Comissão defende ensino de todas as religiões em escolas
estaduais
O ensino nas escolas estaduais dos dogmas de todas
as religiões, independente de sua denominação, foi consenso entre os
participantes da reunião extraordinária da Comissão de Constituição
e Justiça da Assembléia Legislativa nesta quarta-feira (07/05/2003).
A reunião foi realizada a pedido do deputado Durval Ângelo (PT) para
discutir o Projeto de Lei 43/2003, do deputado Miguel Martini (PSB),
que dispõe sobre o ensino religioso confessional (relativo a uma
crença religiosa) nas escolas da rede pública estadual. "O projeto
vem em uma boa hora porque existe uma lacuna na legislação sobre
ensino religioso, mas carrega uma inconstitucionalidade que pode ser
corrigida", ponderou Durval Ângelo.
Para o deputado, é necessário que se tire a palavra
"confessional" do texto do projeto, já que o Estado não deve
financiar um culto específico. A abordagem desta questão foi acatada
pelo autor do PL 43/2003, deputado Miguel Martini: "queremos
contemplar todos os envolvidos no ensino religioso e suprir a lacuna
que existe na legislação". Lacuna essa que, segundo o professor do
Instituto Santo Tomás de Aquino, Paulo Agostinho, também existe na
área do conhecimento religioso. Para ele, o objeto do ensino
religioso é uma característica antropológica fundamental, já que
todo ser humano precisa de um sentido para a vida.
Religião e cultura -
Segundo outro professor do Instituto Santo Tomás de Aquino, frei
Leonardo Lucas Pereira, o ensino religioso deveria abordar todas as
religiões, sem a intenção de catequizar. "Precisamos estudar a
religião para entendermos um pouco a cultura. Não dá para entender o
mundo de hoje sem compreender a religião". O professor das redes
estadual e municipal de Betim, Cícero Clarindo de Souza, ponderou
que a prática do ensino religioso deve ser interconfessional, quando
devem ser respeitadas todas as religiões, inclusive as
não-religiões.
A questão da não-religião também foi levantada pelo
professor de Teologia, padre Wolf Gruen, naquilo que ele denomina de
terceira opção. "Todos nós procuramos respostas para o sentido da
vida, tanto aqueles que têm a minha religião, quantos os que optam
por outra ou, ainda, não têm religião", analisou. Segundo ele,
existem muitos espíritos religiosos fora da religião e "essas
pessoas podem ser grandes peritos em humanidade". O padre foi contra
as denominações religiosas, já que, segundo ele, a religião não
deixa de existir porque não está presente em alguma lei. Ele lembrou
que as grandes religiões, que são ensinadas nos livros, são aquelas
que hoje estão produzindo guerras.
Padre Gruen disse ainda que espera que esse projeto
de lei ajude a abrir caminho para a legislação sobre o ensino
religioso em Minas Gerais. "Estamos lutando há anos por uma
legislação e este projeto deve ser entendido como um caminho aberto
para o Executivo e futuras regulamentações", afirmou. A importância
do projeto e da iniciativa da Assembléia foi apontada também pela
professora Anísia Figueiredo, formadora de professores do Ensino
Religioso - Comissão de Ensino Religioso Nacional e Regional (CNBB).
A professora estava na reunião representando também o arcebispo
metropolitano de Juiz de Fora, Eurico dos Santos Veloso.
A importância de produzir uma lei sobre o assunto
também foi destacada pelo deputado Laudelino Augusto (PT) e por
vários convidados e participantes que usaram a palavra, na fase de
debates. O parlamentar lembrou que, hoje, o ensino religioso fica à
mercê de resoluções feitas por aqueles que, muitas vezes, não têm
conhecimento de causa e que é preciso ouvir a sociedade. Fazendo
referência à inconstitucionalidade contida no projeto, o relator da
matéria, deputado Paulo Piau (PFL), informou, por outro lado, que a
redação será corrigida para sanar o problema. Ele se disse
satisfeito pelo amadurecimento do País quanto ao respeito às várias
religiões.
Matrícula facultativa -
Alguns convidados comentaram o fato de a matrícula no ensino
religioso ser facultativa, apesar de o projeto prever que a
disciplina seja obrigatória nas escolas públicas da rede de ensino
fundamental do Estado. O deputado Ermano Batista (PSDB) lembrou que
a matrícula facultativa está prevista na Constituição Federal. Mesmo
assim, enfatizaram os participantes, o ensino deve ser obrigatório
para todas as séries e ciclos desse nível de ensino.
Professores reivindicam melhoria na qualidade do
ensino e da formação técnica
Os participantes da reunião da Comissão de
Constituição e Justiça foram além da discussão do projeto ao
destacar a necessidade de se melhorar a qualidade do ensino
religioso e da formação dos professores. Cícero Clarindo de Souza,
professor da rede municipal de ensino de Betim e da rede estadual,
denunciou "a situação precária" dos professores estaduais de
educação religiosa que são designados ano a ano, de acordo com os
critérios estabelecidos. "Há uma desconsideração pela história das
pessoas que dedicaram a vida toda ao ensino religioso e foram
atropeladas pela legislação", ponderou. O professor do Instituto
Santo Tomás de Aquino, Paulo Agostinho, também abordou a indefinição
em relação ao futuro dos professores e à formação técnica.
"Precisamos de um conselho de ética para aferir e acompanhar a
formação técnica dos professores", disse.
Para frei Leonardo Lucas, está na hora de a
Secretaria de Educação assumir essa disciplina obrigatória, com
pessoas habilitadas. "Não podemos dar essa disciplina para qualquer
um, temos que melhorar o ensino da educação religiosa", disse. O
presidente do Conselho de Ensino Religioso do Estado de Minas Gerais
(Coner-MG), pastor Antônio Guimarães, revelou que "seu sonho é ver o
ensino religioso amparado em Minas Gerais e que não fique à mercê da
Secretaria de Educação". Segundo ele, hoje existem 5 mil professores
habilitados em Minas Gerais para ministrar o ensino religioso.
O vice-presidente da comissão, deputado Durval
Ângelo, também disse que o projeto deveria considerar o despreparo
dos professores, a improvisação nas grades curriculares e o ambiente
cultural pragmático, ou seja, que não dá espaço para a questão
religiosa. Ele disse ainda que esse projeto é um provocador para
discutir e aprofundar o tema. "Queremos sair daqui com uma
legislação boa na busca de uma maior qualidade do ensino".
Presenças - Compareceram à
reunião os deputados Sebastião Navarro Vieira (PFL), presidente;
Durval Ângelo (PT), vice; Bonifácio Mourão (PSDB); Ermano Batista
(PSDB), Gustavo Valadares (PRTB), Paulo Piau (sem partido), Miguel
Martini (PSB), Biel Rocha (PT) e Laudelino Augusto (PT), além dos
convidados.
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