Segurança Pública discute destinação de bens de traficantes

Gado abandonado nos pastos, matagais invadindo fazendas e carros apodrecendo nos pátios da Polícia. O desperdício dos...

19/05/2003 - 20:09
 

Segurança Pública discute destinação de bens de traficantes

Gado abandonado nos pastos, matagais invadindo fazendas e carros apodrecendo nos pátios da Polícia. O desperdício dos bens confiscados de organizações criminosas de traficantes de drogas foi demonstrado em fitas de vídeo durante reunião da Comissão de Segurança Pública da Assembléia, realizada nesta segunda-feira (19/5/2003). A falta de legislação que dê agilidade à venda desses bens, um emaranhado de dificuldades burocráticas, e até as próprias garantias constitucionais foram os principais obstáculos apontados pelas autoridades para que a sociedade possa reaver valores adquiridos de forma ilícita.

"Da próxima vez, vou pensar duas vezes antes de apreender uma fazenda", desabafou o delegado titular de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal, Cláudio Dornelas, após revelar aos deputados que ele pessoalmente, policial de carreira, teve que cuidar de várias propriedades rurais localizadas no Sul de Minas e Norte de São Paulo, que antes pertenciam a uma quadrilha de traficantes. Sem nenhum treinamento para a tarefa, teve que providenciar vacinação do gado e orientar o administrador a guardar na poupança R$ 57 mil provenientes da venda de bezerros. Não existe norma da Secretaria Nacional Anti-Drogas para lidar com esse tipo de caso e o delegado fez o que lhe pareceu mais sensato para salvaguardar o patrimônio. "Sei que esse dinheiro, se investido na polícia investigativa e nas atividades de inteligência, daria um retorno excelente".

O delegado Dornelas exibiu, durante a reunião, três reportagens da TV Alterosa e uma série de fotografias para mostrar a riqueza que estava se perdendo no campo, e também as dezenas de veículos apreendidos durante operações de combate ao tráfico, que hoje estão enferrujando nos pátios das delegacias. Apenas um bom exemplo pôde ser mostrado: um prédio e uma casa confiscados ao traficante Fernando Beira-Mar hoje são sede de um batalhão da PM, por ordem do então juiz da Vara de Tóxicos, Eli Lucas de Mendonça.

Ódio ao juiz - O deputado Rogério Correia (PT) informou que, durante a CPI do Narcotráfico, na legislatura passada, foi a Brasília ouvir o traficante. Na ocasião, Beira-Mar expressou ao deputado seu ódio por aquele magistrado mineiro que havia ordenado o seqüestro de parte do seu patrimônio. Correia defendeu que a sociedade pressione o Congresso Nacional para aprovar uma importante medida que viria agilizar a disponibilização dos recursos tomados ao tráfico para o reaparelhamento das polícias: a inversão do ônus da prova, um dispositivo que obrigaria ao traficante condenado a provar que seus bens não foram adquiridos de forma ilícita. Correia quer também que as fazendas possam ser destinadas o mais rápido possível à reforma agrária, "uma das reformas mais importantes prometidas pelo presidente Lula".

O presidente da Comissão de Segurança Pública, deputado Sargento Rodrigues (PDT) apoiou as palavras de Correia, dizendo que o Governo alega dificuldades financeiras para aparelhar e reequipar as polícias, e enfrenta o absurdo de não poder lançar mão imediatamente dos bens tomados dos criminosos. Rodrigues propôs que o destino desses bens seja decidido pelo Conselho Estadual de Entorpecentes.

Amplitude de defesa - A razão para o absurdo apontado pelo deputado, segundo o procurador André Estevão Ubaldino Pereira, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado (Cao-Crimo), está em primeiro lugar na própria Constituição Federal. "Escrita após um período de ditadura, a Constituição assegurou amplitude de defesa a qualquer criminoso e dá margem a prolongados recursos. Ao longo desse tempo, os bens perdem o valor", disse o procurador. Para ele, a sociedade brasileira se mobiliza para cobrar elevação das penas, mas não cobra procedimentos mais ágeis para expropriação do proveito da prática criminosa. Ele também é defensor da aprovação da inversão do ônus da prova.

O procurador apresentou também aos deputados a idéia das penas de multa, que deveriam ser destinadas imediatamente ao Fundo Penitenciário, a quem compete financiar a construção, remodelação e aperfeiçoamento do Sistema Prisional. "Assim poderíamos construir unidades capazes de conter traficantes perigosos, sem ter que recorrer aos bolsos do contribuinte". Para ele, a Assembléia pode ajudar pressionando para a aprovação das leis e também para a fiscalização da gestão desse Fundo.

Princípio constitucional - O subsecretário de Estado Anti-Drogas, Elias Murad, lembrou que a utilização de bens apreendidos de traficantes é um princípio constitucional. O artigo 243 da Constituição Federal diz que as terras utilizadas para o plantio de plantas psicotrópicas têm que ser imediatamente expropriadas e destinadas ao assentamento de colonos, sem indenização ao proprietário. Esse artigo diz ainda que os bens apreendidos de traficantes serão confiscados e utilizados na repressão ao tráfico de drogas.

Para agilizar esse processo, Murad anunciou que, em breve, vai ser firmado convênio entre a Secretaria Nacional Anti-Drogas (Senad) e o governo do Estado, para que os bens apreendidos de traficantes de drogas e organizações criminosas possam ser leiloados e o dinheiro arrecadado, utilizado para aparelhar as polícias. O deputado Sargento Rodrigues sugeriu que os chamados bens semoventes (como o gado, por exemplo) também sejam incluídos no convênio, com o que concordou o subsecretário. Quanto aos imóveis, Murad lembrou que algumas fazendas apreendidas de traficantes já foram utilizadas para a reforma agrária, embora com atraso de dez anos desde a promulgação da Constituição de 1988.

Para o juiz da Vara de Conflitos Agrários, Carlos Salomé, essa demora acontece por causa de falhas na legislação. Segundo ele, não está claro quem tem a responsabilidade de pedir a alienação dos bens apreendidos de traficantes. "Isso não inviabiliza o seqüestro desses bens, mas nós, do Judiciário, sofremos com a omissão da lei. Por isso, esperamos que a forma de destinação dos bens seja claramente definida, para agilizar os procedimentos judiciários", defendeu.

Reforma agrária - O representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Luciano Dias Bicalho Camargos, esclareceu que é a Advocacia Geral da União (AGU) quem tem competência legal para expropriar terras apreendidas de traficantes. "Nosso papel restringe-se a verificar a possibilidade do imóvel ser utilizado na reforma agrária", explicou. Segundo Camargos, o Incra foi consultado pela AGU quatro vezes sobre a possibilidade de assentar famílias de sem-terra em fazendas apreendidas, mas somente duas foram consideradas viáveis para a reforma agrária, graças ao tamanho e à disponibilidade de água.

O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Armando Miranda, disse que existem em Minas 3 mil famílias acampadas, e cobrou agilidade na disponibilização de terras apreendidas para a reforma agrária.

Caixas eletrônicos - A comissão aprovou o parecer do Projeto de Lei (PL) 65/2003, da deputada Maria José Haueisen (PT), que institui a segurança obrigatória nos caixas eletrônicos de bancos, durante todo o período de atendimento ao público. O relator, deputado Rogério Correia (PT), opinou pela aprovação na forma do substitutivo no 1, da Comissão de Constituição e Justiça, que faz algumas correções técnicas no texto original. Para Rogério Correia, o reforço na segurança pode reduzir a ocorrência de seqüestros-relâmpago e assaltos aos usuários de caixas eletrônicos. A comissão aprovou também seis requerimentos.

Presenças - Participaram da reunião os deputados Sargento Rodrigues (PDT), presidente; Rogério Correia (PT); e Domingos Sávio (PSDB).

 

 

 

 

Responsável pela informação: Assessoria de Comunicação - 31 - 3290 7715