - A
manifestação mais emocionante durante a audiência partiu do sargento
José Luiz Barbosa, presidente da Associação dos Praças e Bombeiros
Militares. Após dizer que os policiais morrem acreditando no que
fazem, leu uma lista com 40 nomes de policiais mortos em serviço. A
cada nome, a platéia repetia o refrão: "Morto em defesa da
sociedade. Presente!". Ao final, Barbosa exigiu respeito aos
policiais: "Nenhuma categoria profissional coloca a serviço da
sociedade o seu bem mais precioso, que é a sua vida", concluiu.
Danilo dos Santos Pereira, do Sindicato dos
Delegados, comparou o governador Aécio Neves ao governador da
Califórnia, o ator Arnold Schwarzenegger, "que também é artista" e
disse que no movimento militar de 1997 não havia organização
classista. "O movimento simplesmente explodiu. Hoje estamos
organizados", afirmou. O veterano legista Calil Fouad Cury pediu aos
deputados e à imprensa "que convençam o governador de que esta é a
última advertência que será feita. Não queremos fazer outro laudo de
necropsia, como em 97".
O coronel Zeder Gonçalves do Patrocínio disse que a
concretização do projeto político do governador depende de atender
as reivindicações dos militares: "Não se constrói um edifício sobre
areia movediça". Zeder pediu aos deputados que apelem ao governador
para não viajar à China antes de anunciar o reajuste, "porque assim
não estará fazendo nenhum negócio da China". O presidente da
Associação dos Delegados, Orlando Antunes de Oliveira, emendou: "Que
o governador nos anuncie um reajuste digno e viaje tranqüilo, pois
cuidaremos de tudo aqui até sua volta".
Líderes defendem o Governo e demais deputados
adotam tom conciliatório
A primeira voz a se levantar em defesa do governo
foi a do deputado Zé Maia (PSDB). Disse que o sócio majoritário do
Estado são os 500 mil funcionários públicos, que consomem 70% do
orçamento, e que é preciso um governo honesto e responsável para
gerir com equilíbrio esse orçamento. Disse que o Estado está no
limite e que ainda não cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal que
estabelece 60% de despesas com pessoal. Disse que a polícia não é a
pior categoria em remuneração, mas os professores e o pessoal de
saúde. As palavras do deputado foram mal recebidas pela platéia, que
lhe virou as costas e gritou slogans pró-greve. Muitos manifestantes
abandonaram a reunião, e o presidente da comissão, Sargento
Rodrigues, teve que agir com energia para recuperar o controle dos
trabalhos.
O líder do governo, deputado Alberto Pinto Coelho
(PP), contribuiu para apaziguar os ânimos contando sua história
pessoal de filho de guarda civil e ex-perito criminal. Depois
discursou em defesa dos méritos do governador Aécio Neves, dizendo
que este "não tem faltado a seus compromissos", e por fim pediu
paciência e um voto de confiança dos policiais, até a data de 3 de
junho, estabelecida pelo governador para fixar o reajuste que
estiver a seu alcance. Pediu às lideranças que levem esta posição à
categoria. "O policial é o guardião da sociedade, é cidadão, é
agente da paz social".
O líder do Bloco Parlamentar Social Progressista,
de apoio ao governo, deputado Antônio Carlos Andrada (PSDB), falou
sobre os serviços prestados pela Assembléia à classe policial, como
a aprovação do projeto de anistia aos militares e a criação do Corpo
de Bombeiros Militar. "Que outro poder abre suas portas para ouvir
críticas?", indagou Andrada, oferecendo interlocução permanente para
os problemas da classe, mas cobrando responsabilidade de ambas as
partes para que os compromissos sejam honrados.
Andrada polemizou com o deputado Cabo Júlio a
respeito de um compromisso assinado pelo governador que não teria
sido cumprido: o de envio dos projetos de Estatuto e Código de Ética
da PM até agosto de 2003. Andrada disse que esse compromisso
dependia de contribuições das associações de classe e dos
representantes, entre os quais o próprio Cabo Júlio, que não
cumpriram sua parte. "Não venha fazer demagogia e jogo fácil em
reunião. O senhor também não cumpriu", afirmou o parlamentar do
PSDB
Preocupados com o clima exaltado da reunião, o
deputado Sargento Rodrigues e os que o sucederam adotaram um tom
conciliatório. O representante dos militares pediu a Andrada e Pinto
Coelho que levassem ao governador o que tinha sido apresentado ali
com tanta contundência. "O movimento está unido e não se trata de
bravata. O governo saberá avaliar como o momento é grave", disse
Rodrigues. Rogério Correia disse que "seria fácil atear fogo à
gasolina, porque o clima é propício".
O deputado Chico Simões avaliou a seriedade do
debate e pediu que todos se concentrassem em encontrar uma solução
para evitar uma "queda-de-braço". Ele não considerou as solicitações
impossíveis de atender ou de negociar. "Democracia é a capacidade de
ceder e de avançar. Se o Estado está uma maravilha, como dizem na
publicidade, queremos participar dessa maravilha. Se não está, que
abra o diálogo para que todos assumam suas responsabilidades", disse
Simões. Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) reforçou a via do diálogo para a
busca de soluções. Dilzon Melo (PTB) disse que o diálogo nunca foi
interrompido e que acredita na sinceridade do governador, mas
reconheceu que os elogios à qualidade da polícia mineira tem que ser
premiado com salários adequados.
Miguel Martini (PSB) explicou que o debate é para
que cada um coloque suas questões e force o máximo que puder. Jô
Moraes (PCdoB) avaliou que a veemência e a emoção da reunião deram o
fiel retrato da tensão em que vive hoje a sociedade. Sugeriu que
haja um novo contato antes da assembléia do dia 19. "É preciso ter o
termômetro das possibilidades antes do dia 19, para se arrancar
algumas conquistas quando se levanta uma bandeira", recomendou Jô
Moraes.
Antônio Carlos Andrada terminou sua participação
com um apelo à serenidade e para que o assunto seja tratado de forma
institucional, e não partidária, de corporação para governo, de
entidade para a Assembléia. Os líderes que falaram no final também
reduziram o tom das críticas. "Esta foi apenas uma pequena amostra
do nível de insatisfação instalado. Não viemos aqui para colher
inimigos, mas incluir o Parlamento no debate", disse o Sargento José
Luiz Barbosa.
Ao final da reunião foi aprovado um requerimento do
deputado Rogério Correia para que a Comissão de Segurança Pública,
reforçada pelas lideranças do Governo e do Bloco, visite o
governador para discutir a questão estrutural e funcional das forças
de segurança.
Presenças: Participaram da
reunião os deputados Sargento Rodrigues (PDT), presidente; Alberto
Bejani (PTB), vice-presidente; Leonardo Moreira (PL), Rogério
Correia (PT), Zé Maia (PSDB), Mauro Lobo (PSB), Antônio Carlos
Andrada (PSDB), Dilzon Melo (PTB), Weliton Prado (PT), Alberto Pinto
Coelho (PP), Miguel Martini (PSB), Chico Simões (PT), Alencar da
Silveira Jr. (PDT), Jô Moraes (PCdoB), Gilberto Abramo (PMDB), Dalmo
Ribeiro Silva (PSDB), Célio Moreira (PL) e as deputadas Jô Moraes
(PCdoB) e Maria Tereza Lara (PT).
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