Transposição do São Francisco depende de comitê, diz Alencar

Se o comitê da bacia hidrográfica do São Francisco desaprovar o projeto de transposição e revitalização, este não aco...

22/10/2003 - 09:54
 

Transposição do São Francisco depende de comitê, diz Alencar

Se o comitê da bacia hidrográfica do São Francisco desaprovar o projeto de transposição e revitalização, este não acontecerá. Essa afirmativa foi feita pelo vice-presidente da República, José Alencar Gomes da Silva, durante debate público realizado na Assembléia Legislativa, na tarde desta terça-feira (21/10/2003), diante do secretário de Estado do Meio Ambiente, José Carlos de Carvalho, que preside o comitê. O vice e o secretário foram os expoentes do debate que trouxe a Minas o presidente da Assembléia de Sergipe, deputado Antônio Passos.

O relator da Cipe São Francisco e autor do requerimento para a realização do Ciclo de Debates na Assembléia, deputado Wanderley Ávila (PPS), defendeu que os recursos que se pretende empregar na transposição do rio São Francisco são mais que suficientes para os projetos alternativos de aproveitamento dos recursos hídricos do Nordeste Setentrional e para aqueles necessários à melhoria da qualidade de vida dos habitantes do Vale do São Francisco. "A seca no semi-árido e a degradação da Bacia Hidrográfica do São Francisco são problemas distintos, com soluções distintas", acrescentou. Para ele, o flagelo da seca pode ser resolvido com a multiplicação de pequenas obras de retenção da água que cai sobre a região.

O deputado enfatizou ainda que a revitalização do rio é urgente, extremamente necessária e pré-requisito da discussão sobre a transposição. "É evidente o nosso entendimento de que a bacia hidrográfica do São Francisco é patrimônio de todos os brasileiros. Portanto, nosso posicionamento não pode ser interpretado como uma simples defesa de interesses locais", afirmou. Ele acrescentou que o governo federal precisa oferecer uma demonstração clara de que a transposição é um projeto técnica e financeiramente viável, e que é a melhor solução para minimizar os problemas causados pelas secas na área receptora das águas. "Temos que confessar: não temos hoje essa demonstração", disse.

Transposição gastaria toda a energia gerada por Sobradinho

Opinião semelhante foi demonstrada pelo presidente da Assembléia Legislativa de Sergipe e presidente da Cipe São Francisco, deputado Antônio Passos, que acredita que o debate sobre a transposição precisa estar atrelado às informações técnicas. O deputado defendeu que a indispensável revitalização começa com o saneamento básico dos municípios banhados pelo São Francisco. Mesmo admitindo que o custo disso seria altíssimo, Antônio Passos considera que o esse aspecto tem que ser uma das prioridades em relação à bacia.

Em relação à transposição, o presidente da Cipe ressaltou a necessidade de se considerar três pontos: a evapo-transpiração intensa que existe no nordeste semi-árido, atingindo patamares médios de 2 mil milímetros anuais; o consumo de energia necessário para implantar o projeto, equivalente àquela gerada em Sobradinho; e a garantia da vazão do rio, que assegure a geração de energia elétrica e a irrigação em suas áreas potenciais. Passos afirmou ainda que a transposição levaria 20 anos para ser concluída e custaria bilhões de reais. "E de onde sairão tão volumosos recursos?", questionou.

Um dos engenheiros da equipe do vice-governador, Francisco Sarmento, disse que é preciso levar em conta os gastos com ações paliativas de combate aos efeitos das secas. Antônio Passos questionou ainda a eficácia da transposição do rio para a solução do problema da população nordestina. "Os municípios sergipanos ribeirinhos ao São Francisco, têm água às portas e o progresso e o desenvolvimento para eles continua sendo um sonho", afirmou.

Alencar afirma que projeto de transposição quer retirar apenas 3% da água do rio

O vice-presidente da República, José Alencar, informou que a vazão regularizada do rio São Francisco é de 2.060 metros cúbicos por segundo no vertedouro da barragem de Sobradinho, e que em sua foz é ainda maior, de 2.800 metros cúbicos por segundo, segundo lhe informou o presidente da Agência Nacional das Águas. No entanto, a vazão oscila de 10 mil m³ nas chuvas para 600 metros na estiagem. O projeto de transposição pretende retirar apenas 3% da vazão regularizada, ou seja, 63 m³ por segundo. Quanto aos recursos para a obra, US$ 6,5 bilhões, José Alencar fez uma comparação com a dívida.

"Estamos desacostumados a discutir obras. Ultimamente só estamos acostumados a pagar juros. Pagamos R$ 102 bilhões só este ano. Só precisamos de uma migalha disso para fazer a revitalização", raciocinou. Alencar também assinalou o contraste entre as informações técnicas produzidas pela equipe de engenheiros que o assessora com as apresentadas pelos deputados Wanderley Ávila e Antônio Passos. "Parece que não sabemos o que estamos fazendo. Parece que somos irresponsáveis. Eu sou mineiro, sou barranqueiro, tenho propriedade nas margens do São Francisco, conheço grande parte de suas margens, e posso assegurar que o rio sempre esteve abandonado. Nunca houve uma obra de revitalização", contrapôs. O consultor da Cipe São Francisco, Teodomiro Araújo, questionou os dados sobre a vazão regularizada de Sobradinho apresentados pelo vice-governador. Segundo ele, em 60% do tempo o rio não atinge a média de 2.060 m³ por segundo.

Alencar exibiu um vídeo sobre o projeto de revitalização e transposição, recorrendo a exemplos bem-sucedidos em vários países. Dentre os recursos destinados à revitalização, enumerou cinco barragens a serem construídas em afluentes mineiros do São Francisco; as de Congonhas, Jequitaí I e II, Urucuia e Paracatu. Elas custariam em conjunto US$ 280 milhões.

"Miséria não se resolve só com recursos naturais", diz Carvalho

O secretário de Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, ressaltou que não seria prudente falar em transposição das águas antes de fazer os investimentos indispensáveis para revitalizar o rio. E alertou para os riscos de contar com a vazão regularizada atual para o projeto de transposição. "A vazão regularizada propiciada pelas barragens escamoteia os problemas que verificamos hoje nas cabeceiras, onde as queixas de que as nascentes estão secando são cada vez mais freqüentes. É preciso dar um tratamento desapaixonado e despolitizado para o problema daqueles que vivem sem água dentro da própria calha do rio. A simples oferta de recursos naturais não resolve a miséria", discursou Carvalho.

Respondendo às objeções do secretário, o vice-presidente afirmou que, se o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco for contra a transposição, nada será feito. "Asseguro aos senhores que, se o comitê desaprovar o projeto, este será o primeiro tópico do meu relatório ao presidente. E o último será que fica sem efeito tudo o que foi discutido", disse Alencar. O secretário Carvalho retrucou que não preside o comitê para ser contra o plano de transposição, mas para obedecer o previsto na Lei 9.433.

As contribuições da Faemg e da Fiemg ao debate, apresentadas por seus representantes, Roberto Simões e Vítor Feitosa, mostram posições de cautela e pedem estudos multidisciplinares mais abrangentes, antes da decisão. Feitosa acrescentou que a compensação de ICMS gerada pelas usinas hidrelétricas no Estado de Minas chega a R$ 360 milhões. Simões anunciou que a Federação da Agricultura e da Pecuária vai em breve assinar uma nova etapa do projeto de irrigação da Jaíba.

Jarbas Soares Júnior, do Ministério Público, reafirmou o compromisso do MP para com o meio ambiente e para que a legislação ambiental nesse projeto seja cumprida. Ressaltou que, do que tem ouvido, apenas Pernambuco apresenta posições favoráveis à transposição. O vice José Alencar convocou então, à tribuna, três engenheiros da equipe que o assessora: Antônio Carlos Vidon, Francisco Sarmento e o brigadeiro Monteiro, para que dessem sua opinião técnica sobre os problemas ambientais e sugestões para superá-los. Alencar mencionou ainda que o seu prazo para entregar o relatório ao presidente Lula foi adiado para o dia 16 de novembro, e falou ainda da possibilidade já considerada - e descartada por ser muito onerosa - de transposição das águas do rio Tocantins para irrigar o semi-árido setentrional.

Expositor rejeita medidas compensatórias

O coordenador do Projeto Manuelzão da UFMG, Apolo Heringer, comentou a que as entidades ambientais, diferentemente do governo federal, consideram que a revitalização refere-se à recuperação do ecossistema e não à adoção de medidas compensatórias. Segundo ele, é preciso ver a água como bem natural e não, simplesmente, como recursos hídrico, de forma utilitarista. "As obras de transposição, se ocorrerem, serão boas para as empresas de engenharia, não para a população, o meio ambiente e a biodiversidade. Não vejo argumento que justifique esse projeto", atacou. Heringer defendeu ainda que Minas Gerais tome a dianteira das ações de revitalização do São Francisco, já que é no Estado que estão cerca de 40% do território da bacia e a origem de mais de 70% das águas do rio, além de concentrar a maior população.

O membro do Colegiado Coordenador do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, Mauro da Costa Val, manifestou sua preocupação com o projeto de transposição que, segundo ele, poderá ser um indutor da desarticulação institucional dos comitês de bacias - são 18 em Minas Gerais; cinco no Rio São Francisco. Mauro da Costa Val enfatizou o trabalho dos comitês que mobilizam amplamente a sociedade civil, e que estão analisando a implantação de um instrumento econômico de gestão dos recursos hídricos: a cobrança pelo uso da água. "Esse instrumento, no entanto, só será implantado quando for definido o destino do dinheiro arrecadado. É uma nova visão de gestão da coisa pública que poderá servir de lição para todo o Brasil", afirmou.

Esgoto tratado - O diretor de Meio Ambiente da Copasa, Carlos Gonçalves de Oliveira Sobrinho, informou que a companhia já está trabalhando em obras de revitalização do São Francisco. Segundo ele, no primeiro semestre de 2004, Belo Horizonte será a primeira grande capital brasileira a ter a capacidade de tratar 100% de seus esgotos.

Inúmeros participantes se revezaram ao microfone de apartes, e a cada informação contrastante com aquelas em seu poder, o vice-presidente acionava seus assessores para esclarecer. Ambientalistas de Sergipe explicaram os danos causados à foz do São Francisco pela operação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), especialmente na Usina de Xingó, a última do sistema. Os técnicos operam os reservatórios de acordo com a lógica empresarial, retendo água nos períodos de menor demanda e turbinando quando a demanda aumenta. Isso provocaria desabamento das margens e destruição dos "cabeços".

Copo d'água - O deputado João da Graças, sergipano, assegurou que a Chesf jamais liberou mais que mil m³ por segundo. Para ele, a construção do "eixo norte" da adutora seria injusta com vários Estados, e não se convence de que não trará prejuízo. No entanto, disse ele, "o nordestino não nega um copo d'água a ninguém. O último a usar o microfone foi o prefeito de São Roque de Minas, Cairo Manoel Oliveira, para denunciar um sistema cartorial instalado no Ibama local, em detrimento da preservação das nascentes do São Francisco, do rio Grande e do Araguari.

Presenças - Os debates foram coordenados pelo deputado Gil Pereira (PP), presidente da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial e membro da Cipe São Francisco. Participaram dezenas de deputados estaduais de três Estados. De Pernambuco, veio o deputado Raimundo Pimentel (PSDB-PE). De Sergipe, os deputados Antônio Passos (PFL), presidente da Cipe São Francisco e da Assembléia Legislativa; Augusto Bezerra (PMDB), João da Graças (PMN) e Ulices Andrade (PSDB), além do ministro dos Transportes, Anderson Adauto.

 

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