Deputados visitam Apac de Itaúna, considerada
prisão-modelo
Dois deputados da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia, Roberto Ramos (PFL - vice-presidente) e Mauro Lobo
(PSB), juntamente com o deputado Neider Moreira (PPS), visitaram
nesta quarta-feira (9/4/2003) as instalações da Associação de
Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) de Itaúna, onde cumprem
pena 96 condenados nos regimes fechado, aberto e semi-aberto. A
experiência da Apac de Itaúna difere inteiramente do panorama geral
do sistema penitenciário, porque não registra rebeliões,
maus-tratos, nem desumanização dos presos, além de registrar
reduzido índice de reincidência de seus egressos e baixo custo de
manutenção.
Dois diretores da Apac, Valdeci Ferreira e Sérgio
Elias, prestaram informações aos deputados e os conduziram por todas
as dependências da Apac. Após a visita, cerca de 40 recuperandos se
reuniram numa sala para abençoar os deputados e cantar louvores. Ao
falar para eles, o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos,
deputado Roberto Ramos, admitiu a forte emoção que sentia pela
homenagem, como evangélico e homem público, e que estava
completamente convencido do valor da iniciativa.
O deputado Mauro Lobo elogiou o modelo da Apac, mas
lembrou que, pelo exemplo de outras prisões, a sociedade tem razão
em querê-las bem longe. Criticou, todavia, que a sociedade deixe a
cargo do governo a solução de todos os seus problemas. "Os problemas
só serão resolvidos quando a própria sociedade encontrar o caminho,
e a Apac é um forte exemplo disso", disse.
Neider Moreira, deputado majoritário na cidade,
encerrou afirmando que "a Apac é um exemplo de que a sociedade civil
organizada da Itaúna chamou a si a responsabilidade de resolver o
problema prisional, e esse exemplo tem inspirado outras Apacs no
país e serve de modelo para inúmeros outros países".
Modelo - Esse tipo de
entidade foi concebido há 30 anos por Mário Ottoboni, em São José
dos Campos (SP). Hoje são mais de cem em todo o Brasil, e a de
Itaúna, fundada há 17 anos, é um modelo copiado inclusive por outros
países. Na fachada, uma inscrição informa que a Apac é filiada à
Prison Fellowship International. As paredes internas são forradas de
citações religiosas e de valorização da pessoa, como "mais valem 100
gramas de exemplo do que 100 quilos de palavras", e "todo homem é
maior que a sua culpa".
O método da Apac é baseado no voluntariado da
comunidade, que propicia treinamentos e prática de trabalho,
assistência religiosa, jurídica, médica, odontológica e reforço aos
laços familiares. Quase todo o trabalho administrativo é realizado
pelos próprios reclusos, com o apoio de oito funcionários. Assim,
são os próprios presos quem abrem os portões e cozinham a comida,
por exemplo. Um ex-detento, hoje estudante de Direito, mantém
atualizados os registros de cumprimento de penas, progressão e
recursos. Os administradores frisam que o sucesso do trabalho se
sustenta na compreensão do juiz de execuções penais de Itaúna, Paulo
Antônio de Carvalho.
Recuperação - Não há
policiais ou agentes penitenciários na Apac. O Estado se limita a
custear a alimentação, reforçada pela horta. A Prefeitura de Itaúna
paga água e luz, e cerca de 700 colaboradores doam de R$ 3 a R$ 5
por mês. Outra parte dos recursos vem da fábrica de blocos de
concreto, da marcenaria e de serviços de jardinagem e artesanato.
Cada interno do sistema prisional custa ao contribuinte R$ 1.600
mensais. O custo do preso na Apac está em R$ 336 mensais. O índice
de reincidência dos egressos é de 8,3%, enquanto a média nacional é
de 86%.
Os presos são obrigados a trabalhar, mas não têm
que dividir sua renda com o presídio. Muitos entregam todo o
dinheiro à família, nas visitas dominicais. Até a revista das
mulheres dos presos é feita por mulheres das famílias de outros
presos, evitando maiores constrangimentos. "Ninguém mais do que a
mãe de um preso quer evitar a entrada de drogas na Apac, porque
essas mães sabem que foram as drogas que levaram seu filho para lá",
revela Valdeci Ferreira.
Os administradores da Apac são membros da
comunidade, oriundos de movimentos católicos como os cursilhos, que
resolveram praticar trabalho cristão missionário. "Mas logo
aprendemos que não basta levar religião, porque o preso tem outras
necessidades que antecedem a necessidade de Deus", afirma Valdeci.
Embora muitos presos se sintam tão amparados ali que chamem a Apac
de "mãepac", a disciplina é férrea na obrigação do trabalho, no
combate às drogas, no desestímulo às fugas e na prevenção dos
motins, que é tarefa do Comitê de Sinceridade e Solidariedade,
composto pelos próprios detentos.
Respeito - Arli Venâncio
da Silva, 44 anos, condenado a 17, já passou por várias prisões. "A
diferença é que aqui eles tratam a gente com respeito e carinho,
chamam pelo nome, e ninguém aqui fica jogando o crime da gente na
cara". Dalton Campolina Jr, 45 anos, esteve por oito anos em cadeias
comuns e dois na Penitenciária Nelson Hungria. Na Apac fez curso de
informática, supletivo, jornadas de capacitação e se sente preparado
para enfrentar a vida fora da prisão sem reincidir no crime. "A Apac
também não nos desampara. Continua dando assistência ao egresso e ao
pessoal do semi-aberto, arranjando emprego e orientando", informa.
Kelson Augusto dos Santos, do Comitê de Sinceridade
e Solidariedade, também se queixa da falta de oportunidades de
recuperação nos vários presídios por onde passou: "Tive que conviver
com a superlotação, a falta de respeito, a falta de integridade
física e moral. Eu queria me recuperar, mas eles não deixavam. Eu
fui espancado várias vezes porque queria estudar. Lá eu tinha número
ou apelido. Aqui tenho nome".
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