Comercialização é um dos gargalos da cafeicultura, dizem
especialistas
Para discutir a tecnologia da produção, a Comissão
Especial da Cafeicultura Mineira da Assembléia Legislativa reuniu,
nesta quinta-feira (25/09/2003), representantes dos setores
produtivos e científicos. O tema é o terceiro a ser levantado pelos
deputados, que se preparam para traçar um diagnóstico do setor em
Minas Gerais, além de propor soluções e reivindicar mudanças. Uma
das conclusões dos depoimentos desta quinta é que a cafeicultura
enfrenta basicamente quatro gargalos: dificuldades de recursos para
o produtor, falta de investimentos em pesquisa, falta de uma
política de comercialização e concorrência desleal da indústria,
frente às cooperativas.
Os problemas da tecnologia foram abordados pelo
gerente geral da Embrapa Café (Empresa Brasileira de Pesquisa),
Antônio de Pádua Nacif, e pelo presidente da Epamig (Empresa de
Pesquisa e Assistência de Minas Gerais), Baldonedo Arthur Napoleão.
Os dois mostraram preocupação com a falta de investimentos em
pesquisa e reposição de pesquisadores, "que estão aposentando e não
são substituídos", ressaltou Baldonedo Napoleão. Ele disse que a
empresa foi desmantelada ao longo de décadas, culminando com a crise
de hoje. Atualmente, a Epamig conta com somente 150 pesquisadores,
"enquanto São Paulo conta com 600 e se prepara para contratar mais
400", de acordo com Baldonedo. Ele pediu o apoio da comissão para a
realização de concurso público.
Pesquisa não ajuda produtor sem recursos
Pertencente aos quadros da Epamig, mas cedido à
Embrapa, onde lidera o Programa Nacional de Pesquisa em Café, um
consórcio que conta com 40 instituições brasileiras de 12 Estados,
Antônio Nacif apontou como principais problemas da cafeicultura
mineira: a desorganização do mercado interno, obrigado a consumir
café de má-qualidade devido ao domínio da indústria, que atua de
"forma não recomendável" em relação às misturas do produto oferecido
aos mineiros; falta de treinamento dos pesquisadores e
extencionistas; e as dificuldades de retorno dos investimentos no
setor para os produtores.
Segundo Antônio Nacif, Minas está na frente na
pesquisa do genoma do café, que já apresenta 80% de genomas
identificados. "Isto vai trazer um mundo de avanços para o segmento,
mas precisa reverter-se em orientação adequada, por exemplo, como
superar a comercialização monopolista que hoje domina o mercado",
disse. Ele destacou que, em seis anos, o Brasil investiu R$ 55
milhões na pesquisa de café, sendo que quase tudo em Minas. Para
ele, não há solução fora da organização da cadeia de
comercialização.
Contundente - O depoimento
mais contundente foi o do presidente da Cooperativa Central dos
Cafeicultores e Agropecuaristas de Minas Gerais (Cocamig), José
Edgar Pinto Paiva. Considerado uma referência na cafeicultura
mineira, estando à frente da cooperativa que congrega municípios da
região de Varginha há mais de 30 anos, José Edgar Paiva informou que
esta é a pior crise enfrentada pelo setor. "O que falta para a
cafeicultura mineira não é qualidade, é renda. Com 95% dos
produtores mineiros classificados como pequenos, com propriedades de
até 50 hectares, apenas 10% estão investindo nas lavouras. O resto
está abandonando o cultivo", enfatizou.
José Edgar Paiva lembrou que a produção mineira,
que representa 60% da nacional, é igual à da Colômbia, "por isso, o
movimento em defesa da recuperação do setor tem de partir daqui". E
completou: "não adianta investir só em pesquisa, tem de ter recurso
para investir no que a pesquisa recomenda". Ele falou ainda dos
problemas de custo do café, entre eles a participação crescente do
adubo, "cuja produção é praticamente controlada pelas
multinacionais".
Indústria avilta produto para consumidor
O representante da Universidade Federal de Lavras
(UFLA), professor Antônio Nazareno, falou do aumento da
produtividade do café, que passou de 8 a 10 sacas por hectare para
20 atualmente. Sobre qualidade, ele defendeu que Minas precisa
preservar a que já possui. Em relação à tecnologia, ele acha que o
Estado não tem tido a preocupação que têm outros Estados, sobretudo
São Paulo. "Enquanto Minas participa com 60% da produção nacional,
São Paulo contribui com somente 10%, no entanto, suas entidades de
pesquisa investem quase o triplo do que investem as mineiras".
Ele também condena a ação da indústria do café,
"que avilta o produto do mercado interno, usando tipos de café
inferiores no blend (composição de diversos tipos de grãos
que resulta no produto vendido no comércio), como o robusta, cujo
teor de cafeína é muito alto, afastando o consumidor jovem". Para
ele, o café consumido internamente deveria usar somente o tipo
arábico, que é o produzido em Minas, enquanto o robusta é importado
de Rondônia. A mesma opinião foi compartilhada pelo representante da
Embrapa, que foi além: "É preciso criar uma legislação que proíba a
torrefação do café de má-qualidade. Há cafés comercializados com 40%
de defeitos", completa.
Sugestões para o relatório
Os participantes foram unânimes em defender mais
atenção para o produtor, com a facilitação dos créditos aos pequenos
produtores. Também querem uma ação mais urgente dos governos federal
e estadual para tirar a cafeicultura da crise em que se encontra. O
primeiro a defender uma ação rápida foi o deputado Luiz Humberto
Carneiro (PSDB), que endossou o apelo de José Edgar, da Cocamig, por
uma ação rápida e eficaz do governo mineiro, "que não deve ficar à
espera do governo federal". Ele defendeu um levantamento completo da
situação, para então se chegar às soluções. O deputado Laudelino
Augusto (PT) criticou o enfoque no mercado e lembrou seu pedido de
uma audiência em Machado, quando vai ser observada a produção de
cafés especiais (cafés orgânicos que começam a ganhar espaço na
região).
O deputado Domingos Sávio (PSDB), lembrando sua
condição de pequeno cafeicultor, propôs a elaboração de um cadastro
completo dos negócios movimentados pela cafeicultura. "É preciso
fazer a fotografia adequada do setor, porque sem isso não se chega
ao produtor". Ele criticou os investimentos que o setor público faz
em pesquisas e não voltam para o produtor nacional, "como acontece
com as pesquisas de sementes da Embrapa, que gasta dinheiro público
e depois vende as patentes para as multinacionais", disparou. O
deputado José Henrique (PMDB) acredita que falta ao Brasil uma ação
pública, como acontece com a Colômbia e o Peru, de divulgar ao
mercado externo a excelência do produto brasileiro.
O relator da comissão, Dalmo Ribeiro Silva (PSDB),
enfatizou a importância da pesquisa para Minas Gerais e adiantou que
a comissão pretende lutar para que os recursos não cessem para o
setor. Ele disse que o assunto vem despertando grande interesse e
expectativa no interior, e que já recebeu sugestões do Sul de Minas,
como a proposta de criação da primeira escola do café, "para formar
técnicos de nível médio e superior que iriam contribuir para colocar
o café realmente como carro-chefe da economia mineira".
O presidente da comissão, deputado Paulo Piau (PP),
garantiu que não é intenção dos deputados fazer proselitismo nem
reclamar da cafeicultura, mas achar os caminhos para a solução dos
problemas que ela enfrenta. Ele lembrou que o jogo internacional na
comercialização é pesado, "que usa artifícios como ongs para
prejudicar a agricultura brasileira". Segundo Paulo Piau, a idéia da
comissão é pelo menos levantar as diretrizes básicas para uma
política de café em Minas e no Brasil.
Requerimentos - Foram
aprovados os requerimentos: do deputado Dalmo Ribeiro Silva,
convidando a fazer parte da comissão, como membro permanente, o
professor da UFMG Carlos Alberto Gonçalves, especialista em
marketing de agronegócios; pedindo a inclusão de um representante da
Fapemig na reunião de 9 de outubro, que irá tratar do financiamento
da cadeia de produção do café; do deputado Laudelino Augusto, que
pede visita ao presidente Lula, em fins de novembro, para levar a
preliminar do relatório. O requerimento foi emendado por sugestão de
Paulo Piau, sugerindo uma visita imediata ao vice-presidente da
República, José Alencar. Também de Laudelino Augusto, requerimento
pedindo que seja sugerida ao governador Aécio Neves a inclusão de
recursos no Orçamento do ano que vem, para a recomposição de pessoal
das instituições de pesquisa do setor agropecuário; e um pedido de
informações à Epamig, à Emater e ao IMA, com relatório sobre o
quadro de pessoal, este emendado pelo deputado Paulo Piau. Do
deputado Paulo Piau, solicitando uma reunião extra para a comissão
ouvir cooperativas e sindicatos rurais; solicitando ao ministro da
Agricultura um relatório sobre as análises de café feitas pelos
laboratórios do Ministério, em que se detectaram fraudes nas
misturas; e uma solicitação à assessoria da Casa, para que prepare
um documento com informações de preços do café ao consumidor.
Presenças - Participaram
da reunião os deputados: Paulo Piau (PP), presidente; Laudelino
Augusto (PT); Dalmo Ribeiro Silva (PSDB); José Henrique (PMDB); Luiz
Humberto Carneiro (PSDB); e Domingos Sávio (PSDB). Além dos
convidados citados na matéria, participaram os que têm assento
permanente na comissão: presidente da Sociedade Mineira de
Engenheiros Agrônomos, Rodrigo Almeida Fontes; da Emater, Everton
Augusto de Paiva e Marcelo Franco; da Federação Mineira de
Agricultura, João Roberto Puliti; e da Casemg, Célio Floriani.
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