Solenidade abre comemorações da Revolução dos Cravos
O trigésimo aniversário da Revolução dos Cravos,
que livrou Portugal da ditadura salazarista, foi comemorado com
solenidade na noite desta segunda-feira (19/4/04), no Plenário da
Assembléia. Autoridades e estudiosos portugueses procuraram
interpretar para a platéia os sentimentos que mobilizaram a
sociedade lusitana naqueles dias e os desdobramentos de uma
revolução que obteve extraordinário apoio popular, e na qual as
mulheres tomaram a iniciativa poética de evitar derramamento de
sangue colocando cravos vermelhos nos canos dos fuzis dos
soldados.
O cônsul de Portugal em Belo Horizonte, Manuel
Frederico Pinheiro da Silva, disse que a "liberdade é alimento
indispensável ao ser humano, é adubo do desenvolvimento", e lembrou
que a Revolução dos Cravos surgiu "prenhe de dinâmica de renovação",
ao ponto de abrir um ciclo histórico de independência que alcançou
cinco colônias portuguesas na África e na Ásia: Angola, Moçambique,
São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste.
O embaixador de Portugal em Brasília, Antônio
Franco, criticou a "moral beata e hipócrita" do regime salazarista,
que considerou "provinciano e isolacionista". Disse que o
relacionamento entre Brasil e Portugal "virou a página do
sentimentalismo" e se dá de maneira moderna e profissional.
Agradeceu o apoio brasileiro ao 25 de Abril, um "ato saudado por
milhares de democratas brasileiros", e entre eles destacou Chico
Buarque de Hollanda, autor de uma canção de grande sucesso em
Portugal. O embaixador repetiu os versos dessa canção: "Foi bonita a
festa, pá, fiquei contente. Inda trago renitente um velho cravo para
mim".
A palestra principal da noite foi do professor de
jornalista Jaime Gama, cuja biografia foi exaltada pelo deputado
Eduardo Moreira, presidente do grupo parlamentar de amizade
Portugal-Brasil. Gama nasceu nos Açores em 1947, fundou o Partido
Socialista Português, foi oficial miliciano na Revolução, quatro
vezes ministro e hoje é parlamentar. Preside a Comissão Parlamentar
de Assuntos Europeus e Política Externa da Assembléia da República
Portuguesa.
Democracia trouxe desenvolvimento e
prosperidade
Jaime Gama falou sobre a democracia e o
parlamentarismo em Portugal de 1974 a 2004, e sobre o relacionamento
com o Brasil. Na análise do especialista, após a Revolução o
processo político tornou-se complexo, com o surgimento de diversas
tendências militares divergentes que iriam se chocar depois. Também
a linha stalinista do Partido Comunista e os grupos de esquerda
estudantil iriam se desentender ao longo do processo de
redemocratização. O Partido Socialista, fundado um ano antes por
Mário Soares, cumpriria um papel fundamental nesse processo e os
grupos de direita acabariam por se diluir.
Meio milhão de portugueses que moravam fora
retornaram ao país, bem como 200 mil soldados que serviam na África.
Dentro de um contexto econômico recessivo, isso resultou em
desemprego e subida da inflação. No entanto, a reorganização
política do país trouxe resultados notáveis nos anos seguintes.
Portugal se modernizou com auto-estradas e grandes realizações em
saúde pública. A mortalidade infantil caiu de 38 por mil para 5 por
mil.
O presidente da Assembléia Legislativa, deputado
Mauri Torres, elogiou o patriotismo dos capitães das Forças Armadas
portuguesas que iniciaram o processo revolucionário ao som de uma
canção proibida de Zeca Afonso, e o gesto poético das mulheres que
colocaram cravos nos canos dos fuzis. "As flores calaram os fuzis",
disse Torres, acrescentando que "o Brasil ainda levaria uma década
para reencontrar a democracia".
Ainda na solenidade, houve um recital de poesia
sobre o tema "Liberdade" com os poetas brasileiros Luiz Edmundo
Alves, Wilmar Silva e Ana Elisa Ribeiro. Depois, Patrícia Silveira
Martins e cinco músicos apresentaram o espetáculo "Fados de Maio",
com canções brasileiras e portuguesas. Ao final da solenidade, foi
servido um coquetel de inauguração de uma exposição
histórico-documental no espaço político-cultural, que ficará na
Assembléia até o dia 30 de abril.
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