Catadores querem fim dos lixões com inclusão social
O fim dos lixões deve ser acompanhado da inclusão
social dos catadores de material reciclável e de sua participação na
gestão dos resíduos sólidos. Essa foi uma das principais
reivindicações feitas pelos trabalhadores, nesta segunda-feira
(27/10/2003), na Assembléia, no Debate Público "Erradicação dos
Lixões e Inserção dos Catadores de Materiais Recicláveis nos
Programas de Coleta Seletiva". Cerca de 800 pessoas, provenientes de
vários estados brasileiros e até da Colômbia, participaram do
evento, cujo objetivo foi colher propostas de ações legislativas
para resolver a questão do lixo - que envolve aspectos sociais,
econômicos e ambientais. "O catador não é o coitadinho que está no
lixão; é o cidadão que merece uma oportunidade", assim resumiu Eric
Soares da Silva, da Comissão Nacional de Catadores de Materiais
Recicláveis/Recife (PE), as principais reivindicações do
segmento.
Na opinião de Eric da Silva, os catadores devem
discutir com prefeituras e empresários alternativas de parcerias e
propostas de contratos de trabalho para a coleta de material
reciclável, com a contribuição de técnicos. Lembrando que os
trabalhadores "não catam lixo, mas sim material reciclável", o
representante de Recife lembrou que nenhuma campanha de coleta
seletiva dará certo se não houver a participação dos catadores e o
engajamento da sociedade - separando o lixo - e do Poder Público,
investindo em infra-estrutura e equipamentos. Ele cobrou também do
Poder Legislativo leis que estimulem a inclusão social dos
catadores, cuja atividade gera emprego, renda, cidadania, rende
milhões e produz matéria-prima para indústrias.
Licenciamento - A
importância desses profissionais foi destacada também pelo
secretário de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável,
José Carlos Carvalho. Ele reforçou as palavras de Eric da Silva,
ressaltando que a cultura brasileira é perdulária e que as pessoas
acabam jogando no lixão o que não é lixo, mas sim material
reciclável. Em Minas, o secretário informou que, desde o início
deste ano, é considerada item obrigatório, para a concessão do
licenciamento ambiental, a demonstração de que o empreendimento
trata a organização dos catadores como parte da solução dos
problemas. A regra está sendo utilizada pela Fundação Estadual do
Meio Ambiente (Feam) na concessão de licenciamentos para construção,
por exemplo, de aterros sanitários e usinas de reciclagem por
prefeituras.
Trabalho dos catadores é ameçado pela terceirização
na gestão dos resíduos
Reconhecido pelo Ministério do Trabalho como
profissão emergente, o ofício dos catadores de material reciclável
reúne hoje 500 mil pessoas, muitos vivendo e trabalhando em lixões a
céu aberto, presentes em 65% dos municípios brasileiros. Apesar de
imprescindíveis, esses trabalhadores correm o risco de não poderem
exercer sua profissão, conforme denunciou a irmã Regina Maria
Manoel, da Comissão Coordenadora do Fórum Nacional de Estudos sobre
População de Rua de São Paulo (SP). Segundo ela, a "revitalização"
dos grandes centros tem impedido o livre acesso dos catadores. Já a
terceirização e a privatização da gestão dos resíduos é uma ameaça.
A irmã cobrou que o Ministério Público assuma a causa dos
trabalhadores, reconhecendo-os profissionalmente quando da
erradicação dos lixões e os encarando como agentes de coleta
seletiva. "Não façamos deles mendigos oficiais", apelou.
O dilema de erradicar os lixões e, ao mesmo tempo,
incluir o catador foi também abordado por José Aparecido Gonçalves,
da Comissão Coordenadora do Fórum Estadual Lixo e Cidadania/Belo
Horizonte. Ele lembrou que apenas 44 dos 853 municípios mineiros têm
algum tipo de tratamento de seus resíduos, como aterros, usinas ou
coletas seletivas. Em contrapartida, não há quaisquer dados sobre a
inclusão dos catadores na gestão desses resíduos. Cido Gonçalves
também cobrou que os trabalhadores participem da definição das
políticas públicas voltadas para a questão.
Experiência de São Paulo -
Já a presidente da ONG Água é Vida, Sônia Maria de Lima, defendeu
que seja feito um cadastro nacional dos trabalhadores dos lixões,
antes de sua erradicação. Representante do Fórum Nacional Lixo e
Cidadania/São Paulo, Sônia relatou a experiência do lixão de São
Bernardo do Campo, que foi extinto depois de 30 anos. Em 1997, havia
no local 176 crianças e jovens, sendo que alguns nunca tinham
deixado antes o lixão. Os catadores se organizaram, com a ajuda de
ONGs, do Sebrae e de universidades, entre outros, e se tornaram
independentes, "atuando sem a tutela do poder público".
Palavra dos deputados - Na
abertura do evento, a presidente da Comissão de Meio Ambiente e
Recursos Naturais da Assembléia, deputada Maria José Haueisen (PT),
relembrou a trajetória dos catadores de material reciclável da
Capital, cuja mobilização teve a ajuda da Pastoral de Rua e da
Arquidiocese de Belo Horizonte. Citou, ainda, o Comitê
Interministerial de Inclusão Social dos Catadores de Lixo, cuja
criação foi determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Já o presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Ação
Social, deputado Alberto Bejani (PTB), cobrou da sociedade que
reconheça o trabalho dos catadores. Coordenador dos trabalhos, o
presidente da Comissão de Participação Popular, deputado André
Quintão (PT), lembrou que a trajetória desses trabalhadores em Belo
Horizonte reúne experiências bem-sucedidas, que demonstram sua
organização, visão ambiental avançada e geração de alternativas
dignas de emprego e renda.
"Biodiesel social" promove inclusão e qualidade
ambiental
A reciclagem do óleo de cozinha, que é um dos
piores poluentes dos rios, foi apresentada pelo superintendente de
Cooperativismo da Sedese como alternativa de inclusão social dos
recicladores de resíduos. Antônio Machado relatou que nos Estados
Unidos já são produzidos anualmente um bilhão de litros de biodiesel
a partir de óleo de fritura, e que o potencial no Brasil é muito
grande. "O exemplo que estamos vendo aqui de solidariedade e
cooperativismo são capazes de propiciar o verdadeiro desenvolvimento
social. Na questão do biodiesel, os coletadores são os mais
importantes, estabelecendo contatos com as redes de restaurantes,
lanchonetes, hotéis, cozinhas industriais, etc.". Machado defende
que o poder público adquire o biodiesel para movimentar sua frota, e
destacou os aspectos ambientais positivos que esse combustível virá
trazer. Para ele, "o biodiesel social é uma alternativa tangível de
geração de renda e inclusão social".
Foram aplaudidas as participações do Ministério
Público na reunião, pelo compromisso pessoal que seus agentes
assumiram com as causas dos recicladores. Paulo Gilberto Cogo
Leivas, de Porto Alegre, disse perceber que a questão de máxima
prioridade é atuar pelo reconhecimento da profissão e para que o
Estado forneça os meios para o desenvolvimento da atividade. Silmara
Goulart, de Belo Horizonte, mostrou admiração pelo protagonismo dos
catadores, por seu senso de união e consciência mostrado na
construção de sua própria cidadania. A procuradora comprometeu-se a
apoiá-los em suas lutas.
O representante do Governo Federal no evento,
Wagner Caetano Oliveira, subsecretário de Estudos, Pesquisa e
Política da Presidência da República, falou sobre a experiência de
discussão popular do Plano Plurianual de Ação Governamental, e de
fóruns como as conferências nacional de Saúde e de Cidades. Disse
que não há recursos para fazer todos os aterros sanitários dos mais
de 5.600 municípios brasileiros simultaneamente, e reafirmou os
compromissos ambientais do Governo, através da ministra Marina
Silva.
De catadores de resíduos a educadores
ambientais
Dezenas de participantes apresentaram perguntas ou
expuseram opiniões ao microfone durante a fase de debate. Questões
sobre aposentadoria dos catadores, após sua inclusão como
trabalhadores reconhecidos, construção de galpões e aquisição de
máquinas de prensagem, denúncias sobre "coopergatos" (pessoas que
intermediam a comercialização de material com as indústrias) e
declarações de cidadania surgiram da platéia.
"Cidadão é principalmente aquele que não nega
cidadania a outras classes", disse um membro da Asmare. "Hoje não
somos vistos mais como animais, e sim como humanos, cidadãos", disse
outra. "Eu era apenas um catador de resíduos. Hoje sou educador
ambiental", declarou Jocemar Silveira, do fórum "Recicla São Paulo",
recitando em seguida um poema em cordel que utiliza para
sensibilizar as donas-de-casa paulistanas.
O Debate Público aconteceu nos termos da Proposta
de Ação Popular nº 4/2003, de iniciativa da Associação dos Catadores
de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare) e da Pastoral
de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte. A condução dos trabalhos
ficou a cargo dos presidentes das comissões de Meio Ambiente,
deputada Maria José Haueisen (PT), e de Participação Popular, André
Quintão (PT). Participaram ainda os deputados Doutor Ronaldo (PDT) e
Marília Campos (PT).
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