Telefonia celular pode oferecer risco à saúde humana
Doenças como leucemia, câncer de mama, Mal de
Alzheimer, Mal de Parkinson, cataratas, insônia, abortos, cefaléia e
vertigens podem estar sendo desencadeadas pela exposição a radiações
não-ionizantes de alta potência emitidas por antenas de telefonia
celular. Os trabalhos científicos a respeito são contraditórios e
inconclusivos, mas suficientes para que as autoridades decidam pelo
princípio da precaução e imponham limites às emissões das empresas.
Estas constatações foram atingidas a partir de
exposições de especialistas em reunião conjunta das comissões de
Saúde e de Turismo, Indústria e Comércio, realizada na manhã desta
terça-feira (13/04/04), com a finalidade de colher subsídios para a
discussão do projeto de lei 158/2003, do deputado Rogério Correia
(PT), que pretende estabelecer distâncias seguras entre essas
antenas e escolas, hospitais, centros comunitários, etc. A
iniciativa de convidá-los foi do deputado Biel Rocha (PT), de Juiz
de Fora, cidade que já possui legislação municipal disciplinando a
instalação das chamadas ERBs (estações de rádio-base).
"Contei mais de seis antenas instaladas num raio de
200 metros da Assembléia. Essa instalação desenfreada, motivada pela
concorrência, está criando verdadeiros 'paliteiros' na Capital",
disse Biel Rocha, que passou a exibir inúmeros recortes de jornais
com notícias preocupantes. Segundo ele, na Espanha a ocorrência de
quatro casos de leucemia entre alunos forçou a retirada de uma
antena que ficava em uma escola. O mesmo teria acontecido na Escola
Santa Cândida, em Juiz de Fora, onde ocorreram casos de leucemia e
câncer de mama em funcionários e professores. Rocha informou que a
Organização Mundial da Saúde (OMS) procede a estudos sobre como as
emissões das ERBs podem afetar seres humanos, com prazo para
apresentação em 2007.
Possibilidades de risco são inquietantes, diz
professor
O professor José Paulo Furtado, físico da
Universidade Federal de Juiz de Fora, descreveu os tipos de radiação
ionizantes, como os raios-X, que quebram a estrutura química das
moléculas e causam efeitos nocivos indiscutíveis nas pessoas. Também
há radiações não-ionizantes, como a luz do Sol e os raios
infravermelhos, que não têm esse efeito, mas podem causar efeitos
térmicos, decorrentes da alta potência, e não-térmicos, como os
elétricos e os magnéticos.
"Os estudos apontam que a exposição a campo
magnético poderia responder por abortos e casos de insônia. A
intensificação desordenada desses campos pode ter efeitos sobre
sistemas biológicos e desencadear doenças", afirma o professor.
"Recentemente foram encontradas partículas magnéticas na glândula
pineal, com prováveis efeitos sobre o sistema imunológico. Trabalho
também recente provou que o campo magnético alternado altera a
distribuição de cálcio nas células. Os artigos científicos indicam
que não há prova de dano, mas que o risco é possível", continua
Furtado. Tais descobertas teriam inclusive levado as autoridades
inglesas a desencorajar o uso de celulares por crianças, receando
que as emissões possam afetar seu desenvolvimento.
A Agência Nacional de Telecomunicações limita a
densidade de potência dos sistemas de difusão em 400 microwatts por
centímetro quadrado, mas o físico afirma que os telefones funcionam
bem com uma potência cem vezes menor, e que a legislação poderia
estabelecer o limite em 4 a 10 mW/cm2, pelo menos até que, no
futuro, fique provado que as potências maiores não prejudicam a
saúde humana.
Professora mediu radiação excessiva e apurou casos
de câncer entre trabalhadores
O deputado Biel Rocha lembrou que a lei que cria a
Anatel não isenta as empresas de telefonia de obedecer as leis
municipais e estaduais dos locais onde instalam suas antenas. O
deputado Alberto Bejani (PFL), disse não acreditar que a matéria
seja objeto de legislação municipal, nem estadual: "Há anos
acompanho essa novela das antenas de celulares. Para mim, isso é
assunto de legislação federal", afirmou Bejani, ressalvando que
poderá rever essa opinião no futuro. Biel Rocha contrapôs, dizendo
que a imposição de limites para a emissão não seria de competência
da Anatel, mas no Ministério da Saúde, porque se trata de questão de
saúde pública.
A professora Adilza Dode, engenheira de Segurança
no Trabalho da Secretaria da Saúde, produziu uma tese de mestrado na
UFMG sobre a exposição humana a campos eletromagnéticos,
especialmente de telefonia celular. Ela não tem receio em condenar
taxativamente os riscos representados pelas ERBs. "Apurei que,
dentre os estudos patrocinados por fabricantes de telefonia celular,
30% apontam riscos e 70% os descartam. Dentre os financiados pela
área pública, 68% afirmam que há riscos e 22% isentam a telefonia
celular. Segundo ela, bastaria que 10% dos estudos apontassem os
riscos para justificar a adoção do princípio da precaução. "Quem não
está preocupado, que fique, porque eu estou", afirmou.
Adilza Dode revelou que, na Suíça e Liechtenstein,
as emissões ficam na média de 4 mW/cm2. Esses países limitaram a
densidade da potência das antenas e autorizaram seu maior número,
para que os telefones funcionem perfeitamente. "Desenvolvendo
metodologia própria para medir as emissões de duas antenas em Belo
Horizonte, em distâncias de 10 a 15 metros das fontes, cheguei a
valores que ultrapassam os 435 microwatts/cm2 permitidos. Há
terrenos vazios ao lado dessas antenas. O que acontecerá se
construírem prédios neles?", questionou.
Mortes e cinco casos de câncer
Outra denúncia encaminhada pela engenheira foi a de
que as operadoras não desligam as antenas para manutenção, obrigando
os funcionários a trabalhar em estruturas energizadas. "Apurei casos
de funcionários da Siemens que já morreram e de cinco que estão com
casos de câncer documentados. Isso é ocorrência ocupacional ou não
é?", desafiou Adilza Dode.
Jandira Maciel da Silva, coordenadora de saúde do
trabalhador da Secretaria de Estado da Saúde, informa que a questão
não chegou ao órgão como problema de saúde pública, e que o Setor
Saúde ainda engatinha nas questões dos efeitos da tecnologia. Como
exemplo, cita os transgênicos, em que o princípio da precaução teria
sido adotado ao extremo. "Embora o assunto seja novo e o terreno
movediço, o Ministério da Saúde terá que se posicionar a respeito",
opinou.
Quatro deputados médicos estavam presentes à
reunião e colocaram suas dúvidas dentro de uma perspectiva política.
Fahim Sawan (PSDB) disse que os casos de leucemia relatados podem
ter acontecido por coincidência, mas pode ser que a radiação tenha
sido um fator desencadeador, ao bloquear uma célula imunológica.
"Precisamos ter a ousadia de legislar para prevenir, mesmo que a
gente erre por excesso de zelo", afirmou.
Neider Moreira (PPS) elogiou a dinâmica do debate,
que trouxe informações detalhadas à consideração dos deputados.
"Para mim, não resta dúvida de que estamos diante de um problema de
saúde pública, e que a não regulamentação pelo Ministério da Saúde
representa uma lacuna imperdoável. Se a adoção da densidade mais
baixa trouxer aumento de custo para as operadoras, problema delas. O
Brasil deve adotá-la imediatamente", propôs o deputado.
Comissão de Saúde deve preparar
substitutivo
Carlos Pimenta (PDT) criticou a proliferação das
operadoras e das bandas de telefonia celular, cuja competição as faz
colocar antenas próximas umas das outras, cada uma emitindo uma
carga de radiação. "As repercussões não são apenas na saúde do
usuário, mas também no bolso do consumidor", disse ele, conduzindo a
discussão para os aspectos lesivos dos contratos de telefonia
celular. Pimenta propõe que seja exigido às operadoras assegurar,
por escrito, que a telefonia celular não acarreta danos à saúde
humana. "Assim, se o usuário no futuro tiver problemas, estará
documentado para recorrer à Justiça", explicou.
Considerando que os especialistas não consideram
relevante a distância das antenas, mas sim a densidade da potência
que emitem, o presidente da Comissão de Saúde, deputado Ricardo
Duarte (PT), propôs a elaboração de um substitutivo ao projeto de
lei 158, atualizando-o conforme as novas revelações. Três
requerimentos, a serem enviados à Comissão de Saúde da Câmara
Federal e ao Ministério da Saúde, de autoria dos deputados Neider
Moreira e Ricardo Duarte, serão apresentados na próxima reunião da
Comissão de Saúde.
Presenças - Deputados
Ricardo Duarte (PT), presidente; Fahim Sawan (PSDB), vice; Carlos
Pimenta (PDT); Neider Moreira (PPS); Biel Rocha (PT); Alberto Bejani
(PTB) e Rogério Correia (PT).
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