Para técnicos, regiões metropolitanas dependem de gestão
integrada
Nesta terça-feira (11/11/2003), segundo dia do
Seminário Legislativo "Regiões Metropolitanas", promovido pela
Assembléia de Minas para debater, com especialistas, a criação
dessas novas formas de organização, a abordagem foi sobre aspectos
físicos, sociais e econômicos das regiões metropolitanas. "O caos
urbano se relaciona rigorosamente à desordem ambiental, que não pode
ser separada dos outros problemas. Para encaminhar soluções, é
preciso uma gestão integrada, que não pare nas divisões políticas
dos municípios", afirmou o secretário de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho, com quem
concordaram os demais expositores. O coordenador do debate foi o
autor do requerimento pelo seminário, deputado Fábio Avelar (PTB).
De acordo com o secretário, é impossível analisar
os problemas ambientais que afetam regiões metropolitanas e
conurbadas (quando os limites administrativos não são perceptíveis)
sem considerar o processo de urbanização do Brasil, único em todo o
mundo por ter sido extremamente acelerado. "Nos anos 60, o País era
praticamente rural. A inversão tão rápida dessa lógica provocou a
expansão descontrolada das áreas urbanas e a desigual distribuição
dos problemas ambientais, que se concentraram em periferias e
bairros pobres. Não vemos lixões ou esgoto a céu aberto em bairros
de classe média", analisou.
Entre esses problemas, José Carlos Carvalho listou
os dois que mais contribuem para degradar a qualidade de vida das
cidades brasileiras: o lixo e o lançamento de esgoto in
natura nos rios. "Quase todos os rios que atravessam regiões
urbanas estão mortos", atestou. Para ele, o problema na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) tem ainda outro agravante,
causado pela topografia, que são os assentamentos urbanos em fundos
de vales inundáveis e com risco geológico. "São bairros inteiros que
ocupam áreas inadequadas, com ou sem autorização do poder público",
salientou.
O secretário criticou a verticalização ao
federalismo brasileiro, imposta pela Constituição. Para ele, essa
verticalização prejudica a criação de mecanismos de cooperação entre
os municípios, dando aos problemas características apenas municipal,
estadual ou federal. Um avanço na gestão dos problemas, para ele, é
a nova legislação de recursos hídricos, que permite a integração de
políticas públicas em torno de uma bacia hidrográfica. Já quanto ao
lixo, ele alerta: "É desnecessário que os municípios tenham cada um
seu aterro sanitário. Juntos, eles podem diminuir gastos, se
tornando mais eficazes. As empresas estão cumprindo seu papel e
tratando os rejeitos. Já o poder público, não".
Saneamento ambiental tem falhas
Para o assessor da Diretoria de Operação
Metropolitana da Copasa, Rômulo Thomaz Perilli, as dívidas dos
poderes públicos com saneamento (antes tratado como básico e, agora,
como ambiental) têm sido reduzidas pelas companhias de saneamento.
Em sua fala, o consultor destacou os esforços da Copasa para
melhorar o saneamento, citando exemplos positivos das experiências
na região da Mutuca e na reserva de 17 mil hectares na RMBH.
"Ainda há um grave passivo ambiental quanto ao
esgoto", assumiu Perilli, lembrando exemplos que a Copasa procura
não repetir, como a Lagoa da Pampulha, que há 20 anos era um
importante manancial, e a Várzea das Flores, entre Betim e Contagem.
O consultor também defendeu uma gestão compartilhada, com programas
microrregionais, para o saneamento. Um exemplo é Ipatinga, que
oferece saneamento a 100% da população, mas fica na jusante (sentido
do curso d'água) de Coronel Fabriciano e Timóteo: "Se houvesse
integração, o Rio Piracicaba poderia ser recuperado".
Geologia - O geólogo
Edézio Teixeira de Carvalho, que é membro da Associação Brasileira
de Geologia de Engenharia e Ambiental - Núcleo MG, destacou a
importância da atuação dessa ciência na sustentabilidade das
regiões, como na análise dos espaços intraurbanos, que pode ser
feita por meio de fotos aéreas seqüenciais. "Não há rio vivo em
terra morta. O solo purifica a água porque toma dela a poluição, o
que é mais barato que qualquer processo tecnológico", afirmou. O
geólogo ainda fez outro alerta: em cidades isoladas, os problemas
podem ser resolvidos um a um. Já em aglomerados metropolitanos, não
há distância suficiente para atenuar os impactos.
Especialista busca alternativas para
transporte
O transporte coletivo também é um importante
entrave para a gestão das regiões metropolitanas, conforme explicou
o coordenador do Curso de Pós-Graduação em Transporte e Trânsito da
Fumec, Osias Baptista Neto, a começar pela complexidade de definir
as competências do Estado e dos municípios que se conglomeram. "Não
existe solução definitiva em nenhuma cidade do Brasil. Não basta a
técnica, é preciso vontade política", afirmou. Para ele, perguntas
necessárias à reflexão são definições sobre onde acaba o interesse
local e começa o comum; quem é o passageiro metropolitano; e se há
concorrência entre os sistemas metropolitanos e municipais.
Osias Baptista Neto lembrou o exemplo do transporte
coletivo na RMBH, onde cada município age sozinho e o Estado cuida
das ligações intermunicipais, o que provoca alta competitividade
pelos passageiros e dificuldade de integração física. Isso gera
medidas defensivas por parte dos municípios, que passam a restringir
as linhas e fazem do transporte instrumento de pressão política. "A
única vantagem clara é a estabilidade contratual dos operadores de
transporte", disse. Por outro lado, para ele, a delegação ao Estado
para cuidar de todo o sistema, como já ocorreu em BH, torna o
interesse local inoperante e anula a avaliação do serviço pelo voto
da população.
Outro modelo também inadequado, na opinião do
professor da Fumec, é o que funciona na Região Metropolitana de
Curitiba, onde o Estado delegou àquela cidade-pólo o sistema
intermunicipal. "O cidadão não pode cobrar do prefeito da sua
cidade, perdendo a possibilidade de pressão política", analisou. Já
a associação por consórcios, para ele, é instável tanto do ponto de
vista da definição de competência, quanto da conjuntura (pode não se
manter nas eleições seguintes). A proposta mais válida, de acordo
com Osias, é a participação efetiva dos municípios na gestão do
Estado, desde que eles abdiquem da autonomia completa em relação aos
transportes.
Professor defendeu avaliação de critérios para
RMs
A indefinição institucional das regiões
metropolitanas e a questão habitacional foram os dois eixos centrais
da exposição feita pelo coordenador nacional da Rede Habitare e
professor da UFRJ, Adauto Lúcio Cardoso. Segundo o professor, os
critérios constitucionais para a definição de uma região
metropolitana não são observados. "Temos no Brasil regiões
inconsistentes, como a de Maringá, no Paraná. Em outras regiões,
seria necessária a incorporação de municípios, como o caso de
Petrópolis, no Rio de Janeiro. Existem ainda regiões onde se percebe
um inchaço. Os critérios passam a ser mais políticos que
institucionais", afirmou. Adauto Cardoso disse ainda que é preciso
retomar as definições do IBGE sobre o que é região metropolitana e o
que é aglomeração urbana. "Não existem mecanismos que facilitem a
integração entre Estado e municípios e ainda há conflito de
competências", acrescentou.
Moradia - O déficit
habitacional no Brasil, que em 2000 foi de 6,6 milhões de unidades,
foi outro ponto abordado pelo expositor. Segundo ele, esse índice é
maior nos centros urbanos, chegando a 81%, sendo 30% nas regiões
metropolitanas. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a
defasagem habitacional é de 150 mil unidades, com 87% entre as
famílias com renda de até três salários mínimos. Cardoso informou
que o déficit na RMBH aumentou em 50 mil unidades só na década de
90. "É preciso que a problemática habitacional metropolitana tenha
um tratamento globalizado. O cidadão que produz a riqueza de Belo
Horizonte, consome a pobreza da periferia, pois é lá que ele mora",
afirmou.
O professor defendeu também políticas preventivas
para que o déficit habitacional não provoque a ocupação de áreas de
risco. "Nas administrações municipais temos percebido
irresponsabilidade em relação aos assuntos metropolitanos. Se não
forem implementadas políticas de oferta planejada de moradia, em
áreas adequadas, esses problemas tendem a se agravar", ressaltou.
Adauto Cardoso condenou ainda a política de distribuição de recursos
para a área habitacional que privilegia, segundo ele, os municípios
com maiores condições financeiras e técnicas, em detrimento dos mais
empobrecidos. O professor parabenizou a Assembléia pelo seminário e
disse que o debate sobre as regiões metropolitanas, embora de
fundamental importância, não tem sido tratado como prioridade pelo
Ministério das Cidades e nem sido alvo de muitos debates pelo
Brasil.
O deputado Gustavo Valadares (PFL), que é o relator
dos oito projetos que prevêem a criação de regiões metropolitanas no
Estado, coordenou a fase de debates do seminário. Ele lembrou que a
tramitação dos projetos está suspensa na Casa, por acordo feito com
os autores das matérias. "Decidimos paralisar a tramitação para
aguardar as conclusões do seminário. Precisamos avaliar a
viabilidade da criação de novas regiões metropolitanas, assim como
alternativas para as dificuldades existentes nas regiões já criadas,
que são a RMBH e a Região Metropolitana do Vale do Aço (Amevale)",
afirmou.
Secretário rejeita municipalização da segurança
pública
O secretário adjunto de Defesa Social, Luís Flávio
Sapori, durante sua exposição no seminário legislativo, defendeu que
o problema da criminalidade é menos institucional e mais de gestão.
"Não defendo a municipalização da segurança pública. Não acredito
que esse modelo seja o adequado. Um atendimento municipalizado do
preso não é solução", enfatizou. O secretário acredita ainda que as
políticas prisionais em regiões metropolitanas não podem ter o foco
municipal. "Belo Horizonte e Contagem, por exemplo, têm grande
similaridade em relação à incidência criminal", afirmou.
Para Sapori, o grande conflito é que o Estado tem
as prerrogativas, mas não os recursos, que estão nas mãos da União.
"Os municípios são essenciais no custeio das polícias, por exemplo,
mas isso é pouco para se pensar na participação deles no arranjo
institucional. Podemos pensar, no entanto, em planos municipais de
pequeno e médio prazos voltados para a segurança pública", disse o
secretário. Segundo Sapori, a gestão metropolitana da segurança
pública já está acontecendo em algumas regiões do Brasil. "A gestão,
não a institucionalização", concluiu.
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