Audiência confirma grilagem de terras devolutas do
Estado
Com o auxílio das autoridades agrárias, do
Ministério Público e de posseiros do Norte de Minas, os deputados da
Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial começaram a
desvendar uma história de injustiças fundiárias, de grilagem de
terras com a conivência criminosa de cartórios, de apropriação
indevida de terras devolutas do Estado e de violência contra
trabalhadores rurais que começou na década de 70 e continua até
hoje, resultando na transferência de vastas extensões de terras para
empresas reflorestadoras. A audiência pública aconteceu no Auditório
da Assembléia, na tarde desta terça-feira (30/9/2003).
Os parlamentares aprovaram a realização de uma
visita técnica ao município de São João do Paraíso para continuar o
processo de elucidação do caso e para conhecer o trabalho da
Cooperativa Agropecuária e Silvicultura, que lidera a resistência
dos trabalhadores na região e introduz as questões ambientais na
atividade florestal. A visita também terá caráter de reforço ao
movimento dos cooperados e dos trabalhadores rurais que denunciaram
sofrer ameaças constantes dos empresários. O deputado Rogério
Correia (PT) pediu ao presidente da comissão que solicitasse
proteção policial aos denunciantes contra possíveis represálias.
Outro requerimento aprovado na reunião, também do
deputado Rogério Correia, solicita ao presidente do Tribunal de
Justiça a correição do cartório de registro de imóveis de Rio Pardo
de Minas, suspeito de favorecer um esquema de apropriação de terras
públicas em que uma pessoa comprava legalmente alguns hectares e
depois, aproveitando-se das demarcações imprecisas, arrecadava
milhares de hectares.
Fechar cartório e prender culpados
"Parabenizo o governador Aécio Neves por ter
escolhido homens como o deputado Marcelo Gonçalves e Luiz Chaves
para investigar as obscuridades das concessões de arrendamento de
terras no passado", elogiou o deputado Doutor Viana (PFL).
"Intencionalmente ou não, esses documentos mal elaborados favorecem
improbidades de toda ordem. Se confirmadas, configuram crime. É
preciso fechar o cartório e prender os responsáveis por essas
aberrações cometidas contra o próprio Estado", continuou Viana.
Luiz Chaves, superintendente do Iter (Instituto de
Terras de Minas Gerais), não teve dúvida. Para ele, "é visível a
grilagem de terras" praticada através desse cartório. Chaves propôs
uma ação discriminatória regional nos municípios reflorestados e que
se pleiteie em juízo a nulidade de todos os atos de cadeia dominial
das terras. "Só a Florestaminas expulsou l,2 mil famílias de suas
terras", ilustrou.
O deputado Rogério Correia esclareceu os motivos
pelos quais requereu a reunião. Estão expirando os contratos de
arrendamento de terras feitos pela Ruralminas há mais de vinte anos,
a preço barato, sem lucratividade para o Estado. Mesmo terminando os
contratos, algumas empresas se recusam a devolver as terras,
obrigando o governo a reclamar na Justiça. A Florestaminas é uma das
empresas que vem recorrendo, perdendo e mesmo assim se recusando a
devolver. "O complicador é que o próprio Estado não sabe ao certo o
que arrendou. Há contratos estranhamente registrados num cartório
aqui de Caeté, e suspeita-se de empregados da própria Florestaminas
atuando como 'laranjas' e comprando terras postas à venda pela
empresa", disse Correia.
Florestaminas exige R$ 10 milhões para devolver
terras ao Estado
O secretário extraordinário para Reforma Agrária,
deputado Marcelo Gonçalves, forneceu dados sobre a disputa com a
Florestaminas: "Há 71 mil hectares de terras devolutas nas mãos
desse grupo. Desses contratos feitos há 23 anos pela Ruralminas, 85%
estão vencidos. Diga-se de passagem que esses contratos foram feitos
de maneira irresponsável, pois atribuíam à própria empresa a
delimitação dos perímetros", disse o secretário.
Gonçalves acrescentou que a Florestaminas, por
absurdo que possa parecer, agora exige do Estado uma indenização de
R$ 10 milhões para devolver terras que não lhe pertencem. Não
obstante, o secretário relatou que o relacionamento do governo com o
Grupo Gerdau é ótimo. "Eles vão nos devolver 10 mil hectares e vamos
renovar o arrendamento sobre outros 12 mil hectares",
informou.
Geo-referenciamento - Luiz
Chaves, do Iter, traçou um panorama desanimador da questão fundiária
na região. "O Estado não tinha o domínio do perímetro, os marcos
eram arbitrários e enfrentamos problemas de toda ordem com pessoas
que reivindicam direitos anteriores à lavratura dos contratos.
Depois que recuperarmos todas as terras, teremos que fazer o
geo-referenciamento por satélite, com medidas exatas que jamais
poderão ser burladas", explicou.
Cooperativa recolheu R$ 64 mil de ICMS
Vera Ferreira, presidente da Cooperativa
Agropecuária e Silvicultura de São João do Paraíso, relatou a luta
dos 150 cooperados para sobreviverem em áreas recuperadas às
empresas florestais, com preocupações ambientais. Das folhas secas
do eucalipto, tiram a energia para produzir 600 quilos diários de
óleo de eucalipto feito a partir das folhas verdes. Produzem também
carvão e postes, mas ultimamente as empresas têm proibido que entrem
nas florestas para colher as folhas. Num conflito recente, os
empresários mandaram destruir seus fornos com trator. "Somos fracos,
somos posseiros, não podemos enfrentá-los. Sequer podemos fazer
empréstimo no banco, mas mesmo assim somos cidadãos e contribuintes.
Recolhemos R$ 64 mil de ICMS no ano passado", orgulha-se Vera.
O deputado Padre João (PT), que presidia a reunião,
comentou que os pequenos produtores tratam a terra com o devido
respeito e lamentou que o presidente da Florestaminas, João de Lima
Geo, não tenha comparecido à reunião. No entanto, assegurou que
haverá gente do Ibama e da Ruralminas para prestar esclarecimentos
na reunião a ser realizada em São João do Paraíso.
O velho Osorino Alves Ribeiro, amparado por dois
filhos, contou aos deputados que suas terras, 1,2 mil hectares,
foram tomadas pela empresa Empreendimentos Florestais Paraibuna em
1977. Imediatamente recorreu à Justiça. Só em 1992 obteve a
reintegração de posse e, em 1996, conseguiu recuperar efetivamente
suas terras. Imediatamente a Paraibuna ingressou com ação de
indenização das benfeitorias, e Osorino teve que entregar novamente
seu patrimônio, além de ficar condenado a pagar uma indenização de
R$ 1,7 milhão.
Requerimentos - A comissão
aprovou ainda requerimento do deputado Carlos Pimenta (PDT), pedindo
audiência pública para debater a reintegração de posse de
propriedades invadidas em Minas; e da deputada Ana Maria (PSDB), que
deseja uma visita técnica da comissão ao Projeto Jaíba, no Norte do
Estado.
Presenças - Participaram
da reunião os deputados Gil Pereira (PP), presidente; Padre João
(PT), vice; Doutor Viana (PFL), Luiz Humberto Carneiro (PSDB) e
Rogério Correia (PT). Além das autoridades citadas, participou da
mesa a promotora de Direitos Humanos e Conflitos Agrários do
Ministério Público Maria Inês Rodrigues de Souza.
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