Comissão debate papel de conselhos de segurança
pública
Duas polêmicas dominaram a audiência pública para
debater o policiamento comunitário, realizada na manhã desta
segunda-feira (30/6/2003) no Plenário da Assembléia. Uma sobre o
papel dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública (Conseps) e
outra sobre o financiamento público das atividades policiais. Os
deputados Sargento Rodrigues (PDT), presidente da Comissão de
Segurança Pública, Rogério Correia (PT) e Alberto Bejani (PL)
estimularam o debate entre os especialistas que compunham a mesa e a
platéia, composta por vereadores e presidentes de Conseps de bairros
da Capital e de cidades mineiras.
O tenente coronel PM Renato Vieira de Souza,
representante do Comando-Geral da PMMG, avalia que o policiamento
comunitário surgiu das deficiências do policiamento tradicional. O
modelo reativo de atendimento das demandas da comunidade por
telefone, segundo ele, mostrava-se incapaz de lidar com crimes sem
vítimas e não se mostrava eficaz para reprimir o tráfico de drogas e
a violência doméstica, por exemplo. "O envolvimento da comunidade
propicia a troca de informações entre os cidadãos e os policiais e
restaura a sensação de segurança que o modelo tradicional já não
consegue oferecer", disse o militar. Ele considera o policiamento
comunitário "uma grande vitória e uma grande conquista" do povo
mineiro e cita o êxito do projeto-piloto batizado como "Fica Vivo"
na favela Morro das Pedras, em Belo Horizonte, que estaria com
índice zero de homicídios.
A pesquisadora Karina Rabelo Leite, do Centro de
Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG,
afirmou, por sua vez, que a filosofia do policiamento comunitário no
Brasil surgiu de um contexto diferente do norte-americano e decorre
da perda de eficácia e de legitimidade das instituições públicas.
"Embora seja mais democrático, aumente os laços e ofereça a vantagem
de ser preventivo e não apenas reativo, o policiamento comunitário é
também mais complexo e mais difícil, já que exige mudanças
organizacionais profundas, de descentralização da presença, do poder
e da informação", disse Karina Leite.
Verbo interagir - Já o
delegado Adam dos Santos, representando o chefe da Polícia Civil,
disse que o verbo mais conjugado em sua corporação é o verbo
interagir, para descobrir os anseios da comunidade e para incentivar
o cidadão a participar do estabelecimento de prioridades na função
da polícia. "Em clima de cordialidade e mantendo a ética
profissional, devemos proteger principalmente os mais vulneráveis,
que são os jovens, os idosos e os deficientes", disse o policial.
Para ele, a experiência do Morro das Pedras foi um somatório dos
esforços das polícias, sem gastos adicionais para o poder
público.
O deputado Alberto Bejani (PL) discordou do
delegado, afirmando que "toda ação policial que se planeja tem que
ter dinheiro". Para o deputado, o policial vai trabalhar preocupado
com o contracheque no final do mês e com o cobrador na porta da sua
casa. Por ganhar pouco, tem que morar perto dos bandidos, e sua ação
é inibida porque sua família pode ficar refém do crime. Embora
reconhecendo que pertence à base do governo, criticou o governo
Aécio Neves por ter cortado 30% do orçamento da Polícia e enumerou
os prejuízos dos cortes: "as viaturas policiais de Juiz de Fora só
podem rodar 60 km por dia, os policiais usam munição recarregada e
coletes vencidos. Não se pode mais ligar do telefone da delegacia
para celular de detetive ou de delegado. Essa situação de
fragilidade da polícia acontece por falta de dinheiro. O crime
aplaude e agradece".
Fuzil sem munição - O
presidente da Comissão de Segurança Pública, deputado Sargento
Rodrigues (PDT), relatou uma viagem recente por cidades da Zona da
Mata, confirmando a situação de penúria desenhada por Bejani: "Em
Mar de Espanha, a única viatura policial está caindo aos pedaços. Em
Pirapetinga, na fronteira com o crime organizado do Rio de Janeiro,
o destacamento é de 12 PMs, sem viatura, sem computador, sem
radiotransmissor, sem colete. Eles têm um fuzil modelo 1908 com
cadeado porque não tem munição. Como é possível fazer segurança
nessas condições?"
Rodrigues anunciou sua disposição de brigar por
verbas, na votação do Orçamento, para fazer segurança pública de
verdade. Lembrou que o seu primeiro requerimento, quando a comissão
foi instalada, foi cobrando informações do governo sobre a
arrecadação e a destinação da taxa de segurança pública e da taxa de
licenciamento dos veículos, que chegaria a R$ 200 milhões por ano.
"Assim que receber a resposta, vou enviar as informações para todos
os presidentes de Conseps do Estado, para que possamos cobrar o uso
correto desse dinheiro."
Sargento Rodrigues fez ainda uma grave denúncia
sobre o desvirtuamento do policiamento comunitário em Unaí e algumas
localidades do Triângulo Mineiro. "Latifundiários e grandes
empresários rurais estão bancando o policiamento nessas regiões,
oferecendo camionetas S10 e radiotransmissores para que a Polícia
Militar, que é paga com dinheiro público, faça patrulhamento
particular. É a privatização da segurança pública", disse o
parlamentar.
O deputado Rogério Correia (PT) disse considerar os
Conseps eficazes no combate a arruaças e atos de vandalismo
cometidos na comunidade, mas receia que não estejam aparelhados para
enfrentar o crime organizado, como o tráfico de drogas e o roubo de
cargas. "A comunidade sabe quem lida com drogas, desconfia de quem
enriquece sem trabalhar, mas receia denunciar", sustenta Correia,
que divulgou, como iniciativa do governo Lula para combater a
violência, o programa do Primeiro Emprego, para jovens de 16 a 23
anos, que correm mais o risco de serem aliciados pelo crime
organizado.
Debates - Na parte
destinada ao debate com os Conseps, a fala de representantes de dois
conselhos de regiões distintas de Belo Horizonte mostrou
discrepâncias no atendimento da PM à população. A representante do
Consep da 3ª Companhia da PM, Maria Inês, disse que sua região é
"bastante tranqüila", incluindo os bairros Funcionários, São Lucas,
Santa Efigênia e Floresta, dentre outros. Segundo ela, a comunidade
equipou a Polícia Militar: "Em 1996, tínhamos 20 policiais, um carro
e uma moto; hoje, são sete motos, 12 radinhos, quatro viaturas que
passam por manutenção constante." Maria Inês acrescentou que as
viaturas contam com telefone celular, adquirido pela comunidade, o
que propicia um atendimento em três minutos, no máximo.
Por sua vez, Maria Auxiliadora, representante do
Consep da 12ª Companhia da PM, responsável por mais de 100 bairros
da região do Barreiro, informou que essa unidade conta com 195
policiais e 19 viaturas, muitas delas com defeito. Ela avalia que há
dificuldade de interação entre a Polícia Militar e a comunidade. Não
há telefone celular para contato com a PM e, além disso, os números
gerais da Polícia - 190 e 0800 - têm sido ineficientes, segundo a
representante.
Questionado pelo deputado Sargento Rodrigues (PDT)
sobre essa diferenciação, o tenente coronel Renato Vieira,
representante do Comando-Geral da PMMG, rebateu dizendo que a PM não
aceita que isso ocorra nos atendimentos da polícia. De acordo com
ele, é aceitável que cidadãos ou empresas de uma comunidade doem
bens à PM; o que não se aceita é que essa comunidade privatize o
atendimento, deixando-se outras sem serem atendidas. Por outro lado,
o comandante entende que as comunidades podem adotar medidas
diferentes, de acordo com suas peculiaridades.
Comunidades trazem problemas e sugestões para a
segurança
Além desses representantes de conselhos, vereadores
e membros das Polícias Civil e Militar da Capital e do interior de
Minas apresentaram dados, críticas e sugestões quanto à segurança
pública em suas comunidades. Os principais problemas apontados, além
dos já citados, foram: falta de divulgação dos Conseps; número
insuficiente de policiais, que recebem baixos salários; veículos e
equipamentos precários; desorganização do Estado, levando ao desvio
das verbas destinadas à segurança pública para outras áreas;
ingerência de prefeitos no trabalho da PM em cidades do interior;
impunidade de menores infratores.
Foram trazidas ainda sugestões, algumas baseadas em
experiências bem-sucedidas na segurança pública: visitas e reuniões
nas escolas dos bairros envolvendo professores, pais, alunos e
empresários e autoridades locais, visando propor soluções para o
setor; urna anti-violência (já adotada em Alfenas), onde moradores
depositam suas denúncias anônimas; distribuição de senhas para
integrantes dos Conseps (adotada em Ouro Fino) que ligam para o
telefone 190; regulamentação da Lei Federal 10.409/02, tratando do
combate ao uso e tráfico de drogas; mudanças nas leis, permitindo
que veículos apreendidos sejam leiloados e recursos obtidos, usados
na segurança.
Sugestões - Foram também
sugeridos: contribuição voluntária para a segurança pública, a ser
paga nas contas da Cemig (ou Copasa) e repassada diretamente aos
Conseps; campanhas de divulgação dos Conseps, através das contas e
em cartilhas; transformação dos desmanches de carros em concessões
públicas (como cartórios); construção de complexos poliesportivos e
horas comunitárias junto à delegacias para envolver as comunidades;
diminuição da idade para responsabilização penal em crimes violentos
cometidos por menores; descentralização dos pelotões de polícia nos
bairros e atuação junto às associações comunitárias; aprovação de
lei municipal transformando Conseps em entidades de utilidade
pública, para que possam obter subvenções sociais.
|