Estâncias hidrominerais se opõem a desmineralização das águas

Especialistas e autoridades de vários órgãos de controle e outorga de águas minerais foram convidados a dar explicaçõ...

25/03/2004 - 18:17
 

Estâncias hidrominerais se opõem a desmineralização das águas

Especialistas e autoridades de vários órgãos de controle e outorga de águas minerais foram convidados a dar explicações sobre uma proposta de permissão para "desmineralização" de águas minerais, em elaboração no Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM). O debate aconteceu em reunião da Comissão de Meio Ambiente e Recursos Naturais da Assembléia, nesta quinta-feira (25/3/04), com a participação de deputados, ambientalistas e representantes de organizações não-governamentais e da população das estâncias hidrominerais

O alerta sobre a desmineralização foi dado pelo deputado Laudelino Augusto (PT), que requereu a audiência pública. O parlamentar lembrou dois encontros ocorridos em São Lourenço no ano passado, quando coletou assinaturas para uma frente parlamentar em defesa da água mineral. "Preocupa-me que a água esteja perdendo a sua dimensão sagrada, para se transformar em mercadoria de interesse da Organização Mundial do Comércio. Num processo de 'petrolização' da água, chamam-na de 'ouro azul'. A água mineral é considerada pelo DNPM minério e não patrimônio hídrico", disse o deputado.

O geólogo João César de Freitas Pinheiro, do DNPM, citou o universo de leis que disciplinam a atividade do órgão, em especial a Portaria 222, de 1997, que o órgão pretende modificar, e a Medida Provisória 144, que destinou R$ 300 milhões para a gestão dos recursos hidrominerais. Segundo ele, esses recursos vão finalmente permitir que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) faça o levantamento dos aqüíferos. "A sociedade brasileira não entendeu ainda que deve lutar pelo levantamento hidrogeológico básico, do qual depende o seu bem-estar futuro", disse o geólogo.

Mercado ético e Agenda 21

Após esse levantamento básico, Freitas Pinheiro propõe que todos os órgãos de gestão das águas, as ongs, os empresários e os parlamentos se ponham em acordo para definir o que seja um fontanário, o que seja um poço, um recipiente, um envasamento etc. A finalidade disso seria construir "um mercado ético" das águas minerais. "A Agenda 21 seria uma boa saída", resumiu. Embora se declare pessoalmente a favor do controle social sobre as águas, o geólogo afirmou que sua atuação no DNPM tem que se pautar exclusivamente na legislação, e administrar os fortes lobbies das empresas engarrafadoras.

O representante do DNPM afirmou que a água mineral engarrafada já é o quinto líquido mais consumido no Brasil, atrás de refrigerante, leite, cerveja e café solúvel, e na frente dos sucos e dos vinhos. O consumo brasileiro de água mineral ainda não se compara ao dos países desenvolvidos, mas cresce à taxa de 10% ao ano, mais do que todos os outros produtos engarrafados. A produção anual é de 4,8 bilhões de litros. Minas ocupa o segundo lugar, com 400 milhões de litros anuais, atrás de São Paulo, que engarrafa mais de 1 bilhão de litros. Os maiores grupos são o Edson Queiroz (Indaiá, Minalba, Superágua, etc) e Perrier/Nestlé (São Lourenço).

A portaria que pretende permitir a desmineralização das águas teve sua publicação suspensa até que o presidente Lula e a ministra Dilma Roussef instalem a Comissão de Crenologia, segundo informou o deputado federal Odair Cunha (PT-MG). Crenologia é o estudo das propriedades medicinais das substâncias encontradas na análise físico-química das águas minerais. Desde os tempos do Império, os tratamentos à base de água mineral, também chamados crenoterapia, fizeram o prestígio e a prosperidade das cidades hidrotermais, hidroclimáticas e hidrominerais, mesmo depois do fechamento dos cassinos, na década de 50.

Deputados querem saber quais elementos podem ser retirados da água

O deputado federal Odair Cunha, após ouvir as informações gerais sobre a questão da exploração das águas minerais, questionou quais substâncias o DNPM admite que sejam retiradas da água mineral. O geólogo João César respondeu: "Com certeza não serão retirados o carbonato de cálcio, o potássio e o magnésio, que só se retiram por ataque químico. Mas o óxido de ferro e o manganês podem ser extraídos dentro de preceitos que não venham a constranger a concepção da sociedade e os princípios crenológicos".

A discussão sobre a retirada de substâncias medicinais que a própria natureza incluiu nas águas levantou vários representantes das cidades hidrominerais e das ongs na platéia. O contraponto foi a permissão do Ministério da Saúde para a venda de água comum adicionada de sais minerais e gaseificada. Não havia representantes das engarrafadoras na reunião para explicar a lógica comercial das empresas que fabricam água mineral artificial em alguns lugares e transformam águas nobres em água comum nas estâncias. Marcelo Nassif, diretor de desenvolvimento mineral da Codemig, que absorveu a Comig, explicou que a empresa detém os direitos de exploração das águas de Caxambu, Cambuquira e Lambari.

"Desmineralizar a água mineral de São Lourenço é como 'desestanciar' a estância", disse o vereador Cássio Mendes, de São Lourenço. Ele informou que tramita na Câmara uma proposta de gestão participativa do Parque das Águas, com modelo de gestão em aberto. A proposta apresentada pela empresa, contemplando os interesses dela, não agradou aos vereadores, mas foi considerada positiva, como sinal de que a empresa reconhece que não deve ficar em conflito permanente com o interesse da população.

A superexploração pode matar as fontes

O biólogo Reynaldo Guedes Neto, porta-voz do Fórum das organizações não-governamentais do Circuito das Águas (Focas), que reúne sete ongs da região, fez uma detalhada exposição sobre os riscos da superexploração das águas minerais. Duas graves denúncias partiram dele: a de que há empresas engarrafadoras que estão bombeando águas das reservas subterrâneas quando a vazão não é suficiente, e também que, ao longo do tempo, as fontes estão perdendo a concentração dos componentes medicinais. Além disso, alertou para a expansão urbana predatória. "A urbanização do entorno vai representar a morte das estâncias", assegurou. Para ele, os parques das águas devem ser declarados monumentos naturais, com perímetro de proteção que possa abranger toda a bacia. Quer também Eia-Rima (estudo e relatório de impacto ambiental) antes do licenciamento de qualquer projeto de exploração de águas minerais.

Antônio Carlos Maia Figueiredo, do Igam, disse que a legislação que rege o órgão é diferente da que rege águas minerais, mas que os comitês de bacia, cada vez mais fortalecidos, vão decidir também sobre as outorgas. Além dos conflitos de competência, Figueiredo percebe também conflitos de gestão. "Nesse caso, proponho que a gestão seja voltada para a soberania nacional".

Ao final dos depoimentos, a deputada Maria José Haueisen, presidente da Comissão, concluiu que estavam todos de acordo em relação aos méritos do debate, de promover a saúde das pessoas e incrementar o turismo nessas cidades.

Requerimentos sobre a mina de ferro de Capão Xavier

A parte inicial da reunião teve a apresentação e discussão de dois requerimentos. O primeiro deles, de autoria do deputado Adalclever Lopes (PMDB), pedia a retirada de pauta do Copam do licenciamento da mina de Capão Xavier, da MBR. O assunto já tinha sido tratado numa audiência pública no teatro da Assembléia, no último dia 10, mas sem um fecho conclusivo.

O deputado Fábio Avelar (PTB) encaminhou contra, por entender que os posicionamentos técnicos e das autoridades eram favoráveis e que não se deveria protelar mais o empreendimento. Acompanhou seu voto contrário o deputado Doutor Ronaldo (PDT), mas a deputada Maria José Haueisen (PT), posicionou-se favoravelmente ao requerimento do peemedebista, e desempatou com sua prerrogativa de presidente.

O segundo requerimento, aprovado por unanimidade, foi da própria presidente, para uma nova reunião sobre o tema Capão Xavier, com a presença de técnicos ambientais, engenheiros, dirigentes da Feam e da MBR. Haueisen argumentou que deseja uma reunião mais esclarecedora e menos emocional, que ajude os deputados a tomar decisão com base em informações sólidas.

Presenças - Deputada Maria José Haueisen (PT), presidente; deputados Doutor Ronaldo (PDT), vice; Fábio Avelar (PTB), Adalclever Lopes (PMDB) e Laudelino Augusto (PT).

 

 

 

 

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