Convidados discutem dificuldades de delegacias de mulheres
Pesquisa divulgada pela Fundação Perseu Abramo, de
São Paulo, indica que a cada 15 segundos uma mulher é vítima de
espancamento no Brasil. Já a ameaça da agressão ocorre ainda em
menos tempo: 12 segundos. Para discutir essa realidade e a atuação
das Delegacias de Mulheres na punição do agressor e na prevenção da
reincidência do crime, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa reuniu, nesta quinta-feira (12/6/2003), delegadas e
quase uma centena de representantes de movimentos de defesa da
mulher. Também participou o chefe de Polícia Civil do Estado, Otto
Teixeira Filho.
A reunião foi requerida pelos deputados Durval
Ângelo (PT), presidente da Comissão, Marília Campos (PT) e Maria
Tereza Lara (PT). Marília Campos propôs que a Comissão de Direitos
Humanos e a bancada feminina da Alemg formem, com delegadas e
representantes de movimentos femininos, uma comitiva para visitar
prefeituras e órgãos estaduais e federais. O objetivo é promover
ações para encaminhamento de políticas públicas articuladas, que
beneficiem o atendimento a vítimas de violência. Durval Ângelo
apoiou a idéia e pediu à deputada que formalize a proposta em um
requerimento a ser apresentado na próxima reunião.
Acompanhamento - Minas
Gerais possui 54 delegacias especializadas no atendimento à mulher,
o que corresponde a 30% das delegacias especializadas do País. Ainda
assim, segundo Durval Ângelo, a rede de proteção deve ser ampliada.
Além de manter o acompanhamento mensal das investigações sobre o
desaparecimento de mulheres na Grande BH, a Comissão de Direitos
Humanos investigará casos de assassinatos de prostitutas no centro
da capital, com suposto envolvimento de quadrilhas de tráfico de
drogas e policiais civis e militares. O deputado afirmou que a
denúncia recebida pela Comissão indica que a maioria das 2.000
prostitutas da região estariam envolvidas na situação.
"Além de evitar a impunidade, é preciso saber as
causas do problema, evitando que se repita na mesma família. Só em
Betim, a Delegacia de Mulheres já realizou neste ano 1.248
atendimentos", disse a deputada Maria Tereza Lara. "A violência
doméstica sobrepõe-se, algumas vezes, à violência das ruas. O lar
deixa de ser sinônimo de proteção; o companheiro, de cúmplice
afetuoso, passa a ser inimigo ameaçador", resumiu a deputada Marília
Campos.
Delegada critica legislação que pune violência
doméstica
Pela Lei Federal 9.099, de 1995, cabe aos Juizados
Especiais Criminais julgar crimes de lesões corporais leves, que
incluem violência doméstica. A partir da denúncia feita na delegacia
de polícia, o Juizado realiza audiência para ouvir agressor e
vítima, com o primeiro objetivo de conciliação. "A lei tem pontos
positivos, mas as vítimas que fazem acordo com o agressor acabam
voltando às delegacias, quando a pena é pagar uma cesta básica, por
exemplo", alertou a titular da Delegacia de Crimes Contra a Mulher
de Belo Horizonte, Olívia de Fátima Braga Melo, pedindo uma política
criminal mais severa.
A Delegacia de Mulheres da capital, que completa 18
anos em novembro próximo, foi a segunda a ser criada no País e a
pioneira no trabalho multidisciplinar. Segundo Olívia Melo, a
experiência demonstra que a reincidência diminui quando há
acompanhamento de assistentes sociais, psicólogos e defensores
públicos, que tratam o problema na origem - a família. Também é
importante oferecer à vítima - lembrou a delegada - abrigos que a
acolham após a denúncia, se necessário for. "O mesmo vale para
crianças e adolescentes que sofrem violência, inclusive sexual",
comparou.
Apelo - A vereadora da
Câmara Municipal de Belo Horizonte, Maria Lúcia Scarpelli, fez um
apelo: "As delegacias de mulheres deveriam atender em feriado e fim
de semana, quando, pelas estatísticas, as agressões se
intensificam". Representantes de movimentos femininos ressaltaram
que essa violência é de gênero, antes de ser por raça, religião ou
classe social. "Os inquéritos policiais precisam ser julgados sem
juízo de valor", lembrou Márcia de Cássia Gomes, da Coordenadoria
dos Direitos da Mulher da Prefeitura de Belo Horizonte. A presidente
do Conselho Estadual da Mulher, Maria de Lourdes Pace, cobrou
punição para crimes como incesto, espancamento e estupro.
Delegados do interior apresentam reivindicações
As delegacias de mulheres do interior têm na falta
de recursos o principal entrave. Um exemplo é Divinópolis, onde, há
até poucos meses, o atendimento era feito no mesmo prédio da
regional da polícia e se resumia a casos de violência sexual. Hoje,
instalada em outro local e com o apoio voluntário de um psicólogo e
um sociólogo, além de estagiários, a delegacia ainda tem
dificuldades. "A equipe que faz a investigação continua a mesma da
regional. As viaturas estão sempre ocupadas com outras delegacias",
relatou a titular da área, Maria Gorete Rios, que solicitou do
Estado que coloque à disposição da delegacia um psicólogo para
coordenar o trabalho voluntário.
A delegada de Mulheres de Coronel Fabriciano,
Sandra Oliveira Silva, alega ter se surpreendido com o número de
atendimentos feitos nos primeiros meses da recente delegacia
especializada daquele município. "As delegacias têm sido um
pronto-socorro paliativo, como reflexo de problemas sociais graves.
As mulheres são cada vez mais espancadas, muitas vezes em troca de
um prato de comida", criticou. Para Sandra Silva, o setor de saúde
deveria ser mais preparado, pois é para onde primeiro recorrem as
mulheres feridas. O delegado da comarca de Paracatu, Orlei Ataíde
Maia, pediu a nomeação de uma delegada para atender as vítimas. "As
vítimas se constrangem de fazer a denúncia a um delegado",
apontou.
Polícia Civil precisa recompor efetivo, afirma Otto
Teixeira
"A Polícia Civil precisa retornar os policiais à
ação da investigação policial. Hoje, 17 mil presos estão sob nossa
guarda", afirmou o chefe da Polícia Civil, Otto Teixeira Filho, ao
explicar como pode ser ampliado o trabalho das delegacias de
mulheres. Segundo ele, com a recomposição do efetivo, a meta é
estabelecer uma delegacia especializada em cada regional do Estado,
equipada não só com delegado, escrivão e detetive, mas com suporte
de assistentes sociais, psicólogos e abrigos. "A polícia
técnico-científica é mais eficiente no combate à criminalidade",
analisou.
Como resultado do encontro, e por sugestão da
deputada Jô Moraes (PCdoB), o chefe da Polícia Civil se comprometeu
a debater, com as delegadas de Belo Horizonte e do interior,
propostas que possibilitem treinamento e especialização dos
policiais que atendem denúncias de violência. A deputada sugeriu,
ainda, que a bancada feminina da Assembléia encaminhe propostas de
mais recursos para esse setor da Polícia Civil, na próxima Lei de
Diretrizes Orçamentárias, que tramita na Casa. O deputado Mauro Lobo
(PSB) lembrou que, apesar de o orçamento não ser cumprido na
íntegra, a cobrança da sociedade é fundamental.
Presenças - Participaram da
reunião os deputados Durval Ângelo (PT) - presidente da Comissão,
Roberto Ramos (PL), Marília Campos (PT), Mauro Lobo (PSB), Maria
Tereza Lara (PT), Lúcia Pacífico (PTB) e Jô Moraes (PCdoB).
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