Nilmário Miranda promete colaborar com apuração da morte do
barman
"A morte de Anderson Rodrigues Teixeira dentro de
uma viatura policial tornou-se emblemática e seu esclarecimento é
questão de honra para todos. A cadeia de equívocos e omissões e a
emissão de 'laudo provisório' nos remete à pior prática da
construção de 'versões oficiais' de triste memória no país". Com
essas palavras, o secretário especial de Direitos Humanos da
Presidência da República, ministro Nilmário Miranda, comprometeu-se
a contribuir nas investigações sobre as circunstâncias da morte do
barman, ocorrida em 26 de agosto, após uma briga na qual se
envolveram policiais civis.
Nilmário Miranda compareceu à reunião da Comissão
de Direitos Humanos da Assembléia, realizada nesta quarta-feira
(24/9/2003), para dar respaldo à iniciativa parlamentar de apurar os
fatos. Ofereceu a ajuda de especialistas de renome nacional para
examinar os laudos do Instituto Médico-Legal, cuja veracidade foi
questionada abertamente pelos deputados. O presidente da Comissão,
deputado Durval Ângelo (PT), leu o laudo histopatológico assinado
pelos médicos Frederico Henrique Correia de Melo e Eduardo Paulino
Jr, no qual se informa que o nível de hemoglobina S de Anderson
seria equivalente a 37% do total. O documento do IML também foi
assinado pelos legistas Rodrigo Otávio Ferreira Santos e José
Roberto Rezende Costa.
Estava presente na reunião a presidente da Fundação
Hemominas, Ana Bárbara Proietti, que é especialista em hematologia.
Durval Ângelo leu um exame de sangue feito nos pais de Anderson pelo
Laboratório Hermes Pardini, atestando a ausência da hemoglobina S na
mãe. Com base nesse exame, Ana Proietti assegurou que o rapaz
possuía apenas o traço e não a doença falciforme.
Deputados estão convencidos de assassinato
O superintendente de Polícia Civil, Elson Matos da
Costa, assegurou que os legistas do IML são "da mais alta estirpe",
e argumentou que, havendo dois laudos conflitantes, seria preciso
fazer uma contraprova. Durval Ângelo recusou o argumento, dizendo
que se trata de um laudo e um exame de laboratório, e que as
contradições estavam presentes no próprio laudo do IML, e passou a
destacar os pontos que considera suspeitos no documento. "A pergunta
já não é se ele morreu de anemia falciforme ou se foi homicídio
culposo. Foi homicídio doloso, digo com convicção e tristeza. A
pergunta agora é: quem matou Anderson?", disse Durval Ângelo.
Apoiando o colega, o deputado Adelmo Carneiro Leão
(PT), que é médico, afirmou que "Anderson não teve crise de anemia
falciforme. Dois colegas nossos, do IML, fizeram um laudo afrontando
a ciência e o conhecimento hoje existentes. Se o IML está
acobertando crimes, não está servindo ao interesse público". Leão
disse perceber também um "brutal grau de contaminação nos organismos
policiais, conflitando com os interesses da justiça social".
O chefe de Polícia, Otto Teixeira Filho, explicou
que a Corregedoria de Polícia está fazendo o seu trabalho, que está
dentro dos prazos e pediu paciência para apresentar os resultados no
devido tempo. Teixeira Filho comprometeu-se a apurar a verdade dos
fatos. "Respeito minha corporação e meus colegas, mas respeito acima
de tudo meus princípios", disse ele, assegurando que se houver
culpados, eles serão apresentados.
A recusa das autoridades em adiantar os nomes dos
policiais envolvidos na morte do barman levou o deputado
Roberto Ramos (PL) a requerer por escrito os nomes dos que
participaram da prisão, dos quatro que dão plantão no Hospital
Odilon Behrens e qual deles estava de plantão no dia 26 de agosto,
quais os que pressionaram para a rápida liberação do corpo e do
detetive e do delegado que tentaram apreender os bens e a grande
quantia de dinheiro encontrada no bolso do paletó do morto. O
requerimento foi aprovado pela Comissão.
Mãe lamenta a não doação de órgãos
O superintendente Matos disse que é natural o
pedido de entrega do dinheiro por parte do delegado que cuidava do
caso, por ser peça importante no processo. Roberto Ramos refutou o
policial afirmando que o dinheiro não era do conhecimento dos
policiais. "Foi encontrado pela assistente social que examinava as
roupas do rapaz", completou, pedindo explicações sobre a razão da
movimentação policial no Hospital Odilon Behrens e a pressa para
liberar o corpo.
A mãe do barman, Nésia Rodrigues, disse que
o filho de 31 anos tinha voltado da Suíça para a comemoração do
aniversário dela, e anunciado que ficaria morando no Brasil, depois
de 12 anos na Europa. Três dias depois, saiu dizendo que ia ao Banco
do Brasil tirar R$ 5.000 para pagar parte de um carro que iria
comprar. Ela recebeu um telefonema no final da tarde, para que fosse
ao Hospital Odilon Behrens, onde seu filho estaria internado, e ao
chegar não encontrou mais o corpo. "Não me deram nem o direito de
doar os órgãos do meu filho, que era um rapaz sadio, para salvar
outras vidas. A gente teria pelo menos o consolo de saber que partes
dele continuariam vivas em outras pessoas", disse.
A vereadora Maria Lúcia Scarpelli, presidente da
Comissão de Direitos Humanos e do Consumidor da Câmara Municipal de
Belo Horizonte, encontrou "evidências de teatro montado" que lhe
lembravam a morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do
DOI-CODI, durante o regime militar. Scarpelli lamentou muito que
Belo Horizonte esteja nas manchetes da imprensa nacional como um
"Horizonte Perdido" e pediu uma investigação séria que permita a
recuperação da imagem da cidade.
Vereador acredita em morte por asfixia
Outro vereador de Belo Horizonte, Geraldo Félix,
apresentou-se como amigo da família. "Vi o Anderson nascer, e depois
tornei a vê-lo no dia do seu enterro. Fui colega do seu pai, José
Leonardo. Para mim, está claro que ele morreu por asfixia.", acusou.
Vários deputados participaram da audiência e condenaram "a sucessão
de equívocos e o corporativismo policial que coloca obstáculos à
apuração da verdade". O deputado Doutor Viana (PFL) disse
compartilhar a indignação geral e apoiou a posição do chefe de
Polícia, ao dizer que é preciso seguir a consciência e buscar a
verdade. "Infelizmente, não vamos ressuscitar o Anderson", lamentou.
A deputada Maria José Haueisen (PT) considerou suspeito que o rapaz
tenha sido preso com brutalidade, num momento em que carregava tanto
dinheiro.
Presenças - Participaram
da reunião os deputados: Durval Ângelo (PT), presidente; Roberto
Ramos (PL), vice; Ermano Batista (PSDB); Doutor Viana (PFL); Chico
Simões (PT); Laudelino Augusto (PT); Adelmo Carneiro Leão (PT); e as
deputadas Marília Campos (PT) e Maria José Haueisen (PT). Além das
autoridades citadas, compareceram o subsecretário de Direitos
Humanos da Sedese, João Batista Oliveira; o ouvidor de Polícia, José
Francisco da Silva; as procuradoras do Ministério Público estadual
Ana Paula Goulart e do MP federal, Silmara Goulart.
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