Cipe Rio Doce se reúne em Aimorés e Baixo Guandu

A construção da Usina Hidrelétrica de Aimorés, com barramento do Rio Doce na fronteira de Minas com o Espírito Santo,...

12/10/2003 - 23:00
 

Cipe Rio Doce se reúne em Aimorés e Baixo Guandu

A construção da Usina Hidrelétrica de Aimorés, com barramento do Rio Doce na fronteira de Minas com o Espírito Santo, marchava para impasses sociais e ambientais, mas uma ação política de grande visibilidade está fazendo o consórcio formado pela Cemig e pela Cia. Vale do Rio Doce rever posições intransigentes e buscar um diálogo mais profundo com a comunidade atingida. Tal ação foi o encontro de nove deputados mineiros e capixabas da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Cipe-Rio Doce), realizado na última sexta-feira (10/10/2003) em Baixo Guandu (ES), Aimorés e Itueta (MG).

A programação de eventos, que incluiu reuniões nas três cidades e visitas de campo, teve a participação de sete deputados estaduais e dois federais mineiros. A presença do próprio presidente da Assembléia capixaba, Cláudio Vereza (PT), aumentou o peso político da mobilização. O deputado Vereza nasceu em Aimorés e visitava a cidade pela primeira vez desde que se mudou para o Espírito Santo. Apesar de sua dificuldade de locomoção, Cláudio Vereza - que é paraplégico - fez questão de participar de toda a programação de visitas, em companhia de seus familiares.

A usina de Aimorés, cuja operação está prevista para outubro de 2004, vai incorporar 330 megawatts ao potencial instalado da Cemig, que é de 7,5 gigawatts. A CVRD arca com 51% do investimento total de US$ 230 milhões e a Cemig com os restantes 49%. A energia gerada vai entrar no sistema nacional interligado, mas a Vale argumenta que entrou no negócio porque consome nada menos que 4,5% de toda a energia elétrica produzida no Brasil.

O lago de 31 km2 vai fazer submergir toda a cidade de Itueta e parte de Resplendor, obrigando o consórcio a construir uma nova cidade para 1.200 habitantes. Os problemas sociais e emocionais causados pelo deslocamento dessa população, o afogamento de suas tradições, suas referências e sua memória, foram a principal preocupação dos deputados na reunião em Itueta.

Baixo Guandu ficou com o ônus, sem o bônus

Em Baixo Guandu, a tônica foram as despesas causadas pela obra, sem que nenhum benefício fosse previsto para compensar essa cidade capixaba. As lideranças guanduenses se queixam de que a represa só vai inundar terras em Minas, e que, portanto, os royalties ficarão neste Estado. A casa de força fica em Aimorés, quase na linha da divisa, deixando Baixo Guandu sem os benefícios do repasse do ICMS da energia gerada. "Tivemos um aumento vertiginoso nas despesas com creches, escolas e manutenção da parte viária. As ocorrências policiais aumentaram assustadoramente com a movimentação de 2.500 operários, e não recebemos nenhum tipo de compensação", reclamou o prefeito Chico Barros.

As questões ambientais também foram levantadas em Baixo Guandu. Os ecologistas denunciaram que o canal desviado do rio ficaria com poças de água parada, gerando risco para a saúde pública. Gilse Barbieri, do consórcio Rio Guandu, queixou-se de que o dinheiro previsto para projetos de conservação ambiental tenha sido destinado ao Parque do Caparaó e ao sistema de grutas Sete Salões, em Minas, sem beneficiar a criação de reservas e a conservação de matas ciliares em Baixo Guandu. Tais recursos, que correspondem a 1,5% do investimento total da obra, seriam de quase R$ 12 milhões.

Na verdade, Baixo Guandu já recebe benefícios tributários por sediar a usina de Mascarenhas em seu território. O deputado José Henrique (PMDB), fez um contraponto às exigências dos capixabas. "É preciso avaliar bem as consequências ambientais desses empreendimentos. Há cinco anos, quando estivemos aqui para a instalação da Cipe Rio Doce, não sabíamos que, depois da construção de Mascarenhas, os pescadores de Conselheiro Pena nunca mais encontrariam lagostas no rio".

O deputado Paulo Foleto, presidente da Cipe Rio Doce, reconheceu que os mineiros estão mais adiantados que os capixabas na formação dos comitês de bacia hidrográfica: "Minas é o berço das águas, mas os mineiros não negligenciam seus deveres para com a bacia do rio Doce. Fizeram seu dever de casa com mais competência do que nós, capixabas, que estamos devendo a formação de cinco comitês de sub-bacia".

Vacas ossudas num deserto sem beduínos

No Instituto Terra, o gerente educacional Máximo Santos demonstrou como o desmatamento indiscriminado das margens do rio Doce para a formação de pastagens tinha degradado o meio ambiente, criando um microclima desértico na região. "O rio Doce foi assoreado, a vazão diminuiu, as chuvas diminuíram, e a profundidade média caiu de 4 metros para 80 centímetros. Vivemos hoje quase num deserto sem camelos e sem beduínos. Antigamente, as vacas eram gordas e davam muito leite. Agora só vemos vacas top-model, com os ossos aparecendo", enfatizou.

O Instituto Terra, ONG criada pelo fotógrafo Sebastião Salgado e instalada numa fazenda de 670 hectares, reflorestou 25% de sua área com 165 espécies da Mata Atlântica e espera demonstrar aos produtores da região que o desenvolvimento sustentável depende da proteção de nascentes e desenvolvimento da cobertura florestal. Estudiosos do mundo inteiro, atraídos pelo renome de Salgado, que hoje vive em Paris, visitam o Instituto para ver o trabalho de recuperação de espécimes da Mata Atlântica, que recobria um terço do território brasileiro e hoje está quase completamente devastada.

Nessa reunião, o presidente da Assembléia capixaba defendeu a aprovação do projeto de lei 247/2001, do Senado, que regulamenta a compensação financeira pela exploração de recursos hídricos para geração de energia elétrica, aos estados que sofram as consequências ambientais de sua implantação. O projeto foi apresentado pelo atual governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, quando senador.

A aprovação do PL 247 está na pauta de uma frente parlamentar em defesa do Rio Doce, articulada pelo deputado federal Ivo José (PT), ex-presidente da Cipe Rio Doce. Ivo José pretende conquistar a adesão dos 53 deputados federais mineiros, dos 12 capixabas e dos seis senadores desses estados. "Nosso papel será o de lutar por recursos no Orçamento e nos planos plurianuais de ação, acompanhar as gestões da Agência Nacional das Águas e do Ministério do Meio Ambiente", diz Ivo José, que se fez acompanhar na visita pelo deputado federal Leonardo Monteiro, também do PT.

Licença de operação depende de agenda ambiental

Os deputados estiveram visitando as obras da usina, onde três gigantescas turbinas capazes de gerar 110 megawatts cada uma estavam sendo instaladas. O representante do consórcio, Ricardo Márcio, admitiu que houve atrasos no cronograma de implantação e que o consórcio estava disposto a negociar novamente com as famílias e comerciantes insatisfeitos com a proposta de realocação de seus imóveis.

Quanto às exigências ambientais, o consórcio assumiu o compromisso de cumprir tudo o que foi acertado em visitas prévias da Feam e do Ibama, realizadas em agosto. O próprio superintendente do Ibama em Minas, Roberto Messias Franco, esteve inspecionando as obras em companhia do deputado Padre João (PT), e alertou o consórcio de que a licença de operação não seria concedida enquanto houvesse pendências ambientais.

Numa bonita esplanada entre colinas, a três quilômetros de Itueta, está em plena construção a cidade de Nova Itueta, para onde serão transferidos os 1.200 habitantes. Um conjunto de dezenas de pequenas casas com a mesma planta está quase concluído. O consórcio informou à deputada Cecília Ferramenta que essas casas se destinam a quem não possuía imóvel, morando de aluguel ou nas casas da ferrovia Vitória-a-Minas. Os proprietários terão casas construídas conforme sua conveniência, e os comerciantes receberão quantias em dinheiro para edificar seus próprios estabelecimentos. A deputada, preocupada com os impactos sociais da transferência, disse que "a vida tem que estar acima de todas as questões".

Márcio Passos, coordenador estadual da Cipe em Minas, quer fazer outra audiência em Governador Valadares dentro de 15 dias. Para ele, as queixas procedem e seria justo dar uma compensação a Baixo Guandu. "No entanto, vou defender que uma parte desse dinheiro vá para o Parque da Ibituruna, em Valadares".

Itueta, história e referências afogadas no lago

O último compromisso da Cipe Rio Doce foi na cidade que será inundada, situada numa várzea cortada pelo rio Doce e pela ferrovia. Algumas casas já foram demolidas, outras estão rachadas por efeito das explosões da obra. Os moradores se dividem quanto à necessidade de se mudarem. Hilda Janudt, que trabalha na Prefeitura, quer sair para ter casa nova, porque a sua está em péssimo estado. A cabeleireira Terezinha Santos, de 38 anos, espera que sua atividade melhore no novo local, embora a sala da casa que receberá seja menor do que a que usa como salão. Penha Maura Mininier, doméstica de 49 anos, acha que será a última a abandonar Itueta. "Eu não sou de brigar com ninguém, mas não quero morar perto do povo de Quatituba. Eles não gostam de nós".

O espírito feminino de cidadania mostrou-se majoritário na reunião em Itueta. As mulheres eram 85% da platéia a reunião da Cipe. A presidente da associação dos moradores, Ruth Tavares, admitiu que as indenizações materiais não são insatisfatórias, mas seus olhos se encheram de lágrimas quando disse que "o lado moral, emocional, isso nada poderá suprir. Estamos perdendo nossa história, nossas referências. Por mais que se fotografe e se escreva, quem se foi daqui, jamais há de querer voltar".

De fato, vários ex-habitantes de Itueta podem ser vistos na cidade, nos finais de semana, registrando as velhas casas, a igreja, os quintais sombreados por imensas mangueiras, que dentro de um ano estarão debaixo d'água. Homero Moreira, de 91 anos, estava ali com sua esposa, o filho e a nora, de máquina fotográfica em punho. "Eu comprava e comerciava galinhas aqui, antes de me tornar agente da Vale do Rio Doce. Moro em Belo Horizonte desde 1975, mas foi aqui que criei meus filhos. Voltei para ver a cidade antes que tudo fique debaixo d'água".

Presenças: Dep. Cláudio Vereza (PT), presidente da AL-ES; dep. Paulo Foleto (PSB-ES), presidente da Cipe Rio Doce; dep. Gilson Amaro (PRTB-ES), dep. Anselmo Tose (PPS-ES), dep. Cecília Ferramenta (PT-MG), dep. José Henrique (PMDB-MG), dep. Márcio Passos (PL-MG), dep. federal Ivo José (PT-MG), dep. federal Leonardo Monteiro (PT-MG), prefeito de Baixo Guandu, Chico Barros; prefeito de Aimorés, Jurandir da Rocha; Ricardo Márcio, representante do Consórcio Cemig-CVRD.

 

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