Crise da Parmalat foi prevista pela Assembléia há dois anos

As dificuldades da Parmalat no Brasil foram denunciadas em 2001 pelo então deputado João Batista de Oliveira, preside...

06/02/2004 - 16:33
 

Crise da Parmalat foi prevista pela Assembléia há dois anos

As dificuldades da Parmalat no Brasil foram denunciadas em 2001 pelo então deputado João Batista de Oliveira, presidente da CPI da Assembléia Legislativa de Minas que investigou a formação do preço do leite. A citação foi feita pelo deputado Doutor Viana (PFL), durante a audiência pública da Comissão da Parmalat da Câmara dos Deputados, realizada na tarde desta quinta-feira (5/2/2004). "Ninguém deu a devida atenção ao alerta na época", lamentou Viana.

O deputado José Henrique (PMDB) assinalou que a Parmalat havia entrado na região do Rio Doce como empresa altamente capitalizada, comprando todas as linhas de leite e desestabilizando todas as cooperativas da região. "Pouco tempo depois, a empresa abandonou nossa região num piscar de olhos. Durante a CPI do Preço do Leite, procuramos levantar essa questão com o intuito de unir os produtores".

A audiência pública da comissão da Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), foi realizada na Assembléia por iniciativa do deputado Chico Simões (PT), que discutiu a questão dos grandes compradores que impõem preço aos produtores, o que o deputado considerou uma grave distorção da economia brasileira: "Nós, que sempre condenamos a convivência com os monopólios estatais, agora estamos submetidos aos oligopólios privados. A Parmalat também está nos Estados Unidos e no Canadá, mas lá os produtores não estão tendo problemas, porque seguramente esses países têm mecanismos para proteger seu produtor".

Já o deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB), abordou a concordata da Parmalat no contexto geral da crise da pecuária leiteira e da cafeicultura. Criticando uma declaração à imprensa do advogado da empresa no Brasil, o deputado estadual disse que ele não se mostrava preocupado com a falência da empresa.

O deputado Reginaldo Lopes disse que notícias recentes indicam que 60% dos fornecedores da multinacional já a abandonaram, e por isso acredita que a concordata da Parmalat logo se tornará falência. "No entanto, é nosso dever buscar soluções que permitam a continuação da atividade", afirmou, relatando a viagem de uma comissão de parlamentares e especialistas do Governo à Itália, numa comitiva chefiada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto. Um dos objetivos da viagem seria identificar capitais sadios na Itália que pudessem assumir as dívidas da Parmalat e permitir a continuidade da operação.

Houve muitos questionamentos sobre lacunas da lei de falências no Brasil. Juraci Moreira Souto, diretor da Confederação dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), denunciou que a Justiça pode entregar a gestão da falência à própria Parmalat, que teria dois anos para sucatear o que resta. Para o sindicalista, é preciso um esforço do Governo e das entidades patronais e de trabalhadores para formular um projeto estrutural que atenda à pecuária leiteira.

Reginaldo Lopes confirmou que existe o risco da falência e que a solução seria a edição de uma medida provisória para sustentar juridicamente a exigência de que um interventor nomeado pelo Governo Federal administre a falência de acordo com o interesse nacional.

Além da Contag, compunham a mesa também representantes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fataemg), da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg) e da Fiemg, que defende o ponto de vista dos laticínios. Cada um deles acrescentou valiosas informações sobre a realidade do negócio do leite em Minas.

Celso Moreira, da Fiemg, afirmou que os 1.200 pequenos laticínios de Minas representam o dobro do que a Parmalat representava, mantêm muito mais empregos e não encontram nenhum tipo de incentivo para sobreviver. "O acréscimo recente no cálculo do PIS e da Cofins vai impedir que o produtor cumpra seus compromissos e receba uma remuneração digna, a não ser que medidas imediatas de apoio sejam tomadas", alertou Moreira.

Eduardo Dessimoni, da Faemg, avaliou que o fechamento da Parmalat vai representar um impacto negativo de 7 a 10% na economia dos 250 mil produtores de leite mineiros. Apenas para três cooperativas que reúnem 1.600 produtores, segundo ele, a Parmalat deve R$ 555 mil. Uma delas, a Cooprata, teria recebido 600 toneladas de leite em pó como parte de pagamento da dívida. "Se esse leite for colocado no mercado, vai agravar ainda mais o problema", afirmou Dessimoni.

Dessimoni criticou ainda as condições em que o Governo está oferecendo socorro aos pecuaristas, através do EGF, uma carteira que teria R$ 300 milhões disponíveis. Para ele, os juros de 8% e principalmente o curto prazo de 12 meses para amortização não atendem ao produtor. Um líder cooperativista presente afirmou que nenhuma parcela desse dinheiro teria chegado às agências do Banco do Brasil. Reginaldo Lopes concordou que as condições são ruins para o produtor.

Produtor critica política de preços que prejudica o pequeno

Na platéia da reunião havia dezenas de produtores, cooperativistas e lideranças dos pecuaristas mineiros. A maior parte deles sustenta que o escândalo da Parmalat mostrou não só problemas causados pela empresa. A crise da empresa denuncia a fragilidade do setor leiteiro.

Entre os principais problemas ligados à crise do leite foram citados pelos produtores a concentração de renda nas mãos das grandes empresas e uma política injusta de preços. Segundo Jonas Morais, presidente da Coopará (Cooperativa de Produtores de Leite de Pará de Minas), as pequenas empresas de laticínios gastam mais na produção do que os grandes produtores e colocam seus produtos no mercado a preços muito mais baixos. Morais denunciou que o leite dos pequenos produtores, que entregam até 150 litros por dia, é pago a R$ 0,32 e que o produto de grandes fazendas alcança R$ 0,50. "É um contra-senso", afirmou, "porque os custos de produção do pequeno são maiores. O caminhão tem que entrar em 60 fazendas para recolher 8 mil litros de leite, ao passo que enche seu tanque com 3 visitas a grandes produtores".

Outro problema citado pelo cooperativista está relacionado ao leite longa-vida produzido por empresas como a Parmalat. De acordo com ele, pequenas empresas saem em desvantagem por não terem infra-estrutura para a produção deste tipo de leite.

Dentre os demais depoimentos, o ex-funcionário da Parmalat, José Eustáquio Bernardino, afirmou que a empresa, ao entrar em Minas, adquiriu 30 empresas em estado pré-falimentar. Sua afirmativa foi questionada por outras pessoas da platéia. Alguns produtores apresentaram sugestões para escoamento emergencial do leite que a Parmalat deixou de comprar: a inclusão da merenda escolar e operações casadas com o Programa Fome Zero do Governo Lula.

João Bosco Ferreira, da Cemil, que também falou durante a audiência, afirmou que nunca se falou tanto na economia leiteira quanto agora. De acordo com ele, este é um aspecto positivo pois leva a um debate sobre o setor. No encerramento da reunião, o deputado Reginaldo Lopes anunciou que a Comissão da Parmalat vai ouvir o relato de viagem do ministro Rosseto na próxima terça-feira, em Brasília.

Os números da Parmalat e da produção de leite

A crise da Parmalat, que deve cerca de 15 bilhões de euros, causou prejuízo a cerca de 100 mil produtores e deixou sem emprego 6,2 mil funcionários no Brasil. Com 1 bilhão de litros de leite comprados por ano, a Parmalat era a segunda maior empresa do setor no Brasil, perdendo apenas para a Nestlé, que compra cerca de 1,5 bilhão. Em terceiro lugar vem a Itambé, com 780 milhões de litros/ano.

Dentre os estados prejudicados com a concordata da empresa, Goiás é o principal. Minas ocupa apenas o 5º lugar, com cerca de R$ 2 milhões em dívidas diretas com os fornecedores. A região mineira mais afetada é a Zona da Mata, particularmente os municípios de Tombos e Muriaé. Mas também os de Tupaciguara e Araguari, no Triângulo, e os de Três Corações e Brasópolis, no Sul de Minas, foram atingidos.

O Brasil produziu 21,1 bilhões de litros de leite no ano 2002. Minas é o maior produtor, com 6,2 bilhões de litros, ou seja, cerca de 30% do total. Cerca de 800 mil brasileiros se dedicam à pecuária de leite. Em Minas, esse número é de 250 mil. Os dados foram citados por técnicos e parlamentares durante a reunião.

Presenças: Dep. Federal Reginaldo Lopes (PT), presidente; deputados Chico Simões (PT), Dalmo Ribeiro Silva (PSDB), Doutor Viana (PFL), José Henrique (PMDB); o presidente da Comissão Técnica e Pecuária Leiteira de Minas Gerais da Faemg, Eduardo Dessimoni; o secretário de Finanças e Administração da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), Juraci Moreira Souto; o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz da Silva; e o diretor da Silemg representando a Fiemg, Celso Costa Moreira.

 

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