Deputados mineiros foram os primeiros a serem cassados no Brasil
A cassação por unanimidade de três deputados
operários e sindicalistas pela Assembléia Legislativa, em 1964, os
primeiros de todo o País destituídos dos cargos na época do golpe
militar por serem considerados ameaças à ordem, foi o tema do 2º
painel do Ciclo de Debates Resistir Sempre - 64 Nunca Mais.
Realizado na tarde desta quarta-feira (31/3/04), o painel teve como
coordenador o deputado Antônio Júlio (PMDB). "Desde quando foram
eleitos, em 62, numa época de grande movimentação por mudanças
sociais, Clodesmidt Riani, Sinval Bambirra e José Gomes Pimenta (o
Dazinho) já se sentiam reprimidos pelos outros 81 deputados. Naquele
tempo, a política era tradicionalmente considerada privilégio da
elite", lembrou a historiadora Lucília Neves.
Autora de dois livros sobre esse período do Brasil,
Lucília também tem um estudo chamado "A longa noite das atas
secretas", que relata como foi a cassação dos parlamentares, a
partir da pesquisa de toda a documentação existente na Assembléia,
só liberada 34 anos depois. A votação pelo afastamento dos deputados
foi realizada em reunião secreta. Considerados comunistas e
subversivos, eles, já presos e sem auxílio, tiveram apenas 24 horas
para preparar a defesa. "A partir de então, ao contrário da
efervescência do início da década, a conjuntura internacional era a
da guerra fria. O mundo se polarizava em dois blocos e o socialismo
batia à porta da América Latina", relembrou. "O conservadorismo não
podia suportar o medo de renovação e essa experiência não pode ser
esquecida pelas várias gerações presentes neste Plenário. Qualquer
forma de restrição à liberdade traz consigo conseqüências terríveis:
silêncio, medo e tortura", disse.
Um dos deputados cassados, Clodesmidt Riani,
presente no ciclo de debates, relatou sua experiência de vida desde
a década de 50, sempre voltada para os interesses da classe
trabalhadora. "Não posso contar toda a minha história, pois é
longa", emocionou-se o ex-deputado, que, após a anistia, elegeu-se
novamente deputado, para a 10ª Legislatura (1983 a 1987). "Nossa
luta não era superficial. Queríamos reformas de base", afirmou.
Operário é exemplo de vida
Outra personagem importante da época da ditadura
militar, o ex-deputado José Gomes Pimenta é tema de um livro do
professor de Ciência Política Michel Le Ven, que lamentou a ausência
de Dazinho no ciclo de debates, por falta de condições de saúde. "Os
representantes são eleitos para criar legislações que nos permitam
viver em sociedade e como cidadãos. Homem, deputado, líder sindical
e portador de ética na política, Dazinho representa por excelência o
povo brasileiro", ressaltou Le Ven.
Segundo ele, a cassação e a perseguição dos
deputados operários, antes dos demais, representa o objetivo do
golpe que classificou como contra-revolucionário: perseguir tudo que
vem do povo. Um exemplo, de acordo com ele, foi a criação do FGTS,
em 1967, que classificou como medida repressora e restritiva do
regime militar. "Esse foi o prenúncio do que temos hoje, como
trabalho informal e globalização, conseqüências perversas do ideário
de Brasil grande, Exército puro e capacidade produtiva do
trabalhador", criticou. Para Michel Le Ven, a ditadura não produz
movimento, mas provoca instintos de reação saudáveis, como os
notados na década de 70.
"Puro e desprendido, Dazinho foi mais um profeta
desarmado que um militante, por isso foi mais frágil. Como cientista
político, não tenho vergonha de reconhecer isso", assumiu Michel Le
Ven. Ele afirmou que está preparando uma segunda edição do livro
para homenagear o ex-deputado, que é considerado pelo cientista um
exemplo de vida a ser seguido. "Acreditem nas próprias forças para
se abrirem ao mundo, mesmo quando forem traídos e viverem no
silêncio por anos e anos", aconselhou.
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