Índios reforçam Conselho e rejeitam tutela
governamental
Caciques e representantes dos povos indígenas que
vivem em Minas Gerais e na Bahia demonstraram, em reunião da
Comissão de Direitos Humanos nesta quinta-feira (24/4/2003), que não
estão dispostos a se sujeitarem à tutela de órgãos de governo, como
a Fundação Nacional do Índio (Funai), e que todas as decisões que
afetem seus interesses devem ser discutidas no âmbito do Conselho
dos Povos Indígenas. A formatação democrática de sua representação,
desenvolvida nos últimos anos com assessoria do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), foi aplaudida pela deputada Maria José Haueisen
(PT), autora do requerimento que deu origem à reunião. A deputada
representa o Vale do Mucuri, onde se localizam as aldeias do povo
maxacali.
Cerca de cem índios pintados, enfeitados com
cocares multicoloridos, com maracas, arcos e flechas e outros
artefatos, lotaram o auditório da Assembléia. Ao todo, 11 tribos
estavam ali representadas, das quais oito habitam o território
mineiro: maxacalis, xacriabás, crenaques, pataxós, caxixós,
pacanarus, aranãs e xucuru-cariris. Segundo o coordenador do
Cimi-Leste, Luciano Pereira da Silva, aranãs e caxixós não têm
terras, e outras tribos foram deslocadas com violência de suas
terras originais cobiçadas por fazendeiros.
Luciano Pereira da Silva denominou "protagonismo
indígena" essa nova atitude de consciência dos índios que repelem a
tutela dos governos, querem assumir o controle de seus próprios
assuntos e lutam pela aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, que
estaria parado no Congresso em virtude do lobby ruralista.
Para o cacique Uarquenan, dos xucuru-cariris do Sul de Minas, há
também um forte interesse das hidrelétricas, das mineradoras e dos
madeireiros em derrotar o Estatuto. "Desde a invasão do Brasil,
todos os governos nos venderam, e Lula, se não tiver moral, também
nos venderá como os outros".
Sangue debaixo dos prédios
- Domingos Xacriabá defendeu "o direito de todos os parentes",
afirmando que "existe sangue de índio debaixo de cada casa
construída no Brasil, até mesmo debaixo desse prédio da Assembléia".
Jerri Caxixó disse que seu povo está cansado de coisas que começam
de cima para baixo, e o cacique Baiara, dos pataxós, criticou os
indigenistas e os funcionários da Funai: "Eles têm seus escritórios,
seus carros e seus empregos, enquanto nós não temos uma batata para
cozinhar".
Valdemar Adilson Krenak tentou exprimir para os
deputados o que significa um índio desterrado: "A terra é a veia que
nos alimenta. Sem terra nós somos mortos". Ele lembrou a repressão
às manifestações indígenas nas comemorações dos 500 anos do
Descobrimento do Brasil. "Foi só aperreação e machucaduras".
Cleonice Pancararu admitiu que há três propostas de estatuto em
exame no Congresso - do governo, dos indigenistas e dos índios -,
mas defendeu que a mais forte tem que ser a dos índios.
Assessor de Aécio - Diante
das cobranças de aprovação do Estatuto, considerado pelos índios
como a sua Constituição, o deputado Roberto Ramos (PL), que presidia
a reunião, esclareceu que esse projeto está no Congresso Nacional,
mas que ele está disposto a ir até Brasília fazer pressão pela
aprovação. Ramos deu a palavra a Ailton Krenak, que esclareceu que
não é cacique, mas apenas assessor do governador Aécio Neves para
assuntos indígenas. Ailton relatou suas lutas anteriores em favor da
causa indígena e reivindicou que o diálogo com o governo passe por
ele. No entanto, os vários líderes indígenas que se sucederam ao
microfone questionaram sua liderança e até sua etnia e criticaram a
escolha do governador, que não teria consultado antes o Conselho dos
Povos Indígenas. A cada intervenção, os índios aplaudiam batendo
palmas ou sacudindo as maracas.
O deputado Laudelino Augusto (PT), do Sul de Minas,
saudou os xucuru-cariris que vivem em Caldas e confessou sua
angústia quanto à melhor forma de representá-los na Assembléia.
"Agora percebo que a melhor forma é através de suas organizações",
saudou o deputado. Outros deputados presentes à reunião foram Adelmo
Carneiro Leão e Marília Campos, ambos do PT. Além deles, destacou-se
na mesa o bispo Dom Diamantino, de Campanha, designado pela CNBB
para acompanhar a questão indígena.
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