Atingidos por barragens denunciam Consórcio Candonga
Ativistas do movimento de atingidos por barragens,
com reforço de eclesiásticos, técnicos ambientais, militantes da
Pastoral da Terra e professores universitários, denunciaram nesta
terça-feira (29/4/2003), diante de dez deputados em reunião conjunta
das comissões de Meio Ambiente e Recursos Naturais e de Direitos
Humanos, episódios de prepotência na negociação entre a Cia. Vale do
Rio Doce (CVRD), a indústria de alumínio Alcan e as famílias de
agricultores desalojadas pela construção da Usina de Candonga, no
Rio Doce, que vai inundar 283 hectares. Antônio Caldeira Brant
Filho, presidente do Consórcio Candonga, embora tenha confirmado
presença, não compareceu. A reunião foi presidida pela deputada
Maria José Haueisen (PT).
Dois temas dominaram o evento: os impactos
ambientais não teriam sido suficientemente avaliados antes do
licenciamento prévio, e os impactos sociais não estariam sendo
atenuados de acordo com a expectativa da comunidade. Uma suspeita de
crime acrescentou drama e emoção à reunião: o desaparecimento do
pequeno produtor João Caetano dos Santos, que morava dentro da área
da barragem.
A reunião conjunta foi marcada a requerimento do
deputado Padre João (PT), que acaba de regressar de uma viagem às
obras das usinas de Candonga, Aimorés, Resplendor e Itueta.
"Candonga é obra da Vale do Rio Doce em parceria com a Alcan. As
demais estão sendo construídas pela Vale em parceria, sinto dizer,
com a Cemig", assinalou o deputado, para quem a estatal mineira não
está fazendo jus à imagem de justiça e responsabilidade social que
propaga. Padre João afirmou que barrar rios não é algo natural e
produz agressões à natureza. Quanto aos atingidos, ele avalia que
"não há dinheiro que pague o afeto que as pessoas sentem por seu
pedaço de chão".
Copam precisa se reciclar
Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em
Temáticas Ambientais (Gesta) da UFMG, considerou que a ausência das
empresas na reunião era "uma afronta" ao Legislativo, e denunciou o
crescente predomínio dos interesses empresariais diante da
impassibilidade dos órgãos de licenciamento. O Comitê de Política
Ambiental (Copam), na opinião dela, está fugindo de suas atribuições
de formulação de política ambiental e precisa se reciclar. Para
Zhouri, as comunidades atingidas precisam ser ouvidas antes das
decisões técnicas. A manifestação da comunidade precisa ser
antecipada para a etapa da elaboração do Termo de Referência, uma
das fases iniciais do processo de construção de uma usina.
O Copam foi defendido por Iara Marques, membro do
Conselho e do Instituto dos Arquitetos do Brasil, para quem o
Plenário do órgão é democrático e representa todos os setores da
sociedade, inclusive os empreendedores. "A democracia é tensa, mas o
objetivo do Copam é formular uma matriz energética que atenda
convenientemente a sociedade", disse Iara Marques. O deputado Mauro
Lobo (PSB), que foi secretário de Ciência e Tecnologia, também
defendeu o Copam, e o considerou representativo de todas as forças
atuantes na sociedade.
Morel Queiroz Ribeiro, da Feam, também defende o
fortalecimento do espaço institucional do licenciamento, e afirmou
que a sociedade ignora inteiramente o que se passa na construção das
usinas. Morel relatou também as pressões e ameaças que os técnicos
da Feam sofreram - e suportaram, sem se afastar de seus princípios
-, no governo Itamar Franco, para dar o licenciamento prévio para a
construção da Usina de Irapé.
CVRD constrói cubículos para famílias
Padre Claret, integrante do Movimento dos Atingidos
por Barragens, considerou "promiscuidade" o relacionamento entre as
estatais, empresas privadas e empresas de consultoria, para
apresentar Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) tendenciosos. "Os
atingidos ficam à mercê da ganância das empresas, que avaliam suas
terras como ruins e as indenizam abaixo do valor. Em Itueta, o
licenciamento é do Ibama, e mais de 300 famílias serão desalojadas.
Estão construindo 73 casas com 26 m2 em lotes de apenas
250 m2. E notem que a CVRD cultiva imagem de empresa
humanitária", ironiza o padre.
O deputado Durval Ângelo (PT), presidente da
Comissão de Direitos Humanos, recolocou que o objetivo específico da
reunião era levantar os episódios de violação desses direitos, e
também o desaparecimento do agricultor João Caetano dos Santos, que
morava dentro da área da represa. Um dos familiares, José Antônio
dos Santos, esclareceu que a segurança do Consórcio Candonga não
permitia a entrada da família para colher o milho e a cana plantados
por João Caetano. No entanto, ele acredita em motivo passional para
o desaparecimento, e não em ação criminosa da empresa.
No restante da reunião, diversos atingidos
sucederam-se ao microfone para relatar suas experiências pessoais e
de suas comunidades, com apartes e manifestações dos deputados
presentes. Sônia Losque, da Pastoral da Terra, acrescentou outros
dados do panorama energético brasileiro: 3,4 milhões de hectares
alagados, 20 milhões de pessoas sem eletricidade, dentre elas 60%
das famílias rurais. Em Minas, seriam 41 mil os atingidos e 260 mil
hectares inundados. Sônia alertou também para a desnacionalização do
domínio das águas e para a formação de milícias armadas pelas usinas
para reprimir a organização do movimento.
Presenças - Participaram
da reunião os deputados Maria José Haueisen (PT); Durval Ângelo
(PT); Padre João (PT); Mauro Lobo (PSB); Doutor Ronaldo (PDT); Fábio
Avelar (PTB); Roberto Ramos (PL); Célio Moreira (PL); Roberto
Carvalho (PT); e Laudelino Augusto (PT).
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