Audiência debate saúde pública na Região
Metropolitana
A Comissão de Saúde da Assembléia discutiu em
audiência pública, na reunião desta quinta-feira (29/5/2003), a
situação precária do sistema de atendimento de urgência e emergência
na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). O acúmulo de
atendimentos nos hospitais da capital e a falta de investimentos na
rede básica e na medicina preventiva foram os principais pontos
discutidos. Participaram da reunião o subsecretário de Estado de
Políticas e Ações de Saúde, José Maria Borges, e o secretário de
Saúde de Belo Horizonte, Helvécio Miranda, ao lado de dirigentes de
instituições hospitalares, servidores e usuários do sistema de
saúde.
O requerimento da reunião foi assinado pelas
deputadas Jô Moraes (PCdoB) e Maria Tereza Lara (PT). Segundo Jô
Moraes, é importante que a Assembléia debata a questão no momento em
que analisa a Lei de Diretrizes Orçamentárias, de forma a antecipar
o que pode se transformar em crise no setor da saúde. Ela lembrou
que mais de 40% dos pacientes dos pronto-atendimentos da capital são
de outras cidades; e que grande parte dos casos tratados nessas
unidades não são de urgência. Maria Tereza Lara citou a difícil
situação da saúde pública no município de Betim, solicitando
melhorias.
O deputado Fahim Sawan (PSDB) lembrou que a
concentração no atendimento é comum a todas as cidades que são pólos
regionais. Ele disse que é preciso encontrar formas de os municípios
menores se instrumentalizarem para atendimentos de média e baixa
complexidades. O deputado Doutor Viana (PFL) reafirmou que a
dificuldade é presente em todo o País e criticou o fato de a CPMF,
criada pelo governo federal, ainda ter não sido usada para sua
finalidade inicial: a saúde.
Governo estadual pretende descentralizar
atendimento
A necessidade de fortalecer o atendimento médico
primário foi reforçada pelo subsecretário José Maria Borges. Segundo
ele, além de trabalhar com essa premissa, o governo estadual atuará
com um novo perfil: não como produtor de serviço na área hospitalar,
mas como "indutor de política, responsável pelo controle, avaliação
e auditoria, já que o gestor é o município". Para ele, não faz
sentido que um doente de média complexidade viaje centenas de
quilômetros em busca de atendimento. "É preciso descentralizar as
ações de saúde", disse, anunciando metas como equipar 120 hospitais
para "desafogar a rede assistencial" e diminuir em 20% o índice de
mortalidade infantil.
Formação - O vice-reitor
da UFMG, Marcos Borato Viana, ressaltou a importância de fomentar
investimentos na formação dos médicos e nas pesquisas da área. O
diretor do Hospital das Clínicas da UFMG, Ricardo Castanheira,
criticou a redução dos recursos estaduais à área de saúde e afirmou
que o maior problema é que as unidades de urgência acabam se
tornando unidades de internação.
Secretários expõem dificuldades da rede pública de
saúde
O secretário de Saúde de Belo Horizonte, Helvécio
Miranda, definiu a situação da rede de saúde da capital: "Não
vivemos num caos. Ao contrário, a rede presta um bom atendimento,
mas tem limites claros". Miranda apontou motivos que podem explicar
o expressivo e histórico conjunto de demandas que sobrecarregam o
atendimento em Belo Horizonte: o afluxo desregulado para o
atendimento básico; a desarmonia entre as redes de
pronto-atendimento e de retaguarda hospitalar e a falta de
articulação entre os municípios, que possibilitem a mediação em
conflitos da gestão do SUS. "Os hospitais regionais, principalmente
os universitários e filantrópicos, se sobrecarregam e não recebem
investimentos, enquanto fecham os pequenos hospitais", disse.
Para Miranda, cada município deve assumir a
montagem e manutenção da rede de saúde em seu território, além de
sustentar bom relacionamento com os municípios vizinhos, e não
"precarizar" o trabalho do setor. No nível estadual, por sua vez,
seria preciso não só articular os municípios como investir os
recursos como determina a Emenda à Constitucional nº 29. "Já o
governo federal precisa melhorar as formas de financiamento",
completou.
Defesa - Os secretários de Saúde de Betim,
Flávio Moreira Matos, e de Contagem, Raquel Vansucro, garantiram que
seus municípios não são responsáveis por onerar a rede da capital.
Segundo Flávio Matos, Betim investe 25% de sua arrecadação em saúde.
A cidade tem cerca de 335 mil habitantes e é cercada por várias
rodovias, o que aumentaria as demandas de atendimento. Já em
Contagem, segundo a secretária, os gastos com saúde correspondem a
21% dos recursos. "Trabalhamos para garantir que o paciente fique em
Contagem, que recebe também pacientes de vários outros municípios.
As cidades maiores, já estruturadas, é que devem pedir recursos para
o Ministério da Saúde", apontou.
Evaristo Garcia, do Conselho Municipal de Saúde de
Belo Horizonte, procurou historiar a crise do setor de saúde
listando as decisões políticas do governo de Fernando Henrique
Cardoso que considerou danosas. "Não adianta nossos deputados
legislarem a favor do paciente do SUS, porque as autoridades
financeiras decidiram que a prioridade do dinheiro é pagar a dívida
e salvar bancos quebrados", afirmou Garcia.
João XXIII é líder em atendimento de urgência
"O Hospital João XXIII tem o maior atendimento de
emergência da América Latina", afirmou seu diretor, Charles Simão
Filho. "Até hoje realizamos 4 milhões de atendimentos e 250 mil
internações, o que não é pouco para um hospital público numa cidade
que está longe de ser a maior da América Latina", acrescenta. A
média de permanência no João XXIII é de cinco horas, e apenas 0,26%
dos usuários são internados. O diretor raciocina sobre esses números
para concluir que o hospital é "um gigantesco posto de saúde". A
maior vocação do João XXIII é cuidar de trauma, que seria a maior
causa de morte no mundo de pessoas abaixo de 44 anos. Para Charles
Simão, é preciso treinar as unidades de atenção básica para um
encaminhamento responsável.
O sindicalista dos trabalhadores de saúde, Getúlio
Ferreira de Moraes, defendeu melhores condições de atendimento como
forma de respeitar não só o usuário, mas também o trabalhador de
saúde: "Somos nós, da linha de frente, que temos que explicar ao
paciente por que estamos usando fita crepe em lugar de esparadrapo,
e seringa em vez de equipamento de soro". Em seguida, denunciou que
a Prefeitura de Betim está demitindo agentes de saúde, em vez de
contratar reforços.
Participantes se queixam de condições precárias
Após ouvir todos os componentes da mesa, o
presidente da Comissão, deputado Ricardo Duarte (PT), abriu o
microfone para a participação da platéia. Ali se sucederam 14
pessoas, entre médicos, sindicalistas, agentes de saúde e dirigentes
de serviços de saúde, que não se dedicaram propriamente a debater,
mas a fazer queixas e desabafos contra as condições precárias de
trabalho e contra o que consideram insensibilidade das autoridades.
Corte de verbas para hanseníase, baixos tetos de
remuneração, excessiva responsabilidade recaindo sobre os médicos,
mau uso de ambulâncias e sucateamento de equipamentos foram temas
recorrentes nas pessoas que se sucederam ao microfone. Um
participante chegou a propor a instalação de necrotérios nas
Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), pela falta de lugar para
colocar os corpos de quem morre à espera de atendimento. Houve um
início de debate sobre o papel da triagem médica, retomada à
proposta do "médico porteiro" que evitaria que casos simples
sobrecarregassem os serviços de emergência. A tentativa de reavivar
a denúncia de que o hospital público de Betim estaria fazendo
tomografia e hemocultura para hospitais particulares também não foi
levada adiante.
Presenças - Compareceram à
audiência pública os deputados Ricardo Duarte (PT), Fahim Sawan
(PSDB), Jô Moraes (PCdoB), Maria Tereza Lara (PT) e Doutor Viana
(PFL).
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