Críticas à Alca e defesa das negociações marcam tarde de
debates
Críticas à Alca (Área de Livre Comércio das
Américas), de um lado, e a defesa da continuidade das negociações
com os Estados Unidos, de outro, marcaram as discussões na tarde
desta sexta-feira (22/8/2003), durante o Ciclo de Debates "O Brasil
na Alca", promovido pela Assembléia de Minas. O ministro Régis
Arslanian, diretor-geral do Departamento de Negociações
Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, enfatizou que
a Alca é um projeto e, como tal, dependerá das negociações atuais.
"Se negociarmos bem, ainda que seja uma agenda menos ambiciosa,
poderemos tirar vantagens comerciais", disse. Já o professor Plínio
de Arruda Sampaio Filho, da Unicamp, defendeu que a Alca é contra o
povo brasileiro e aprofunda o neoliberalismo, afirmando que o País
deve se retirar dela e que é necessário um plebiscito oficial sobre
o tema.
O professor Plínio de Arruda Sampaio Filho, do
Instituto de Economia da Unicamp, e a presidente do Sindicato dos
Economistas de Minas Gerais, Dirlene Marques, chegaram a questionar
se o que está sendo negociado é, de fato, a Alca. O questionamento
foi feito após a exposição do ministro Régis Arslanian, que afirmou
acreditar na reestruturação das negociações a partir de proposta
apresentada recentemente pelo Mercosul. Essa proposta, cunhada de
"três trilhos", atenderia aos interesses brasileiros, segundo o
ministro, e tentaria pôr fim ao impasse total e absoluto em que se
encontra hoje o processo. Mas é algo menos abrangente do que querem
os Estados Unidos, tratando, por exemplo, de tarifas de acesso a
mercado e não de regras. "Será que os Estados Unidos estão pensando
em um capitalismo mais humanitário no que diz respeito à Alca,
quando temos a referência do Nafta (acordo com o Canadá e o
México)?, questionou Dirlene Marques.
O 2º-vice-presidente da Alemg, deputado Adelmo
Carneiro Leão (PT), mostrou-se preocupado com o fato de que,
eventualmente, as negociações conduzam ao comprometimento do
processo. Isto porque o ministro Régis Arslanian chegou a afirmar
que o País tanto poderia assinar como não assinar o acordo, ao final
dos próximos 16 meses de negociações. O parlamentar defendeu o
aprofundamento dos debates, envolvendo-se o conjunto dos mineiros e
da população brasileira. Referiu-se a plebiscito de 2002 apontando
que 10 milhões são contra a Alca, mas enfatizou que muitos outros a
desconhecem e sobre ela não sabem opinar. Citou, ainda, o papel
importante a ser desempenhado pela Frente Parlamentar Mineira de
Acompanhamento das Negociações da Alca, lançada nesta sexta-feira
pela Alemg. Segundo ele, novos debates serão promovidos, com a
participação das diferentes regiões de Minas Gerais.
Ministro defende proposta do Mercosul e professores
comentam negociações atuais
Um primeiro "trilho" da proposta do Mercosul seria
a negociação quatro mais um (Mercosul e Estados Unidos), restrita
aos temas de acesso a mercados em bens. Um segundo "trilho",
envolvendo os 34 países, abrangeria temas como a solução de
controvérsias e fundos de compensação. Um terceiro envolveria a
transferência, para a Organização Mundial do Comércio (OMC), de
assuntos como a parte normativa de propriedade intelectual,
serviços, investimentos e compras governamentais. Desta forma, o
Brasil levaria para o âmbito da OMC questões sensíveis para nós,
assim como os Estados Unidos levaram para essa entidade temas também
sensíveis para aquele país, como os subsídios agrícolas e
antidumping. "Se não querem discutir o que nos interessa,
também não queremos debater o que lhes interessa. Não vamos dar nada
a mais a eles (Estados Unidos) do que eles nos darão",
completou o ministro.
A defesa da continuidade das negociações foi
compartilhada pelo professor Paulo Lavigne, coordenador do Curso de
Relações Internacionais da PUC Minas. Dizer não à Alca seria "algo
bastante improcedente", já que, segundo ele, mais de 50% das
exportações brasileiras destinam-se às Américas. O professor elogiou
a política externa do governo atual, afirmando que ela é afirmativa
e busca a integração latino-americana, além de o País se unir à
África do Sul e à Índia para enfrentar questões cruciais na OMC e se
contrapor aos Estados Unidos, buscando a inclusão também da China e
da Rússia. Na opinião dele, nos próximos dois anos, o Brasil terá
grandes desafios: consolidar a integração sul-americana; fortalecer
os laços políticos e comerciais com os países acima; e reforçar a
negociação com a União Européia - também problemática, devido ao
protecionismo agrícola.
Novo modelo - O professor
Plínio de Arruda Sampaio Filho, da Unicamp, fez, por outro lado,
duras críticas à Alca, destacando a brutal assimetria na correlação
de forças. Segundo ele, o Brasil é o que mais perde e o que menos
ganha nessas negociações. Sampaio lembrou que o parque industrial e
produtivo brasileiro é redundante com o dos Estados Unidos e um
deles terá, portanto, que ser liquidado. Além disso, a produtividade
média do trabalho aqui é pelo menos 10 vezes inferior à americana.
Uma eventual compensação, com a conquista de parcelas do mercado
norte-americano, seria barrada pela política neo-mercantilista dos
Estados Unidos. "Nossa economia está em frangalhos, com grande crise
cambial. Já a estrutura estatal é neoliberal", criticou. Sampaio
acrescentou que é preciso construir um movimento de opinião pública
que mude os eixos das políticas no Brasil. Disse que há inúmeros
modelos, entre eles os da China e Cuba, mas que eles não podem ser
encarados com estigmatizações.
Além dos convidados citados acima e do deputado
Adelmo Carneiro Leão, participaram dos debates os deputados Antônio
Carlos Andrada (PSDB), coordenador do evento à tarde, Rogério
Correia (PT) e Chico Simões (PT). Na platéia, estavam presentes
estudantes e professores universitários, além de representantes da
sociedade civil organizada.
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