Comissão debate com Gabeira projeto que legaliza
prostituição
O deputado federal Fernando Gabeira (PT-RJ) esteve,
nesta quarta-feira (20/8/2003), na Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa, para falar sobre seu projeto de lei federal
que trata da regulamentação da prostituição. Trata-se do PL 98/2003,
que tramita na Câmara dos Deputados, estabelecendo a exigência de
pagamento por serviço de natureza sexual e suprimindo os artigos
228, 229 e 231 do Código Penal, que criminalizam a atividade. O
artigo 228 proíbe o favorecimento da prostituição. O artigo 229
proíbe as casas de prostituição; e o 231, o tráfico de mulheres.
Apesar dos avanços previstos no projeto, Gabeira
considera que a luta não está ganha, pois uma grande parcela da
sociedade ainda rejeita discutir a questão. "Trabalho um tema que
diz respeito às preferências sexuais e a pessoas que são
estigmatizadas pela sociedade", afirmou. Ele disse, ainda, que seu
projeto sofre a mesma rejeição que o projeto de Marta Suplicy, que
trata da legalização da união homossexual, pois os dois lidam com
preconceitos arraigados na sociedade.
Segundo Gabeira, projetos similares ao seu já foram
aprovados na Alemanha e na Holanda, todos eles com a preocupação de
fortalecer os profissionais do sexo e não quem explora esse
trabalho. Mas ele ponderou que a figura do dono do hotel, o chamado
"rufião", também deve ser reconhecida para que fiquem claras as
relações de trabalho entre as profissionais e quem as contrata. Para
o deputado, pode-se pensar em cooperativas dessas profissionais para
fortalecer a categoria. Ele acha fundamental que o projeto seja
aprovado, com a conseqüente regulamentação do trabalho das
profissionais do sexo, que, a partir daí, passariam a ter o direito
de se aposentarem com menos tempo de trabalho e uma contribuição
menor. Ele propõe uma contribuição de 5% sobre o salário das
prostitutas, ao contrário dos 20% atuais, e menos tempo de trabalho
para a aposentadoria.
Segundo Gabeira, projeto tenta combater antigos
preconceitos
Fernando Gabeira, que também é jornalista, afirmou
ter deparado com vários preconceitos cristalizados na sociedade, que
seu projeto tenta combater. Um deles é a idéia de que a prostituta
"vende" seu corpo, sendo que, na visão dele, ela apenas presta
serviços sexuais. Outros pregam que a prostituição vai acabar, o
que, para ele, não vai acontecer. A mentalidade paternalista,
defensora da idéia de que as mulheres são profissionais do sexo
porque não conseguiram outra profissão, também é questionada pelo
deputado. "Não é oferecendo emprego que vamos acabar com a
prostituição", disse. Outra objeção ao projeto, segundo o deputado,
vem dos chamados "românticos", para quem o sexo só deve ser feito
entre pessoas que se amam. O deputado avalia que o sexo é melhor
entre os que se amam, e advoga que "há coisas melhores que outras,
mas nem por isso devemos proibir as que não são tão boas".
Afirmação - A coordenadora
da Rede Brasil das Profissionais do Sexo, Gabriela Silva, defendeu
que elas têm que se afirmar, dizendo que são, sim, prostitutas,
meretrizes. "Quem sabe, assim, não conseguimos dar a essas palavras
um sentido melhor; temos que tirar da nossa profissão essa idéia de
que prostituta é igual a bandida, drogada ou ladra", disse, sob
aplausos da platéia. O presidente da comissão, deputado Durval
Ângelo (PT), aproveitou o momento para dizer que aquela audiência,
pelo grande público, era uma das maiores que a Assembléia já tinha
feito e que, por isso, a luta das profissionais do sexo tinha tudo
para prosperar.
Dirigente do Gapa diz que prostitutas vendem
fantasias, não o corpo
O vice-presidente do Grupo de Apoio e Prevenção à
Aids (Gapa), Roberto Chateaubriand, lamentou que "as prostitutas
tinham sido levadas a acreditar que não valiam nada". De acordo com
o dirigente, muitas chegaram a perder a noção de que são
profissionais do sexo e que vendem, não o corpo, mas fantasias,
vitais para a sociedade. Chateaubriand considera o projeto de
Gabeira benéfico não só para as profissionais, mas também para toda
a rede, que envolve hotéis, seguranças, usuários e outros. Na
avaliação dele, atualmente, como a prostituição não é legalizada,
mas apenas tolerada, o ambiente que a cerca é criminoso, levando a
uma série de negócios ilícitos, como tráfico de drogas e corrupção.
"No momento em que o negócio da prostituição for descriminalizado,
as profissionais vão poder discutir de igual para igual com os donos
de estabelecimentos", concluiu. Concordando com essa opinião, a
representante do Grupo Eva, Sônia Hott, de apoio às profissionais,
declarou que o projeto vai banir a criminalidade desse meio,
trazendo segurança a todos.
Sexo e dinheiro - Já a
presidente da ONG Musa - Mulher e Saúde, Mônica Bara, acredita que o
debate sobre a regulamentação do trabalho das prostitutas coloca
todas as mulheres diante de dois embates atuais: as relações da
mulher com o sexo e com o dinheiro. "Temos que nos apoderar dessas
duas coisas", opinou. A vereadora de Belo Horizonte, Maria Lúcia
Scarpelli, trouxe o apoio da Câmara Municipal ao movimento,
acrescentando que as prostitutas exercem um dos direitos de
cidadadia: "o direito de ter prazer, de oferecer prazer ao
outro".
Questionado por profissionais do sexo na platéia
sobre o fechamento de hotéis no centro de Belo Horizonte, o deputado
Durval Ângelo (PT) disse que o prefeito lhe garantiu que nenhum
seria fechado. Ao fim da reunião, foi entregue ao deputado Fernando
Gabeira um abaixo assinado de apoio ao projeto, com 10 mil
assinaturas.
Requerimentos aprovados
Foram aprovados dois requerimentos do deputado
Durval Ângelo. O primeiro solicita agendamento de visitas da
comissão para averiguação das condições dos presos das seguintes
carceragens da Polícia Militar: 8º Regimento de Cavalaria Alferes
Tiradentes da 8ª Região da PM, 1º e16º Batalhões. O segundo requer
envio de voto de pesar à família do embaixador Sérgio Vieira de
Mello, alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, por seu
falecimento vítima de um atentado terrorista ao Quartel-Geral da ONU
em Bagdá, Iraque.
Presenças - Participaram
da reunião os deputados Durval Ângelo (PT) - presidente, Roberto
Ramos (PL) - vice, Célio Moreira (PL), Dalmo Ribeiro Silva (PSDB),
Doutor Ronaldo (PDT), Marília Campos (PT), Biel Rocha (PT), Maria
José Haueisen (PT) e Laudelino Augusto (PT). Além dos convidados
citados, comparecerem também: a presidente da Associação das
Profissionais do Sexo de Belo Horizonte, Jully Peppy; a
coordenadora-geral das Profissionais do Sexo de Belo Horizonte, Dos
Anjos Pereira Brandão; o vereador da Capital, Antônio Carlos
Pereira; o presidente do Conselho de Segurança (Consep) do
Hipercentro, Lincoln Pereira Nascimento; e a profissional do sexo
Santa Luzia Liberato.
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