Faltam instrumentos legais para proteger vítimas de
violência
A Assembléia Legislativa deve entrar no combate à
violência colocando a TV Assembléia à disposição para exibir
vinhetas educativas sobre a assistência às vítimas de crimes
violentos. Esta foi uma das decisões anunciadas pelo deputado Durval
Ângelo, na reunião especial da Comissão de Direitos Humanos, nesta
quarta-feira (1º/10/2003), que discutiu a atuação do Núcleo de
Atendimento às Vítimas de Crimes Violentos (NAV-CV), órgão ligado à
Subsecretaria de Direitos Humanos, da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social e Esportes.
Ouvidos representantes de órgãos, do NAV, de
especialistas e vítimas, a conclusão do encontro é de que é preciso
fazer uma mudança na Constituição Federal, para que a vítima de
crimes tenha os mesmos direitos oferecidos legalmente para os
autores de crimes. O professor de Direito Penal e membro da
Sociedade Brasileira de Vitimologia, promotor Lélio Braga Calhau, e
a coordenadora do NAV, Vânia Valadão, destacaram a falta de
instrumentos legais para a proteção das vítimas, enquanto os réus
têm dezenas de artigos de proteção na Carta Magna. "É preciso fazer
uma alteração no Artigo 5º da Constituição Federal, para que os
direitos das vítimas tenha o mesmo espaço do que o dos réus",
assegurou Lélio Braga.
Núcleo representa o resgate à vítima
A reunião desta quarta-feira foi proposta pelo
deputado Mauro Lobo (PSB), com o objetivo de mostrar o trabalho
desenvolvido pelo NAV, para demonstrar "que a Comissão de Direitos
Humanos preocupa-se com a amplitude dos direitos de todos". E como
forma de atender ao anseio da sociedade, "que sempre cobra que a voz
da vítima seja ouvida", destacou Lobo.
Em sua exposição, o subsecretário de Direitos
Humanos, João Batista de Oliveira, falou da intenção de expandir o
trabalho do NAV para o interior, com a criação dos núcleos de
Governador Valadares e Uberlândia, já em andamento, e de Montes
Claros e Juiz de Fora, para o próximo ano. Ele disse que a demanda
do Núcleo vem crescendo e hoje já são feitos cerca de 20
atendimentos por mês. João Batista anunciou ainda a parceria entre a
subsecretaria e a Comissão de Direitos Humanos, com a nomeação de
dois funcionários que trabalharão permanentemente com os deputados.
A subscretaria já oferece um telefone gratuito de denúncia de
violências: 0800 311119.
A coordenadora do NAV, Vânia Valadão, explicou que
o programa foi implantado em Minas, em 2000, em parceria com o
governo federal, após a criação, pelo Ministério da Justiça, do
programa de Apoio Pisco-social às Vítimas. O programa funciona em 12
capitais. Em Minas, o atendimento prioritário é para os crimes
considerados mais violentos: estupro, latrocínio, homicídio e
atentado ao pudor; embora o NAV atenda às demais modalidades, como
crimes de trânsito.
Entre 2000 a setembro de 2003, o NAV manteve 372
pessoas cadastradas, fora as famílias, com 2.554 sessões de
atendimento. O homicídio é o campeão entre os crimes relatados, com
32,43% dos atendimentos, seguido do estupro, com 16,55%. Vânia
informou que entre janeiro de 2002 e janeiro de 2003, houve um
crescimento de 11% nas denúncias de estupro, o que não significa
aumento do crime, mas pelo menos, aumento das denúncias. No
atendimento por idade, há a clara demonstração de que a violência
acontece entre jovens e adolescentes: 50,51% dos casos ocorrem na
faixa etária entre 0 e 21 anos, e 50,23% das denúncias são de
vítimas do sexo feminino.
Mudança de comportamento
Para o promotor Lélio Braga, autor de um livro
sobre a vítima, o Núcleo é a forma mais moderna de se resgatar a
cidadania. Juizes e promotores vivem diariamente nos fóruns, segundo
ele, a frustração de não contar com instrumentos para punir os
infratores. Lélio Braga acha que o NAV é um novo momento na
criminologia e vitimologia.
O presidente da Associação Nacional de Assistência
Judiciária Rede SOS Racismo, José Antônio Carlos Pimenta, acredita
que os programas como o Núcleo, o Pró-Vida (de proteção às
testemunhas) devem ser prioridade dos governos. Na opinião dele, a
violência é fruto da desigualdade social, "plantada ao longo de 500
anos, pelas elites brasileiras". O SOS Racismo é uma Organização Não
Governamental que trabalha em parceria com o Núcleo.
O representante da Polícia Militar, tenente Cláudio
Duani Martins, discorreu sobre a nova postura da PM, em relação aos
direitos humanos. Segundo ele, o policial hoje é treinado para ser
um promotor desses direitos, pois é ele quem está na rua, que mantém
o primeiro contato com a vítima, "por isso, nosso trabalho tem sido
o de priorizar o atendimento à vítima, encaminhando-a para o Núcleo,
ou outro órgão, prestando a informação correta", destacou.
Violência assustadora
Exemplificando a violência, o deputado Durval
Ângelo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos, apresentou
uma vitima de violência, que foi encaminhada naquele momento ao
Núcleo. Trata-se da dona de casa Maria Emília Dias Pires, moradora
da Vila Ipê, em Contagem. Visivelmente transtornada pelo seu drama,
ela relatou, com a ajuda do advogado Dilton Procópio de Andrade, a
violência sofrida por ela e sua família. Maria Emília teve três
filhos e o companheiro assassinados por um fugitivo da Casa de
Detenção Dutra Ladeira, em fevereiro. O crime foi identificado,
precipitadamente, segundo Durval Ângelo, como relacionado ao tráfico
de drogas, quando não passou de um caso envolvendo um relacionamento
afetivo antigo entre o fugitivo e a filha de Maria Emília, uma das
vítimas.
Maria Emília também foi agredida com 11 tiros. O
advogado informou que está preparando uma ação de reparação por
danos materiais e morais contra o Estado, já que o assassino estava
sob a guarda do Estado, cuja fuga só foi comunicada à polícia civil,
dois meses e meio após ocorrer. Foram ouvidos ainda o depoimento de
dois jovens, sobre agressões que teriam sofrido de um policial
militar, não fardado. Os dois foram encaminhados à Corregedoria da
Polícia Militar e ao Ministério Público.
O deputado Durval Ângelo anunciou ainda o
atendimento gratuito oferecido a vítimas, pela Comissão de Direitos
Humanos, através de dois escritórios de advocacia, que ofereceram a
prestação de serviço e também através do Núcleo de Atendimento da
PUC.
Requerimentos
Foram aprovados os seguintes requerimentos: do
deputado Padre João (PT), solicitando a apuração de denúncias de
abuso policial de soldados do 31º Batalhão de Conselheiro Lafaiete;
cinco requerimentos do deputado Durval Ângelo: - pedindo informações
aos presidentes do Tribunal de Justiça e de Contas, sobre orientação
para ingresso funcional nos dois órgãos. O requerimento acatou
sugestão do advogado Mário Ottoboni, que recomendou ainda dois
livros sobre APACs aos tribunais; audiência sobre a ocupação de
famílias ao longo da Via Expressa, sobretudo as que vivem sob o
viaduto da avenida Silva Lobo, ameaçadas de remoção pela Prefeitura
de Belo Horizonte.
E ainda: - realização de um debate sobre os 40 anos
da Revolução de 1964, que serão completados em março de 2004; visita
da comissão com promotores públicos à área da Fazenda Tapera, em
Contagem, objeto de audiência pública realizada pela comissão, com
compradores de lotes no local, que até hoje não conseguiram licença
de construção; - audiência pública dia 9/10, para debater projeto da
Câmara Municipal de Belo Horizonte, transformado em lei municipal,
recentemente, que revogou direitos de deficientes físicos, ao
diminuir a exigência de adaptação de ônibus coletivos para
deficientes, de 80, para 5% da frota belo-horizontina.
Presenças: Participaram da
reunião os deputados Durval Ângelo (PT), presidente; Roberto Ramos
(PL), que dirigiu os trabalhos, inicialmente, e Mauro Lobo (PSB).
Além dos convidados, estavam no auditório técnicos da Sedese, da
área dos Direitos Humanos, e de outros órgãos.
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