Direitos Humanos debate desaparecimento de mulheres

Nem as autoridades podem negligenciar as buscas, nem a sociedade pode esquecer a dor e a tristeza dos familiares e am...

19/03/2003 - 18:40
 

Direitos Humanos debate desaparecimento de mulheres

Nem as autoridades podem negligenciar as buscas, nem a sociedade pode esquecer a dor e a tristeza dos familiares e amigos das mulheres desaparecidas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Essa foi a conclusão alcançada após quatro horas de debate entre deputados, autoridades, lideranças feministas e entidades de apoio a familiares de pessoas desaparecidas na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia nesta quarta-feira (19/3/2003).

O presidente da Comissão, deputado Durval Ângelo (PT), abriu a reunião contabilizando 32 casos de mulheres desaparecidas desde 1999 - nenhum deles completamente apurado, com a prisão dos culpados - inclusive a série de oito assassinatos de mulheres na mata da UFMG, cometidos entre 1999 e 2000. Durval Ângelo lembrou que a reunião estava se realizando a requerimento da bancada feminina da Assembléia.

Marília Campos (PT), uma das signatárias do requerimento, agradeceu a agilidade na convocação da reunião e introduziu, ao lado do conceito de banalização, o de legitimação da violência como instrumento de intimidação e de controle social, que estaria impedindo a cidadania das mulheres. A deputada vê, na tolerância e no descaso para com a violência contra as mulheres, a certeza da impunidade do agressor.

A delegada Cristina Coelli Cicarelli Masson, titular da Delegacia de Localização de Pessoas Desaparecidas, disse que lida atualmente com 900 casos de desaparecidos, e uma grande parte se refere a mulheres que abandonam o lar e ao rapto consensual de adolescentes. Citou o caso de uma mulher desaparecida há 14 anos, que poderia ter sido cremada há três anos em Boston, nos Estados Unidos. A delegada falou sobre a série da mata da UFMG, dos corpos encontrados nas matas das Abóboras e do Camargos, e finalizou com o caso da bancária Daniela Cardoso, em junho de 2001, que não estaria vinculado a nenhuma daquelas séries.

Delegado na berlinda - O delegado de Homicídios de Contagem, João da Silva Lisboa, relatou as dificuldades da investigação policial sobre os 13 corpos de mulheres encontrados em sua jurisdição. "Apenas duas dessas mulheres tinham vida regular. As outras eram garotas de programa, cuja vida pregressa é mais complicada para investigar, para se chegar à autoria do crime", disse o policial. Com essa afirmação, João Lisboa tornou-se alvo de críticas das lideranças feministas presentes e dos familiares das vítimas, que lhe pediram para definir o que seria "vida regular" e questionaram se as prostitutas assassinadas não teriam o mesmo valor como seres humanos que as outras mulheres.

Especialista em prostituição na Lagoinha e no Centro de Belo Horizonte, a irmã Lígia Gonçalves Reis, coordenadora da Pastoral da Mulher Marginalizada, traçou um painel opressivo da violência que essas mulheres sofrem desde sua origem no interior de Minas, no Nordeste ou Espírito Santo, começando pelo estupro na própria família, depois o abandono, a violência dos clientes, dos gerentes e dos policiais, que lhes ensina a calar sempre. "Nas salas de apoio que lhes oferecemos, alguém some, mas nenhuma delas denuncia. A morte de uma prostituta pobre é como se tivesse morrido um animal, parece que é um alívio para a sociedade", desabafou a religiosa, que levantou ainda a suspeita do rapto de crianças para o tráfico de órgãos.

"Violência contra mulher é uma epidemia"

Cecília Magalhães Gomes, do Fórum de Mulheres de Belo Horizonte, considera que os dados de violência contra a mulher em Minas e no Brasil configuram "uma verdadeira epidemia". Seria um caso de agressão no lar a cada 15 segundos, e 2.500 mulheres mortas por ano por motivos passionais, o que evidenciaria uma fragilidade das instituições, porque a legislação não pune o assassino como deveria. Cecília cobrou também a concretização da lei 13.432, que cria o Programa Estadual de Albergues para Mulheres Vítimas da Violência, aprovada em 1999.

A platéia se emocionou com o desabafo de Helvécio de Souza Pinheiro, presidente da Associação de Familiares e Amigos de Pessoas Desaparecidas, cuja irmã desapareceu há quatro anos na UFMG. "Não agüentamos esperar mais. Estamos cansados de reuniões e seminários que não resolvem nada. O Estado tem que descobrir essas pessoas, sejam elas prostitutas ou garotas de programa". Helvécio supõe que muitos dos desaparecidos podem estar no próprio Instituto Médico-Legal, sem que o encontro de ossadas seja comunicado, e deplora a penúria dos serviços policiais: "Vamos ser honestos. Está tudo parado, está tudo quebrado, não há dinheiro para fazer diligências. Só quando morre uma autoridade é que se cria uma força-tarefa, como no caso do promotor".

O deputado Célio Moreira (PL), que era vereador em Belo Horizonte à época das investigações das mulheres desaparecidas na mata da UFMG, lembrou que havia muita rivalidade e pouca colaboração entre as equipes de investigação. "Os criminosos deviam estar rindo das autoridades, que não tinham nem mesmo uma viatura, e de nós, políticos", disse o deputado.

O deputado Dalmo Ribeiro Silva (PPB) propôs aumento das penas para esse tipo de crime, para inibir os criminosos, e também a ampliação do conceito de vítima da violência, para fins de proteção e indenização, não só para o cônjuge ou dependentes, mas também para o companheiro, para os pais e até mesmo os amigos da vítima. Comprometeu-se também a cobrar do governo a regulamentação da lei dos albergues para mulheres.

Crimes asquerosos - Mauro Lobo, deputado do PSB, admitiu que, após passar seis anos na Comissão de Orçamento, sentia-se agora mais próximo aos problemas humanos como membro da Comissão de Direitos Humanos. Lembrou, entretanto, que o Estado precisa alcançar o equilíbrio fiscal antes de prometer equipar melhor a Polícia e de atender às demandas priorizadas pela sociedade. Comentando as palavras da irmã Lígia, Lobo disse considerar "o crime de rapto de crianças para retirada de órgãos o mais hediondo e asqueroso que se pode conceber, por pressupor uma organização criminosa por trás".

A vereadora Maria Lúcia Scarpelli, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Belo Horizonte, revelou que uma de suas sobrinhas quase foi vítima do assassino da UFMG, e que, se as autoridades tivessem levado a sério sua denúncia, provavelmente nenhuma mulher teria sido morta ali. Criticando o descaso das autoridades para com a investigação de violência contra as prostitutas, Scarpelli abriu nova vertente, a de violência contra travestis, que nunca era investigada, e citou nominalmente a artista noturna Valquíria La Roche que estaria para ser assassinada a qualquer momento. A vereadora denunciou também que o Conselho Estadual de Direitos Humanos, que funcionou bem no governo Itamar Franco, estaria sendo desmobilizado no atual governo.

Após essa fase, o presidente da Comissão, Durval Ângelo, abriu a palavra para a platéia, e diversos familiares de desaparecidos relataram seu sofrimento com a perda de filhas e irmãs, e sua angústia com a falta de informação e a morosidade das investigações. "Esta reunião tratou da dor de filhos que esperam pela mãe, da dor de mães que querem há anos abraçar suas filhas, e companheiros que esperam por um carinho de suas mulheres. No próximo dia 8 de abril, estaremos com o chefe de polícia, delegado Otto Teixeira, mas não deixarmos ninguém esquecer do que aconteceu, e cuidar para que não torne a acontecer", encerrou o deputado.

Requerimentos - Foram aprovados os requerimentos dos deputados Marília Campos, solicitando audiência pública para discutir "Políticas de gênero e violências contra a mulher" e Roberto Ramos pedindo que o Instituto Médico Legal envie informações sobre o número de ossadas não-identificadas sob sua guarda. Além destes, foram aprovados dois requerimentos do deputado Ricardo Duarte (PT) pedindo ao secretário extraordinário de Reforma Agrária, Marcelo Gonçalves, que acompanhe os conflitos de terra de Santa Vitória, e outro, no mesmo sentido, ao Secretário de Defesa Social, Lúcio Urbano, pedindo punição para os agressores dos sem-terra.

Presenças: Participaram da reunião os deputados Durval Ângelo (PT), presidente da comissão; Roberto Ramos (PFL), vice-presidente; Mauro Lobo (PSB); Marília Campos (PT); Célio Moreira (PL); Dalmo Ribeiro Silva (PPB); Maria Tereza Lara (PT) e Jô Moraes (PCdoB). Além deles, estavam presentes Antônio Gama Júnior, assessor da Ouvidoria de Polícia; Cristina Coelli Cicarelli Masson, delegada de Pessoas Desaparecidas; João da Silva Lisboa, delegado de Homicídios de Contagem; Irmã Lígia Gonçalves Reis, coordenadora da Pastoral da Mulher Marginalizada; Helvécio de Souza Pinheiro, presidente da Afago; Maria Lúcia Scarpelli, vereadora presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de BH; Maria Isabel Ramos de Siqueira, diretora do Conselho Estadual da Mulher.

 

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