Erradicação do trabalho infantil é grande causa
nacional
A erradicação do trabalho infantil no Brasil é uma
grande causa, e as grandes causas não têm cor partidária. Esse foi o
tom da audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e
da Ação Social da Assembléia Legislativa de Minas, realizada nesta
sexta-feira (23/5/2003) em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. O
encontro, que atendeu a um requerimento do deputado André Quintão
(PT), teve a participação de representantes dos governos federal,
estadual e administrações municipais da região, além de diversos
membros da sociedade civil organizada.
Os resultados de uma pesquisa da Pontifícia
Universidade Católica (PUC Minas) sobre o assunto foram apresentados
pela professora Maria Elisabeth Marques. De acordo com o estudo,
33,2% dos meninos e 35,2% das meninas trabalham seis dias por
semana. Foram entrevistados 847 crianças e adolescentes
trabalhadores, em 17 municípios. Não têm sequer um dia de folga, ou
seja, trabalham de domingo a domingo, 25,2% das meninas e 16,1% dos
meninos entrevistados. A maioria está ocupada em atividades de
comércio, como feiras, mercados municipais e ambulantes, e serviços
diversos, como engraxates, auxiliares de oficina mecânica e até
trabalho para prefeituras. Ao todo, essas duas categorias envolvem
57% dos jovens entrevistados. Quanto à presença na escola, 93,8% das
garotas e 90,6% dos meninos freqüentam as aulas, mas 65% delas e 73%
deles já repetiram o ano ou estão em atraso escolar.
A pesquisa também demonstrou que as questões
culturais influenciam fortemente o trabalho infantil. Segundo Maria
Elisabeth, nas famílias há um forte discurso de enobrecimento do
trabalho, com argumentos como "valorização do dinheiro",
"compromisso de reciprocidade entre pais e filhos e laços de
solidariedade intrafamiliar", "trabalho como meio de assimilação de
valores, como a responsabilidade" e outros.
O estudo apresentou diversas recomendações para a
elaboração de políticas públicas. A mais importante delas, segundo a
pesquisadora, é a adoção de programas sociais focados na família. De
acordo com dados históricos do IBGE, os filhos geralmente têm
escolaridade maior que a dos pais. Por isso, a alfabetização e a
educação dos pais pode representar um grande incentivo que a criança
terá dentro de sua própria casa para freqüentar a escola. Hoje o que
acontece é que não há esse entusiasmo dos pais com relação à
educação de seus filhos, até porque as condições de vida das
famílias carentes muitas vezes dependem unicamente do dinheiro que
as crianças levam para casa.
"Para erradicar o trabalho infantil, é preciso dar
condições de sustento às famílias", disse o ministro do Trabalho e
Emprego, Jacques Wagner, também presente à audiência pública. Ele
afirmou que o primeiro passo para se enfrentar o problema é a
sensibilização da sociedade, e que uma reunião como a promovida pela
Assembléia Legislativa é uma ferramenta importante para essa
sensibilização. Segundo o ministro, a raiz da exploração do trabalho
infantil é a grande desigualdade social do país, que não avançou "um
milímetro sequer" em termos de distribuição de renda nos últimos 30
anos.
O presidente da comissão, deputado Célio Moreira
(PL), deu um depoimento pessoal sobre a sua própria condição de
trabalhador quando era criança. Ele disse que "o trabalho infantil
tira da criança e do adolescente o direito de brincar e estudar" e
elogiou os esforços do governo federal no combate ao trabalho
infantil. O deputado André Quintão registrou o caráter de parceria
dessa audiência pública na busca de alternativas para os problemas
vividos pelo Brasil. Ele completou que a erradicação do trabalho
infantil depende de políticas de geração de emprego e renda.
A deputada Maria José Haueisen (PT) reiterou as
palavras do deputado Célio Moreira, dizendo que quando crianças
estão compromissadas com o sustento da família, seus direitos ao
lazer, escola e alimentação estão sendo negados. "Nada mais sério do
que uma criança brincando, na escola e se preparando para o futuro",
afirmou. Ela ainda disse que o combate ao trabalho infantil é uma
atitude preventiva "para que, daqui a dez anos, nossas cadeias não
estejam repletas de pessoas que não puderam estudar".
O secretário de Estado de Desenvolvimento Social e
Esportes, João Leite, reiterou o "total apoio" do governo estadual à
iniciativa do governo federal, referindo-se ao Programa Fome Zero,
que inclui uma série de iniciativas para gerar trabalho e renda e
distribuir riqueza no país. A prefeita de Araçuaí, Maria do Carmo
Pereira da Silva, manifestou sua indignação em relação ao trabalho
"que escraviza, corrompe e ceifa vidas". Segundo ela, as autoridades
brasileiras "estão tocando pela primeira vez em feridas que durante
muito tempo foram escondidas".
As autoridades presentes na audiência pública
participaram da inauguração da subdelegacia do Trabalho e Emprego.
Trata-se da 20ª unidade aberta em Minas Gerais e a primeira do país
inaugurada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O
escritório tem como principais finalidades o combate ao trabalho
escravo e a aplicação de políticas públicas para geração de emprego
e renda na região.
Na próxima terça-feira (27), a Comissão de
Trabalho, da Previdência e da Ação Social da Assembléia Legislativa
receberá o documento com as principais propostas elaboradas pelos
grupos de trabalho formados na segunda parte da audiência pública de
Araçuaí. Os grupos, integrados por diversos representantes da
sociedade civil organizada da região, detalharam as recomendações
apresentadas pela PUC Minas.
Presenças - Compareceram à
reunião os deputados Célio Moreira (PL), presidente; André Quintão
(PT) e Maria José Haueisen (PT); além do ministro do Trabalho e
Emprego, Jacques Wagner; o secretário de Estado de Desenvolvimento
Social e Esportes, João Leite; o delegado Regional do Trabalho em
Minas, Carlos Calazans; a prefeita de Araçuaí, Maria do Carmo
Pereira da Silva, além das pesquisadoras da PUC Minas, Rita de Souza
Leal e Maria Elisabeth Marques, e lideranças da região.
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