Defensores públicos expõem dificuldades em audiência
pública
Os defensores públicos de Minas Gerais são os de
pior remuneração no Brasil, à exceção dos da Paraíba. Além disso,
estão mal equipados, mal instalados, sobrecarregados de tarefas e
seu número é insuficiente para atender a demanda crescente por
assistência judicial gratuita. Falta-lhes até papel para redigirem
suas petições. As dificuldades são tão grandes que a maioria
desistiu de exercer a atividade. Dos 918 cargos existentes, apenas
416 estão preenchidos. Os remanescentes consideram que ser defensor
público é "um sacerdócio", "um vício" ou ser "sofredor público".
Muitos têm que dobrar jornada em escritórios particulares na luta
pela sobrevivência.
Em resumo, essas são as principais queixas
apresentadas pelos defensores públicos mineiros aos deputados da
Comissão de Administração Pública, em audiência pública realizada na
tarde desta quarta-feira (26/11/2003). Eles vieram de dezenas de
cidades mineiras, como Betim, Guanhães, Varginha, Itajubá, Janaúba,
Barbacena, Divinópolis e Três Corações, inconformados com o salário
inicial de R$ 2.140, que seria a quinta parte da remuneração de um
promotor de Justiça em início de carreira.
Os defensores vieram a Belo Horizonte participar de
um fórum de direitos humanos, que se realiza até esta quinta-feira
na sede da Câmara de Dirigentes Lojistas. Mas aproveitaram para
levar suas reivindicações ao deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB), um
dos articuladores da aprovação da Lei Orgânica da Defensoria, a Lei
Complementar 65. Ribeiro Silva solicitou então ao presidente da
Comissão de Administração Pública, deputado Domingos Sávio (PSDB),
que convocasse uma reunião extraordinária para ouvi-los.
São Paulo gasta R$ 140 milhões com
"dativos"
Glauco David de Oliveira Souza, que preside a
Associação dos Defensores Públicos, informou que há mais de 140
comarcas sem defensor, e que elas estão sempre em desvantagem quanto
ao número de juízes e promotores. Condenou o uso de advogados
"dativos" designados pelos juízes, e revelou que o Estado de São
Paulo, onde não há defensoria pública, gasta R$ 140 milhões anuais
com o pagamento dos dativos. "O resultado é muito mais oneroso e
menos eficiente do que o do Rio de Janeiro, por exemplo, onde os
defensores públicos atendem a 1,6 milhão de casos por ano", disse o
advogado.
Roberto Reis, representante da Associação dos
Defensores Públicos do Rio de Janeiro, informou que o salário
inicial em seu Estado é de R$ 6.724, equivalente ao triplo do que
recebem os mineiros, mas que o Distrito Federal é quem pagar melhor,
R$ 9.500. Reis também investiu contra os "dativos". "Esses advogados
despreparados, sem compromisso e sem a formação adequada para
defender os despossuídos têm que ser riscados da cena jurídica
brasileira, e sua existência nos preocupa, porque sabemos que vários
Estados, e inclusive a União, têm em mente usar esse tipo de
serviço".
Apesar da melhor situação financeira dos cariocas,
Reis disse que também enfrentam dificuldades materiais - às vezes
não têm sequer uma cadeira para oferecer a seus clientes - e
dificuldades políticas, uma vez que o governo do Rio recusa-se a
implementar a emenda à Constituição aprovada pela Assembléia que dá
autonomia administrativa e financeira à Defensoria Pública.
Nesse aspecto, Minas Gerais está mais adiantado. A
defensora pública geral Marlene Oliveira Nery relata que, aos
poucos, a defensoria mineira vai conseguindo libertar-se da
dependência material e de recursos humanos da Secretaria de Defesa
Social. "Temos recebido freqüentes demonstrações de boa vontade do
secretário Lúcio Urbano e também do secretário Antônio Anastasia,
muito embora, quando falamos em dinheiro com Anastasia, ele
estremeça da cabeça aos pés", ilustrou.
Custeio asfixia atividades da Defensoria
Marlene Nery relatou o difícil aprendizado da
autonomia, que obrigou os defensores a trabalharem como
administradores públicos, aprendendo como fazer licitações,
pagamentos e programação financeira. Ricardo Cordeiro, também da
defensoria, fez uma extensa comparação entre os recursos de custeio
orçados para 2004, de R$ 1,8 milhão, e as necessidades reais, que
são de R$ 5,4 milhões. "Estamos engessados por falta de verbas, e
próximos do colapso", advertiu.
A representante do governo do Estado na reunião,
Mariane Ribeiro Bueno Freire, pertence aos quadros da Advocacia
Geral do Estado. Prestou solidariedade aos "colegas operadores do
direito", mas disse que a situação em seu órgão não é muito melhor.
"Se vocês são os defensores pior remunerados do Brasil, com exceção
da Paraíba, saibam que nós somos os procuradores pior remunerados do
país, sem exceções", afirmou.
Bueno Freire mencionou as ações diretas de
inconstitucionalidade que tentam barrar o quadro suplementar de
provimento da defensoria. "Como o Estado é nosso cliente, alguns de
nós levantaram a obrigação do acesso por concurso e que haveria
questionamento sobre a constitucionalidade do ingresso derivado, mas
decidimos não tomar qualquer iniciativa para não prejudicá-los",
disse ela.
Leopoldo Portela Júnior, presidente da Associação
Nacional dos Defensores Públicos, informou que uma Adin contra o
quadro suplementar já tinha 12 votos pela procedência, mas que uma
rápida ação dos defensores tinha revertido o quadro e empatado a
votação. Portela Júnior disse que a remuneração dos defensores
públicos não tinha recebido qualquer tipo de reajuste desde janeiro
de 1994, e que, no plano nacional, os defensores estão lutando para
ter subteto igual ao dos juízes e promotores na Reforma da
Previdência. Na opinião dele, a situação de remuneração em Minas "é
vil". No entanto, disse perceber uma evolução positiva nos anos
recentes. "Há três anos, só falávamos nas dificuldades, hoje já
falamos em soluções", sentenciou.
Profissionais reclamam de sobrecarga e
riscos
Diversos defensores que estavam na platéia foram ao
microfone apresentar queixas a respeito da sobrecarga de trabalho,
dos riscos que enfrentam ao testemunhar torturas e violações dos
direitos humanos nas delegacias, de ter que comprar material de
trabalho com recursos próprios, das instalações precárias em que
trabalham, e até dos traumas psíquicos e depressão a que estão
sujeitos. A defensora Inês Santos passou ao presidente Domingos
Sávio uma estrela de lapela dos defensores e uma caneta para serem
entregues ao governador Aécio Neves, "para que assine com urgência
as reivindicações de dignidade dos defensores públicos". Caso
contrário, ela prometeu colocar sua mesa diante do portão do Palácio
da Liberdade e atender os carentes ali.
O deputado Ivair Nogueira (PMDB) elogiou a
competência jurídica e as qualidades dos defensores mineiros,
"reconhecidas na nomeação do defensor Otávio Fortes para
desembargador do Tribunal de Alçada". Paulo Piau (PP) lembrou a
história do defensor Machado, que se tornou uma lenda por
empenhar-se mais quanto mais pobre fosse o cliente.
Ao final da reunião, o presidente informou que
estava assinando, juntamente com Dalmo Ribeiro Silva e José Henrique
(PMDB), um requerimento dirigido a todos os líderes de partidos,
para que melhorassem a dotação orçamentária da Defensoria Pública
através de emendas ao Orçamento.
Presenças - Compareceram à
reunião os deputados Domingos Sávio (PSDB), presidente; Dalmo
Ribeiro Silva (PSDB); Leonardo Quintão (PMDB); José Henrique (PMDB);
Ivair Nogueira (PMDB); Adalclever Lopes (PMDB); Antônio Júlio
(PMDB); e Paulo Piau (PP).
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