Autoridades apontam equívocos no debate sobre reforma da
Previdência
Embora em campos opostos - um é oposição ao governo
federal e o outro é da base de sustentação - os deputados federais
Robert Brant (PFL) e Sérgio Miranda (PCdoB) defenderam a
despolitização do debate sobre a reforma previdenciária. Os dois
foram os primeiros expositores do Fórum Técnico "A Reforma da
Previdência", que começou nesta segunda-feira (14/4/2003) e termina
na quarta (16), no Plenário da Assembléia Legislativa. Brant afirmou
que o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) não precisa de
qualquer reforma, somente os regimes próprios dos servidores. Sérgio
Miranda disse que a discussão é sobre o modelo de Estado que se quer
adotar.
Na abertura dos trabalhos, o presidente da
Assembléia, deputado Mauri Torres (PSDB), disse que o debate sobre a
Previdência é o mais difícil entre as reformas propostas. Ele
destacou que pouco se avançou desde a Constituição de 1988 e que os
déficits foram cobertos com sucessivos aumentos das contribuições
dos servidores. Apresentando um balanço dos problemas da
Previdência, tanto a do setor privado, como a do público, o
presidente da Assembléia disse que o cenário é preocupante. Ele
afirmou que é preciso avançar no debate, mas não ficar só nele.
"Precisamos fechar posições e ajudar na condução da reforma
estrutural. Por isso é preciso, além de discutir, propor soluções, o
que não deve ficar circunscrito aos poderes constituídos, mas
estender-se à sociedade como um todo", finalizou.
Regime Geral é eficaz
Ex-ministro da Previdência e presidente da Comissão
Especial para a Reforma da Previdência, o deputado Roberto Brant
defendeu o Regime Geral da Previdência Social, por considerar que a
reforma feita em 1998 alterou o que tinha de ser alterado. Para ele,
novas adequações têm de ser feitas nos regimes próprios dos
servidores públicos. Lembrando que o debate não deve tomar um
caráter ideológico e nem partidário, garantiu que a oposição (PFL e
PSDB) não pretende mudar o projeto a ser enviado ao Congresso,
"quando muito fazer alguma correção".
Brant garantiu que o RGPS é eficaz, com regras
justas, após as correções feitas em algumas distorções, "como as
aposentadorias precoces". Mas destacou que o regime tende a se
desequilibrar se o salário mínimo continuar a ter aumentos reais.
Para ele, os problemas previdenciários estão ligados a dois fatores:
mudanças demográficas da população brasileira e no mercado de
trabalho. Demograficamente o Brasil assemelha-se aos países
desenvolvidos, com a redução da taxa de natalidade e maior
longevidade da população. Nesse aspecto é preciso fazer correções
periódicas, segundo o deputado, como estão fazendo países europeus,
entre eles a Inglaterra e Alemanha.
Em relação ao mercado de trabalho, as mudanças
tecnológicas alteraram o perfil contributivo do País, aumentando a
informalidade. O número de trabalhadores com carteira assinada,
portanto, que contribuem com a Previdência, é de 25 milhões, mesmo
número da década de 1980, enquanto 40 milhões estão fora do sistema.
"O desafio é levar a maior parte desses 40 milhões de trabalhadores
para a Previdência, para que o RGPS possa gerar saldos".
Roberto Brant lembrou ainda que a aposentadoria do
setor privado, mesmo considerada com valores baixos, "porque reflete
os salários do Brasil", ainda é o principal instrumento de
distribuição de renda. O deputado destacou ainda outros números: o
déficit da Previdência, de R$ 17 bilhões, representa 1,2% do Produto
Interno Bruto (PIB), mas grande parte do déficit é herança de um
passado em que parte dos beneficiários que estão hoje no sistema,
como os aposentados rurais, nunca contribuíram.
Crítica ao Projeto de Lei 9
Membro da Comissão Especial para a Reforma
Tributária e vice-líder do governo na Câmara de Deputados, Sérgio
Miranda (PCdoB) garantiu que há uma grande confusão no debate sobre
a reforma previdenciária, " às vezes por desconhecimento, mas quase
sempre deliberadamente, porque envolve interesses muito poderosos".
Ele disse que o eixo do debate deve ser a definição das funções do
Estado, "para onde ele deve ir, onde deve investir". Miranda, a
exemplo de Brant, lembrou que os problemas estão assentados na
questão demográfica e no mercado de trabalho. Na opinião dele, o
fundo da discussão são os dois sistemas possíveis de previdência: o
de repartição e o de capitalização. O primeiro é baseado na
solidariedade das gerações, onde os mais novos contribuem para
garantir o benefício dos mais velhos, reforçando o aspecto social do
sistema, enquanto o de capitalização, na opinião de Sérgio Miranda,
é "excludente" e acentua as desigualdades na distribuição de renda
no país.
Surpreendendo os participantes do fórum, Sérgio
Miranda criticou a votação do Projeto de Lei 9 do governo, que está
na Câmara Federal, e que permite a criação de previdências
complementares para os servidores públicos. Ele lembrou que mesmo
sendo o vice-líder do governo, há um clima de liberdade na discussão
das reformas, e que o PL 9 é um grande engodo. Ele defendeu o regime
próprio dos servidores, com a manutenção de suas características.
"Não dá para misturar Regime Geral com Regime Próprio e nesse, os
regimes específicos como o de militares, e os dos Estados".
Miranda lembrou que quando se fala no déficit de R$
17 bilhões na Previdência, não se fala que aí estão incluídas todas
as isenções fiscais, os benefícios e as aposentadorias especiais.
Para ele, é falácia geral atribuir tal déficit somente à
contribuição sobre a folha de salários e à parcela dos empregados.
Sérgio Miranda garantiu que, nessa área, a manipulação de
informações é maior ainda. "Somente a partir de 1993 os servidores
públicos passaram a contribuir com a Previdência, então não se fala
no passivo que o regime herdou, com os servidores da ativa bancando
toda a folha dos inativos". Na opinião dele, essa comparação serve
somente para "satanizar o funcionário público".
Voltando à crítica ao PL 9, Miranda destacou que
sua aprovação vai gerar mais prejuízos para o país. "Por que
insistir num projeto que agrava o déficit fiscal?", questionou. Ele
garantiu que as diferenças entre o Regime Geral e o de Servidores
Públicos não são privilégios, mas diferenças de função. "Desconhecer
essa diferença pode levar à desestruturação do Estado, que se
materializa nas pessoas que servem a ele".
Um dos autores do requerimento que deu origem ao
Fórum, representando os demais que o apresentaram (Adelmo Carneiro
Leão e Marília Campos, do PT), o deputado André Quintão (PT), disse
que o partido na Assembléia se sentiu na obrigação de ampliar o
debate sobre assunto. E disse que a reforma, colocada na agenda
política do País, representa um desafio e a resposta da mudança que
começou em 2002, com a eleição do presidente Lula, "rompendo 500
anos de dominação". Para ele, o fórum realizado pela Assembléia
representa a contribuição de Minas para o debate.
O presidente da Comissão de Trabalho, da
Previdência e da Ação Social da Assembléia Legislativa, deputado
Célio Moreira (PL), disse que o fórum significa a conscientização do
povo mineiro ao chamamento da reforma. Para ele, o primeiro passo é
fazer um diagnóstico do que deve ser mudado e em seguida discutir
como isso deve ser feito.
Reforma deve contemplar excluídos de hoje
Segundo o gerente executivo do INSS em Belo
Horizonte, Márcio Soares Pereira, a reforma da Previdência tem que
contemplar as 40 milhões de pessoas, citadas por Roberto Brant, que
hoje não contam com qualquer proteção previdenciária. Segundo ele,
considerando-se as regras atuais, 18 milhões desses trabalhadores
teriam condições de contribuir para a Previdência.
Pereira apresentou números oficiais demonstrando
que a quantidade de benefícios pagos tem crescido, enquanto que o
número de contribuintes vem caindo ao longo dos anos. Por outro
lado, a idade média de aposentadoria subiu de 48,9 anos em 1988 para
53,2 anos em 2002, fruto de mudanças na legislação. Outro dado
apresentado pelo gerente diz respeito aos vencimentos dos
aposentados. Segundo ele, dos 21,5 milhões de benefícios pagos em
2002, 13,5 milhões (65% do total), têm o valor de um salário
mínimo.
Quanto ao déficit da Previdência, de R$ 17 bilhões
em 2002, Pereira manifestou preocupação com o agravamento do quadro,
já que, segundo ele, a receita proveniente da massa salarial tem
caído ano a ano. Uma das formas para se reverter essa tendência, de
acordo com o gerente, seria contemplar, na reforma, a questão da
renúncia fiscal, o que poderia contribuir para ampliar a
arrecadação.
Estrutura - A defesa de uma
reforma estrutural do regime previdenciário brasileiro foi feita
pela professora Eli Iola Gurgel Andrade, da Faculdade de Medicina da
UFMG. Ela destacou que o sistema vem evoluindo pontualmente desde
sua criação, em 1923. No entanto, rejeitou a idéia de que a reforma
a ser implementada leve em conta apenas aspectos pontuais, como o
regime de Previdência dos servidores públicos. A professora propôs
que se pense em um modelo que, ao invés de contemplar corte de
benefícios, trate de uma reestruturação da arrecadação.
Gerenciamento é o maior problema
Para o ex-membro da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) Ruy Brito Oliveira Pedroza, qualquer debate sobre a
reforma da Previdência tem que partir do princípio de que ela seja
feita sobre todas aquelas áreas que apresentam problemas. No
entanto, ele afirmou que vem percebendo que o debate tem se dado em
torno do plano de benefícios, quando, na verdade, essa é a parte
menos problemática do sistema. De acordo com Pedroza, a área
gerencial da Previdência é a maior causadora do déficit. Ele citou o
empreguismo, o não-recolhimento da parcela patronal do poder
público, a tolerância com a inadimplência e as isenções fiscais como
exemplos do gerenciamento inadequado, responsável pelas perdas
registradas pelo sistema previdenciário. "A Previdência, bem
administrada, é altamente lucrativa", afirmou Pedroza.
Segundo o ex-membro da OIT, o que está por trás do
debate sobre a reforma da Previdência é a tentativa de privatizá-lo,
como tem ocorrido em diversos países ao longo dos últimos anos.
"Grupos privados nacionais e internacionais têm travado verdadeiras
batalhas para explorar a Previdência Social com o objetivo de
obterem lucros. Assim já acontece com a saúde no País", disse
ele.
Pedroza se queixou dos sucessivos governos, que
levaram o Brasil a assumir a segunda maior dívida pública do mundo,
perdendo apenas para os Estados Unidos. O problema, segundo ele, é
que o Brasil não pode emitir dólares, e acaba se obrigando a
registrar superávits fiscais para honrar compromissos da dívida.
Essa situação, completou, tem levado os governantes brasileiros a
desviarem receitas destinadas ao pagamento de benefícios
previdenciários.
Pedroza atacou ainda a possibilidade de cobrança de
contribuições dos inativos. Ele disse que se uma empresa de
previdência privada continuasse a cobrar uma parcela sobre o
vencimento de seus beneficiários, mesmo depois que esses se
aposentassem, seria processada por estelionato.
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