Crise da Parmalat foi prevista pela Assembléia há dois
anos
As dificuldades da Parmalat no Brasil foram
denunciadas em 2001 pelo então deputado João Batista de Oliveira,
presidente da CPI da Assembléia Legislativa de Minas que investigou
a formação do preço do leite. A citação foi feita pelo deputado
Doutor Viana (PFL), durante a audiência pública da Comissão da
Parmalat da Câmara dos Deputados, realizada na tarde desta
quinta-feira (5/2/2004). "Ninguém deu a devida atenção ao alerta na
época", lamentou Viana.
O deputado José Henrique (PMDB) assinalou que a
Parmalat havia entrado na região do Rio Doce como empresa altamente
capitalizada, comprando todas as linhas de leite e desestabilizando
todas as cooperativas da região. "Pouco tempo depois, a empresa
abandonou nossa região num piscar de olhos. Durante a CPI do Preço
do Leite, procuramos levantar essa questão com o intuito de unir os
produtores".
A audiência pública da comissão da Câmara dos
Deputados, presidida pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG),
foi realizada na Assembléia por iniciativa do deputado Chico Simões
(PT), que discutiu a questão dos grandes compradores que impõem
preço aos produtores, o que o deputado considerou uma grave
distorção da economia brasileira: "Nós, que sempre condenamos a
convivência com os monopólios estatais, agora estamos submetidos aos
oligopólios privados. A Parmalat também está nos Estados Unidos e no
Canadá, mas lá os produtores não estão tendo problemas, porque
seguramente esses países têm mecanismos para proteger seu produtor".
Já o deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB), abordou a
concordata da Parmalat no contexto geral da crise da pecuária
leiteira e da cafeicultura. Criticando uma declaração à imprensa do
advogado da empresa no Brasil, o deputado estadual disse que ele não
se mostrava preocupado com a falência da empresa.
O deputado Reginaldo Lopes disse que notícias
recentes indicam que 60% dos fornecedores da multinacional já a
abandonaram, e por isso acredita que a concordata da Parmalat logo
se tornará falência. "No entanto, é nosso dever buscar soluções que
permitam a continuação da atividade", afirmou, relatando a viagem de
uma comissão de parlamentares e especialistas do Governo à Itália,
numa comitiva chefiada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário,
Miguel Rosseto. Um dos objetivos da viagem seria identificar
capitais sadios na Itália que pudessem assumir as dívidas da
Parmalat e permitir a continuidade da operação.
Houve muitos questionamentos sobre lacunas da lei
de falências no Brasil. Juraci Moreira Souto, diretor da
Confederação dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), denunciou
que a Justiça pode entregar a gestão da falência à própria Parmalat,
que teria dois anos para sucatear o que resta. Para o sindicalista,
é preciso um esforço do Governo e das entidades patronais e de
trabalhadores para formular um projeto estrutural que atenda à
pecuária leiteira.
Reginaldo Lopes confirmou que existe o risco da
falência e que a solução seria a edição de uma medida provisória
para sustentar juridicamente a exigência de que um interventor
nomeado pelo Governo Federal administre a falência de acordo com o
interesse nacional.
Além da Contag, compunham a mesa também
representantes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado de Minas Gerais (Fataemg), da Federação da Agricultura do
Estado de Minas Gerais (Faemg) e da Fiemg, que defende o ponto de
vista dos laticínios. Cada um deles acrescentou valiosas informações
sobre a realidade do negócio do leite em Minas.
Celso Moreira, da Fiemg, afirmou que os 1.200
pequenos laticínios de Minas representam o dobro do que a Parmalat
representava, mantêm muito mais empregos e não encontram nenhum tipo
de incentivo para sobreviver. "O acréscimo recente no cálculo do PIS
e da Cofins vai impedir que o produtor cumpra seus compromissos e
receba uma remuneração digna, a não ser que medidas imediatas de
apoio sejam tomadas", alertou Moreira.
Eduardo Dessimoni, da Faemg, avaliou que o
fechamento da Parmalat vai representar um impacto negativo de 7 a
10% na economia dos 250 mil produtores de leite mineiros. Apenas
para três cooperativas que reúnem 1.600 produtores, segundo ele, a
Parmalat deve R$ 555 mil. Uma delas, a Cooprata, teria recebido 600
toneladas de leite em pó como parte de pagamento da dívida. "Se esse
leite for colocado no mercado, vai agravar ainda mais o problema",
afirmou Dessimoni.
Dessimoni criticou ainda as condições em que o
Governo está oferecendo socorro aos pecuaristas, através do EGF, uma
carteira que teria R$ 300 milhões disponíveis. Para ele, os juros de
8% e principalmente o curto prazo de 12 meses para amortização não
atendem ao produtor. Um líder cooperativista presente afirmou que
nenhuma parcela desse dinheiro teria chegado às agências do Banco do
Brasil. Reginaldo Lopes concordou que as condições são ruins para o
produtor.
Produtor critica política de preços que prejudica o
pequeno
Na platéia da reunião havia dezenas de produtores,
cooperativistas e lideranças dos pecuaristas mineiros. A maior parte
deles sustenta que o escândalo da Parmalat mostrou não só problemas
causados pela empresa. A crise da empresa denuncia a fragilidade do
setor leiteiro.
Entre os principais problemas ligados à crise do
leite foram citados pelos produtores a concentração de renda nas
mãos das grandes empresas e uma política injusta de preços. Segundo
Jonas Morais, presidente da Coopará (Cooperativa de Produtores de
Leite de Pará de Minas), as pequenas empresas de laticínios gastam
mais na produção do que os grandes produtores e colocam seus
produtos no mercado a preços muito mais baixos. Morais denunciou que
o leite dos pequenos produtores, que entregam até 150 litros por
dia, é pago a R$ 0,32 e que o produto de grandes fazendas alcança R$
0,50. "É um contra-senso", afirmou, "porque os custos de produção do
pequeno são maiores. O caminhão tem que entrar em 60 fazendas para
recolher 8 mil litros de leite, ao passo que enche seu tanque com 3
visitas a grandes produtores".
Outro problema citado pelo cooperativista está
relacionado ao leite longa-vida produzido por empresas como a
Parmalat. De acordo com ele, pequenas empresas saem em desvantagem
por não terem infra-estrutura para a produção deste tipo de
leite.
Dentre os demais depoimentos, o ex-funcionário da
Parmalat, José Eustáquio Bernardino, afirmou que a empresa, ao
entrar em Minas, adquiriu 30 empresas em estado pré-falimentar. Sua
afirmativa foi questionada por outras pessoas da platéia. Alguns
produtores apresentaram sugestões para escoamento emergencial do
leite que a Parmalat deixou de comprar: a inclusão da merenda
escolar e operações casadas com o Programa Fome Zero do Governo
Lula.
João Bosco Ferreira, da Cemil, que também falou
durante a audiência, afirmou que nunca se falou tanto na economia
leiteira quanto agora. De acordo com ele, este é um aspecto positivo
pois leva a um debate sobre o setor. No encerramento da reunião, o
deputado Reginaldo Lopes anunciou que a Comissão da Parmalat vai
ouvir o relato de viagem do ministro Rosseto na próxima terça-feira,
em Brasília.
Os números da Parmalat e da produção de
leite
A crise da Parmalat, que deve cerca de 15 bilhões
de euros, causou prejuízo a cerca de 100 mil produtores e deixou sem
emprego 6,2 mil funcionários no Brasil. Com 1 bilhão de litros de
leite comprados por ano, a Parmalat era a segunda maior empresa do
setor no Brasil, perdendo apenas para a Nestlé, que compra cerca de
1,5 bilhão. Em terceiro lugar vem a Itambé, com 780 milhões de
litros/ano.
Dentre os estados prejudicados com a concordata da
empresa, Goiás é o principal. Minas ocupa apenas o 5º lugar, com
cerca de R$ 2 milhões em dívidas diretas com os fornecedores. A
região mineira mais afetada é a Zona da Mata, particularmente os
municípios de Tombos e Muriaé. Mas também os de Tupaciguara e
Araguari, no Triângulo, e os de Três Corações e Brasópolis, no Sul
de Minas, foram atingidos.
O Brasil produziu 21,1 bilhões de litros de leite
no ano 2002. Minas é o maior produtor, com 6,2 bilhões de litros, ou
seja, cerca de 30% do total. Cerca de 800 mil brasileiros se dedicam
à pecuária de leite. Em Minas, esse número é de 250 mil. Os dados
foram citados por técnicos e parlamentares durante a reunião.
Presenças: Dep. Federal
Reginaldo Lopes (PT), presidente; deputados Chico Simões (PT), Dalmo
Ribeiro Silva (PSDB), Doutor Viana (PFL), José Henrique (PMDB); o
presidente da Comissão Técnica e Pecuária Leiteira de Minas Gerais
da Faemg, Eduardo Dessimoni; o secretário de Finanças e
Administração da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura), Juraci Moreira Souto; o presidente da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz
da Silva; e o diretor da Silemg representando a Fiemg, Celso Costa
Moreira.
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