Direitos Humanos ouve testemunhas sobre o Massacre de
Ipatinga
"Calaram nossas vozes, mas não conseguiram apagar
nossa memória". Com essas palavras, a deputada Cecília Ferramenta
(PT) abriu a série de depoimentos na reunião da Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia, realizada em Ipatinga nesta terça-feira
(7/10/2003), para debater a situação atual das famílias vítimas do
episódio que ficou conhecido como o "Massacre de Ipatinga", ocorrido
em 7 de outubro de 1963, diante dos portões da Usiminas.
A reunião foi realizada no auditório da Câmara
Municipal da cidade, a requerimento da deputada e dos deputados
Durval Ângelo - presidente da Comissão - e Roberto Carvalho, ambos
do PT. Participaram ainda os deputados Chico Simões (PT), Roberto
Ramos (PL), o deputado federal Ivo José (PT) e 10 vereadores, de
Ipatinga, Coronel Fabriciano e Timóteo.
Os deputados chegaram ao aeroporto de Ipatinga às
13 horas e foram diretamente ao local onde havia, na época, uma
portaria da Usiminas e onde 19 policiais abriram fogo contra a
multidão de manifestantes. Lá eles depositaram flores diante de um
monumento de metal que assinala o episódio, onde estão inscritos os
nomes de 25 vítimas. Existe contradição sobre o número de mortos no
episódio. Pelos depoimentos, entre 30 e 50 pessoas perderam a vida,
inclusive um bebê baleado no colo da mãe. Os números oficiais
reconhecem apenas 8 vítimas, incluindo o bebê.
Deputado lamentam perdas
Os deputados fizeram breves discursos no local.
Chico Simões (PT) lamentou a ausência de representantes da Usiminas,
"que pudessem junto conosco, de maneira fraterna, rever as
injustiças cometidas há 40 anos. Constatamos com tristeza que essas
mortes não mudaram o comportamento deles". Roberto Ramos (PL),
vice-presidente da Comissão, lamentou as perdas humanas: "Quando
morre um ser humano com tanta brutalidade, morre uma parte de nós.
Vamos procurar um acordo com a Usiminas para minimizar as perdas
dessas famílias".
Roberto Carvalho (PT) atacou a "truculência da
Polícia Militar e da Usiminas". Para ele, a Usiminas não pagou as
indenizações que havia prometido aos feridos, nem as pensões às
viúvas. E acrescentou que a empresa "tentou apagar os fatos, mas
nada apaga a História. Os trabalhadores estavam lutando por seus
direitos. O Governo também tem que assumir sua responsabilidade no
episódio".
Durval Ângelo revelou que o secretário de Direitos
Humanos da Presidência da República, Nilmário Miranda, acredita que
uma pressão popular adequada pode criar uma brecha na legislação
federal para contemplar os trabalhadores. Pela lei estadual de
indenização, segundo o parlamentar, não é possível reabrir a
questão.
Cecília Ferramenta, no entanto, informou que nesta
manhã de terça-feira, antes de voar para Ipatinga, havia entrado,
juntamente com o líder da oposição, Rogério Correia (PT), com uma
proposta de emenda à Lei 13.187/99, incluindo as vítimas de
violência policial nas indenizações previstas.
Acontecimentos são relembrados
Durante a reunião na Câmara de Ipatinga, vários
depoimentos deram riqueza de detalhes aos acontecimentos que
resultaram no "Massacre de Ipatinga". Geraldo Ribeiro, ex-deputado
estadual e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos à época, foi o
que apresentou um relato mais preciso. Ele calcula 30 mortes. Padre
Abdala, de Timóteo, presenciou seus colegas administrando
extrema-unção em muitas pessoas, e falou sobre o clima de esperança
que despertava as crises.
O deputado federal Ivo José (PT) recordou que tinha
10 anos de idade em no dia do episódio, as aulas foram suspensas em
Ipatinga porque havia "uma greve". Ele foi para a frente do hospital
e viu o sangue escorrendo dos caminhões. "O medo prevaleceu. Todos
foram para casa ou procurar seus parentes. Foi um momento triste da
história, que não podemos apagar".
Segundo os depoimentos na reunião, o estopim do
massacre foi a doação de dois litros de leite, pelos sindicalistas,
a um operário cuja família passava necessidades, e que foram
quebrados por seguranças da usina nos trilhos da ferrovia. Várias
manifestações de indignação agitaram os operários, que
promoveram escaramuças com os vigilantes nos dois dias
anteriores à tragédia. A Cavalaria da PM teria atropelado, prendido
e maltratado vários manifestantes.
Ao vê-los machucados durante a madrugada, os
companheiros se revoltaram ainda mais. Cerca de 10 mil operários
foram se manifestar diante dos portões, e acuaram os vigilantes num
depósito. Um destacamento de 19 policiais do 6º Batalhão de
Governador Valadares chegou com fuzis e metralhadora num caminhão. O
capitão que os comandava acabou por decidir retirar seus homens.
Manifestações fora de controle
As provocações, no entanto, já estavam fora de
controle. Os manifestantes apedrejaram os policiais, que abriram
fogo a esmo, atingindo tanto os operários quanto gente que passava
pelo local e nada tinha a ver com o conflito. Uma criança pequena
foi morta no colo da mãe. Um fotógrafo foi baleado na perna e morreu
de hemorragia. José Elias dos Santos, que trabalhava numa empresa de
montagens, foi dispensado do trabalho por causa dos distúrbios e
estava saindo quando levou uma bala explosiva de metralhadora no
fêmur. Inutilizado para o trabalho, até hoje tem os estilhaços na
perna.
As testemunhas não concordam quanto ao número de
vítimas. O número oficial é de sete, mais o bebê. Outros calculam em
30, e outros em 50. Geraldo Ribeiro informa que 59 operários não
voltaram ao trabalho. Segundo ele, muitos teriam morrido nos matos e
nos morros próximos, para onde fugiram após baleados. Dezenas de
caixões teriam sido encomendados pela Usiminas no dia seguinte.
Testemunhas afirmam que os policiais executaram manifestantes
feridos usando revólver calibre 38, com tiros da cabeça. Os
deputados da Comissão de Direitos Humanos estão dispostos a levantar
toda a história, 40 anos depois.
Presenças - Participaram
da reunião os deputados Durval Ângelo (PT), presidente; Roberto
Ramos (PL), vice; Roberto Carvalho (PT); Chico Simões (PT) e Cecília
Ferramenta (PT), além do deputado federal Ivo José. Compareceram
ainda 10 vereadores, sendo 7 de Ipatinga e 3 de Coronel Fabriciano e
Timóteo e representando a Câmara de Ipatinga, a vereadora Lene
Teixeira (PT).
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