Dirigentes da Santa Casa de BH dizem que situação é
equilibrada
Apesar de acumular uma dívida de cerca de R$ 200
milhões - dos quais R$ 37 milhões em passivo trabalhista - a Santa
Casa de Belo Horizonte tem uma situação operacional equilibrada e
poderia gerar superávit de R$ 15 milhões no próximo ano. As dívidas
com a multinacional Siemens estão 70% pagas, e não há risco imediato
de que essa empresa venha apreender os equipamentos vendidos ao
hospital. A instituição está passando por um processo de
modernização administrativa conduzido pelo Instituto de
Desenvolvimento Gerencial, o mesmo que teria transformado a Santa
Casa de Porto Alegre em modelo de eficiência.
Estas foram as principais informações prestadas,
nesta quarta-feira (1/10/2003), pelos dirigentes da Santa Casa aos
deputados da Comissão Especial que investiga a situação financeira e
institucional dessa tradicional entidade filantrópica. O provedor,
Saulo Levindo Coelho, enviou correspondência - lida pelo
diretor-geral, Porfírio Rocha Andrade - em que atribui os "revezes"
às baixas tabelas de remuneração do SUS após o Plano Real, o que
gerou "déficits sucessivos", tornando a instituição vulnerável no
período recente.
O ofício de Coelho informa que a Santa Casa, mesmo
sem aumento de receita, teve que conceder aumentos salariais,
enfrentar majorações de preços de medicamentos e o custo crescente
da tecnologia, acabando por recorrer ao mercado financeiro para
honrar seus compromissos, o que agravou a situação. A tecnologia
comprada em euro hoje é amortizada à razão de quatro por um.
Instituição busca a sustentabilidade
Para Porfírio Andrade, a Santa Casa busca um novo
modelo que proporcione a sustentabilidade, mesmo que a sociedade
tenha que contribuir. "Vivemos espasmodicamente do dinheiro da
sociedade, mas não gostamos de receber doações, porque estas
escondem nossas falhas e dão a impressão de que administramos bem",
disse o diretor. O modelo por eles alinhavado pressupõe um
equilíbrio entre os atendimentos remunerados pelos convênios e os
leitos de beneficência que a Santa Casa tem que oferecer. "Temos que
ter resultados para fazer filantropia", resumiu.
Andrade falou também que é preciso "relativizar" a
dívida de R$ 200 milhões. "Temos ações na Justiça que podem nos
aportar R$ 150 milhões, a mais importante delas de conversão do
valor da URV, que pode gerar R$ 35 milhões", informou. Provocado
pelos deputados para confirmar se há atraso nos repasses da
Prefeitura e do Governo Estadual, o diretor-geral também
"relativizou": "O gestor municipal nos acompanha de perto, e
inclusive nos adianta recursos. Já o Estado tem alguns atrasos,
embora nos tenha salvo em várias ocasiões, mas nós também estamos
atrasados com os pagamentos ao Hemominas".
Patrimônio e orgulho -
Alguns deputados fizeram grandes elogios à instituição. Roberto
Ramos (PL) declarou estar disposto a fazer o que estiver ao seu
alcance para que a Santa Casa volte a ser a instituição de prestígio
do passado. Neider Moreira (PPS), disse que é "um patrimônio do povo
mineiro e motivo de orgulho, ao oferecer serviços de alta
complexidade". Para Moreira, "uma crise na Santa Casa deixa em crise
a saúde em Minas. O que afeta a Santa Casa afeta o Estado inteiro".
O deputado do PPS não acredita em má gestão dos
hospitais, principalmente dos filantrópicos. "Com tantos problemas a
enfrentar, é um milagre que ainda estejam em funcionamento", afirmou
Neider Moreira, que deu um exemplo com a questão da hemodiálise: "A
Santa Casa atende 350 pacientes de hemodiálise pelo SUS. Cada um
custa R$ 1.500 por mês, ou seja, R$ 525 mil por mês. O repasse de
julho ainda não foi pago. Já estamos em outubro, e a Santa Casa tem
R$ 1,575 milhão para receber só de hemodiálise", calculou.
Santa Casa diminui déficit e anuncia expansão em
seu Plano de Saúde
O superintendente da Fundação da Santa Casa, Homero
Carvalho Godoy, ofereceu dados animadores sobre a gestão do Plano de
Saúde. "Temos 111 mil usuários, e podemos alcançar 200 mil em breve.
Nosso passivo está em R$ 9 milhões e vem sendo eliminado
rapidamente. Dentro de um ano poderá estar zerado. Os salários do
Plano já estão em dia. Dobramos o faturamento do serviço funerário,
e nossa fundação absorveu o Asilo Afonso Pena. Os salários dos 25
funcionários estão em dia. Aos poucos vamos acertando nossos débitos
com o corpo clínico. Agora, que recebemos a administração do
Hospital São Lucas, estamos planejando nos tornar o plano de saúde
do funcionário público mineiro", informou.
A pedido da deputada Jô Moraes (PCdoB), presidente
da Comissão, o diretor Porfírio Andrade detalhou a dívida
trabalhista de R$ 36,7 milhões. Cerca de R$ 10 milhões são débitos
com o INSS, cerca de R$ 15 milhões com o FGTS, R$ 371 mil são restos
da folha de pagamento, R$ 1,1 milhão 13º atrasado, mais
contribuições sindicais e reclamações trabalhistas. Para ele, a
prioridade absoluta é colocar em dia os pagamentos e manter o corpo
clínico e os funcionários satisfeitos. "Eles são o nosso maior
patrimônio. Se os perdermos, aí não conseguiremos gerar receita para
pagar dívida alguma".
No entanto, admitiu uma sangria mensal de R$ 900
mil "na boca do caixa", por força do empréstimo da Caixa Econômica
Federal, as negociações com a empresa Siemens para conseguir deságio
no pagamento do restante de uma dívida de equipamentos de alta
tecnologia, no valor de R$ 3 milhões, e parcerias com fornecedores
para diminuir o custo dos produtos e medicamentos. E explicou: "como
pagamos com atraso, os fornecedores embutem o chamado 'custo Santa
Casa', que nos leva a pagar mais caro por um item que o Hospital São
Lucas compra à vista muito mais barato, e em quantidades muito
menores que nós".
Exemplo da Santa Casa gaúcha foi sucesso de
consultoria mineira
O deputado Roberto Carvalho (PT), relator da
Comissão Especial da Santa Casa de Belo Horizonte, informou sobre a
visita que fez à Santa Casa de Porto Alegre, inteiramente remodelada
depois que o bispo Dom Vicente Scherer assumiu o seu controle,
tornando-a um exemplo para as congêneres. Homero Godoy informou que
a empresa de consultoria gerencial contratada pelos gaúchos é
mineira, a IDG, que há 18 meses estava aplicando seus métodos na
Santa Casa de Belo Horizonte.
Depois que deputados e dirigentes afirmaram que
"saúde é um negócio como outro qualquer, e tem que ser administrado
como negócio", a deputada Jô Moraes interveio, para afirmar que não
desejava criar polêmica, mas "sou dos que consideram que a saúde
privada pode ser tratada como negócio, mas que a saúde pública é um
investimento social garantido pela Constituição e não pode ser
negligenciada pelo Estado".
Quanto ao dado exposto na reunião de que 18% dos
gastos do SUS são com procedimentos de alta complexidade, em
detrimento do atendimento básico à saúde, Jô Moraes afirmou que essa
distorção certamente será discutida na Conferência Nacional de
Saúde: "Será que é esse modelo de atendimento à saúde que
queremos?", indagou.
Presenças - Participaram da
reunião a deputada Jô Moraes (PCdoB), presidente; e os deputados
Roberto Carvalho (PT), relator; Neider Moreira (PPS), Roberto Ramos
(PL). Além das autoridades citadas, compareceram: Orlando Euler,
diretor do IDG; Ricardo Martins, diretor da Grunitzky Auditores
Independentes; e Diógenes Coelho Vieira, diretor Técnico e de Saúde
da Santa Casa.
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