Transposição do São Francisco depende de comitê, diz
Alencar
Se o comitê da bacia hidrográfica do São Francisco
desaprovar o projeto de transposição e revitalização, este não
acontecerá. Essa afirmativa foi feita pelo vice-presidente da
República, José Alencar Gomes da Silva, durante debate público
realizado na Assembléia Legislativa, na tarde desta terça-feira
(21/10/2003), diante do secretário de Estado do Meio Ambiente, José
Carlos de Carvalho, que preside o comitê. O vice e o secretário
foram os expoentes do debate que trouxe a Minas o presidente da
Assembléia de Sergipe, deputado Antônio Passos.
O relator da Cipe São Francisco e autor do
requerimento para a realização do Ciclo de Debates na Assembléia,
deputado Wanderley Ávila (PPS), defendeu que os recursos que se
pretende empregar na transposição do rio São Francisco são mais que
suficientes para os projetos alternativos de aproveitamento dos
recursos hídricos do Nordeste Setentrional e para aqueles
necessários à melhoria da qualidade de vida dos habitantes do Vale
do São Francisco. "A seca no semi-árido e a degradação da Bacia
Hidrográfica do São Francisco são problemas distintos, com soluções
distintas", acrescentou. Para ele, o flagelo da seca pode ser
resolvido com a multiplicação de pequenas obras de retenção da água
que cai sobre a região.
O deputado enfatizou ainda que a revitalização do
rio é urgente, extremamente necessária e pré-requisito da discussão
sobre a transposição. "É evidente o nosso entendimento de que a
bacia hidrográfica do São Francisco é patrimônio de todos os
brasileiros. Portanto, nosso posicionamento não pode ser
interpretado como uma simples defesa de interesses locais", afirmou.
Ele acrescentou que o governo federal precisa oferecer uma
demonstração clara de que a transposição é um projeto técnica e
financeiramente viável, e que é a melhor solução para minimizar os
problemas causados pelas secas na área receptora das águas. "Temos
que confessar: não temos hoje essa demonstração", disse.
Transposição gastaria toda a energia gerada por
Sobradinho
Opinião semelhante foi demonstrada pelo presidente
da Assembléia Legislativa de Sergipe e presidente da Cipe São
Francisco, deputado Antônio Passos, que acredita que o debate sobre
a transposição precisa estar atrelado às informações técnicas. O
deputado defendeu que a indispensável revitalização começa com o
saneamento básico dos municípios banhados pelo São Francisco. Mesmo
admitindo que o custo disso seria altíssimo, Antônio Passos
considera que o esse aspecto tem que ser uma das prioridades em
relação à bacia.
Em relação à transposição, o presidente da Cipe
ressaltou a necessidade de se considerar três pontos: a
evapo-transpiração intensa que existe no nordeste semi-árido,
atingindo patamares médios de 2 mil milímetros anuais; o consumo de
energia necessário para implantar o projeto, equivalente àquela
gerada em Sobradinho; e a garantia da vazão do rio, que assegure a
geração de energia elétrica e a irrigação em suas áreas potenciais.
Passos afirmou ainda que a transposição levaria 20 anos para ser
concluída e custaria bilhões de reais. "E de onde sairão tão
volumosos recursos?", questionou.
Um dos engenheiros da equipe do vice-governador,
Francisco Sarmento, disse que é preciso levar em conta os gastos com
ações paliativas de combate aos efeitos das secas. Antônio Passos
questionou ainda a eficácia da transposição do rio para a solução do
problema da população nordestina. "Os municípios sergipanos
ribeirinhos ao São Francisco, têm água às portas e o progresso e o
desenvolvimento para eles continua sendo um sonho", afirmou.
Alencar afirma que projeto de transposição quer
retirar apenas 3% da água do rio
O vice-presidente da República, José Alencar,
informou que a vazão regularizada do rio São Francisco é de 2.060
metros cúbicos por segundo no vertedouro da barragem de Sobradinho,
e que em sua foz é ainda maior, de 2.800 metros cúbicos por segundo,
segundo lhe informou o presidente da Agência Nacional das Águas. No
entanto, a vazão oscila de 10 mil m³ nas chuvas para 600 metros na
estiagem. O projeto de transposição pretende retirar apenas 3% da
vazão regularizada, ou seja, 63 m³ por segundo. Quanto aos recursos
para a obra, US$ 6,5 bilhões, José Alencar fez uma comparação com a
dívida.
"Estamos desacostumados a discutir obras.
Ultimamente só estamos acostumados a pagar juros. Pagamos R$ 102
bilhões só este ano. Só precisamos de uma migalha disso para fazer a
revitalização", raciocinou. Alencar também assinalou o contraste
entre as informações técnicas produzidas pela equipe de engenheiros
que o assessora com as apresentadas pelos deputados Wanderley Ávila
e Antônio Passos. "Parece que não sabemos o que estamos fazendo.
Parece que somos irresponsáveis. Eu sou mineiro, sou barranqueiro,
tenho propriedade nas margens do São Francisco, conheço grande parte
de suas margens, e posso assegurar que o rio sempre esteve
abandonado. Nunca houve uma obra de revitalização", contrapôs. O
consultor da Cipe São Francisco, Teodomiro Araújo, questionou os
dados sobre a vazão regularizada de Sobradinho apresentados pelo
vice-governador. Segundo ele, em 60% do tempo o rio não atinge a
média de 2.060 m³ por segundo.
Alencar exibiu um vídeo sobre o projeto de
revitalização e transposição, recorrendo a exemplos bem-sucedidos em
vários países. Dentre os recursos destinados à revitalização,
enumerou cinco barragens a serem construídas em afluentes mineiros
do São Francisco; as de Congonhas, Jequitaí I e II, Urucuia e
Paracatu. Elas custariam em conjunto US$ 280 milhões.
"Miséria não se resolve só com recursos naturais",
diz Carvalho
O secretário de Meio Ambiente, José Carlos
Carvalho, ressaltou que não seria prudente falar em transposição das
águas antes de fazer os investimentos indispensáveis para
revitalizar o rio. E alertou para os riscos de contar com a vazão
regularizada atual para o projeto de transposição. "A vazão
regularizada propiciada pelas barragens escamoteia os problemas que
verificamos hoje nas cabeceiras, onde as queixas de que as nascentes
estão secando são cada vez mais freqüentes. É preciso dar um
tratamento desapaixonado e despolitizado para o problema daqueles
que vivem sem água dentro da própria calha do rio. A simples oferta
de recursos naturais não resolve a miséria", discursou Carvalho.
Respondendo às objeções do secretário, o
vice-presidente afirmou que, se o Comitê da Bacia Hidrográfica do
São Francisco for contra a transposição, nada será feito. "Asseguro
aos senhores que, se o comitê desaprovar o projeto, este será o
primeiro tópico do meu relatório ao presidente. E o último será que
fica sem efeito tudo o que foi discutido", disse Alencar. O
secretário Carvalho retrucou que não preside o comitê para ser
contra o plano de transposição, mas para obedecer o previsto na Lei
9.433.
As contribuições da Faemg e da Fiemg ao debate,
apresentadas por seus representantes, Roberto Simões e Vítor
Feitosa, mostram posições de cautela e pedem estudos
multidisciplinares mais abrangentes, antes da decisão. Feitosa
acrescentou que a compensação de ICMS gerada pelas usinas
hidrelétricas no Estado de Minas chega a R$ 360 milhões. Simões
anunciou que a Federação da Agricultura e da Pecuária vai em breve
assinar uma nova etapa do projeto de irrigação da Jaíba.
Jarbas Soares Júnior, do Ministério Público,
reafirmou o compromisso do MP para com o meio ambiente e para que a
legislação ambiental nesse projeto seja cumprida. Ressaltou que, do
que tem ouvido, apenas Pernambuco apresenta posições favoráveis à
transposição. O vice José Alencar convocou então, à tribuna, três
engenheiros da equipe que o assessora: Antônio Carlos Vidon,
Francisco Sarmento e o brigadeiro Monteiro, para que dessem sua
opinião técnica sobre os problemas ambientais e sugestões para
superá-los. Alencar mencionou ainda que o seu prazo para entregar o
relatório ao presidente Lula foi adiado para o dia 16 de novembro, e
falou ainda da possibilidade já considerada - e descartada por ser
muito onerosa - de transposição das águas do rio Tocantins para
irrigar o semi-árido setentrional.
Expositor rejeita medidas compensatórias
O coordenador do Projeto Manuelzão da UFMG, Apolo
Heringer, comentou a que as entidades ambientais, diferentemente do
governo federal, consideram que a revitalização refere-se à
recuperação do ecossistema e não à adoção de medidas compensatórias.
Segundo ele, é preciso ver a água como bem natural e não,
simplesmente, como recursos hídrico, de forma utilitarista. "As
obras de transposição, se ocorrerem, serão boas para as empresas de
engenharia, não para a população, o meio ambiente e a
biodiversidade. Não vejo argumento que justifique esse projeto",
atacou. Heringer defendeu ainda que Minas Gerais tome a dianteira
das ações de revitalização do São Francisco, já que é no Estado que
estão cerca de 40% do território da bacia e a origem de mais de 70%
das águas do rio, além de concentrar a maior população.
O membro do Colegiado Coordenador do Fórum Mineiro
de Comitês de Bacias Hidrográficas, Mauro da Costa Val, manifestou
sua preocupação com o projeto de transposição que, segundo ele,
poderá ser um indutor da desarticulação institucional dos comitês de
bacias - são 18 em Minas Gerais; cinco no Rio São Francisco. Mauro
da Costa Val enfatizou o trabalho dos comitês que mobilizam
amplamente a sociedade civil, e que estão analisando a implantação
de um instrumento econômico de gestão dos recursos hídricos: a
cobrança pelo uso da água. "Esse instrumento, no entanto, só será
implantado quando for definido o destino do dinheiro arrecadado. É
uma nova visão de gestão da coisa pública que poderá servir de lição
para todo o Brasil", afirmou.
Esgoto tratado - O diretor
de Meio Ambiente da Copasa, Carlos Gonçalves de Oliveira Sobrinho,
informou que a companhia já está trabalhando em obras de
revitalização do São Francisco. Segundo ele, no primeiro semestre de
2004, Belo Horizonte será a primeira grande capital brasileira a ter
a capacidade de tratar 100% de seus esgotos.
Inúmeros participantes se revezaram ao microfone de
apartes, e a cada informação contrastante com aquelas em seu poder,
o vice-presidente acionava seus assessores para esclarecer.
Ambientalistas de Sergipe explicaram os danos causados à foz do São
Francisco pela operação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(Chesf), especialmente na Usina de Xingó, a última do sistema. Os
técnicos operam os reservatórios de acordo com a lógica empresarial,
retendo água nos períodos de menor demanda e turbinando quando a
demanda aumenta. Isso provocaria desabamento das margens e
destruição dos "cabeços".
Copo d'água - O deputado
João da Graças, sergipano, assegurou que a Chesf jamais liberou mais
que mil m³ por segundo. Para ele, a construção do "eixo norte" da
adutora seria injusta com vários Estados, e não se convence de que
não trará prejuízo. No entanto, disse ele, "o nordestino não nega um
copo d'água a ninguém. O último a usar o microfone foi o prefeito de
São Roque de Minas, Cairo Manoel Oliveira, para denunciar um sistema
cartorial instalado no Ibama local, em detrimento da preservação das
nascentes do São Francisco, do rio Grande e do Araguari.
Presenças - Os debates
foram coordenados pelo deputado Gil Pereira (PP), presidente da
Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial e membro da Cipe
São Francisco. Participaram dezenas de deputados estaduais de três
Estados. De Pernambuco, veio o deputado Raimundo Pimentel (PSDB-PE).
De Sergipe, os deputados Antônio Passos (PFL), presidente da Cipe
São Francisco e da Assembléia Legislativa; Augusto Bezerra (PMDB),
João da Graças (PMN) e Ulices Andrade (PSDB), além do ministro dos
Transportes, Anderson Adauto.
|