Comunidade negra encaminhará reivindicações ao novo
governo
A Comissão de Educação, Cultura, Ciência e
Tecnologia realizou, nesta quarta-feira (20/11/2002), audiência
pública para comemorar o Dia da Consciência Negra e discutir, com
representantes de diversas entidades, propostas de políticas
públicas voltadas para a comunidade negra. Nos próximos dias, o
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de
Minas Gerais (Uemg) irá reunir as sugestões e reivindicações
recebidas durante a reunião e elaborar um documento a ser
encaminhado ao governador eleito Aécio Neves, conforme afirmou o
professor do Núcleo, Vicente Oliveira.
"Um projeto governamental é essencial para refletir
e melhorar a situação do negro em Minas Gerais. É preciso abolir de
vez os preconceitos e os clichês que sofremos", disse o professor. O
membro da equipe de transição do novo governo, Luiz Aureliano Gama
Andrade, informou que Aécio Neves reconhece esse tema como
prioritário. Elilúcia Gonçalves, que também integra o grupo de
transição, ressaltou que as comunidades negras devem aproveitar o
momento histórico e encaminhar as reivindicações de políticas
públicas específicas - que estão sendo analisadas até 15 de dezembro
pela equipe. "O novo governo tem que estar presente nas questões
vividas pela raça negra, para dar-lhes mais oportunidades", afirmou
o presidente da comissão, deputado Paulo Piau (PFL).
Saúde e educação devem ser prioridades
Os principais assuntos discutidos pelos
participantes foram os ligados à saúde, educação e cultura. "A
saúde, em especial, deve vir antes de tudo. Existem duas graves
doenças, por exemplo, que, apesar de terem grande incidência na raça
negra, não são conhecidas pela comunidade: a anemia falciforme e o
vírus linfotrópico humano", lembrou a presidente do Hemominas, Anna
Bárbara de Freitas Proietti. De acordo com ela, as doenças podem ser
detectadas preventivamente, por exames como pré-natal e "teste do
pezinho".
No caso da anemia falciforme, doença que está
presente em 77 de cada 100 mil pessoas no Brasil e que pode acometer
todo o organismo humano, a detecção a partir dos cinco anos de idade
já torna difícil a possibilidade de cura. Já o vírus linfotrópico
humano, conhecido como HTLV, caracteriza-se por estar presente em
países que receberam escravos africanos; no Brasil, a incidência
atinge todos os estados. Para a médica Bernardete Catalan, o novo
governo deve investir em medidas preventivas e, acima de tudo, na
conscientização da sociedade. "Também é importante criar centros de
referência para combater essas doenças", completou.
Educação e cultura também são discutidos na
reunião
Outro tema de destaque na reunião foi a necessidade
de promover a educação escolar nas comunidades negras, sem anular,
no entanto, os elementos típicos dessa cultura. O secretário adjunto
da Secretaria de Estado da Cultura, Erildo do Nascimento,
classificou a realidade do ensino no país como perversa, já que a
legislação garante a educação fundamental gratuita para qualquer
cidadão, mas deixa lacunas na formação infantil e no ensino médio.
"Além disso, para nós, negros, o analfabetismo ainda é o principal
problema, como em muitas cidades no Vale do Jequitinhonha e no Norte
de Minas", criticou.
O secretário adjunto lembrou ainda o problema dos
dialetos africanos, criados pelos negros desde a chegada ao Estado,
que estariam desaparecendo sem qualquer política pública visando
estudá-los ou preservá-los. O chefe da gabinete da Secretaria, José
Eduardo Liboreiro, acrescentou: "A educação precisa ser vinculada às
artes e à cultura, de forma a identificar e valorizar as expressões
da cultura negra, que constituem as bases da cultura mineira e
brasileira".
Incentivo à cultura - De
acordo com ele, existem programas voltados à valorização da
identidade cultural de segmentos sociais, porém os grupos
organizados têm dificuldades de acesso a esses instrumentos. A
solução seria que a Lei Estadual de Incentivo à Cultura dispusesse
de um fundo gerido por segmentos sociais, além da Secretaria de
Estado da Cultura, para priorizar a execução de projetos culturais
diversos e não só os que possuem apelo comercial. "Contamos com a
participação da Assembléia nesse sentido", afirmou.
As manifestações artísticas foram destaque,
inclusive, na reunião. A cantora lírica Elizete Gomes abriu o
encontro, cantando o Hino Nacional e uma ópera. A performance
do cantor, instrumentista e compositor Marku Ribas enfocou as
origens e as características da cultura negra e indígena. Uma
apresentação do grupo de dança afro da professora Marlene Silva
marcou o encerramento.
Representantes da comunidade cobram mudanças
Na fase de debates, diversos representantes das
comunidades negras usaram a palavra para manifestar-se sobre os
problemas que os atingem e cobrar soluções do governo eleito. Milton
Dante, presidente de uma associação que reúne familiares daqueles
que sofrem de anemia falciforme, afirmou que faltam responsabilidade
política e treinamento de profissionais, além de informações e
aconselhamento genético. Segundo ele, 25% dos pacientes de até cinco
anos morrem, porque não há políticas públicas adequadas nem
responsabilidade dos governantes para resolver a questão. A
expectativa de vida dos pacientes é de 16 a 30 anos. Já nos Estados
Unidos, Jamaica e Cuba, é de 57 anos. Cobrou, ainda, a
regulamentação da Lei 14.088/2001, que dispõe sobre a prestação de
aconselhamento genético e assistência médica integral aos portadores
de traço e de anemia falciformes.
A professora Rosa Margarida de Carvalho cobrou a
requalificação dos profissionais da educação para trabalharem a
questão racial. "A escola tem sido um ambiente inibidor na
construção da identidade da criança negra", criticou, além de
lamentar a presença reduzida de representantes das comunidades
negras na reunião e de autoridades. Referindo-se aos benefícios da
capoeira - mencionados antes pelo mestre Raimundo Ferreira, a
professora relatou que alfabetizou adolescentes com a ajuda das
ladainhas da capoeira. Já o presidente da Comunidade Negra dos
Arturos, João Batista, criticou o fato de o congado só ser lembrado
na Semana Nacional do Folclore. "Precisamos de aproximação entre o
poder público, os congadeiros, os grupos de capoeira e outras
manifestações culturais", completou. A comunidade tem 123 anos de
existência e congrega 289 pessoas.
Já o secretário adjunto da Secretaria de Estado da
Justiça e dos Direitos Humanos, Manoel Conegundes, disse acreditar
que é necessário divulgar os valores que dizem respeito à dignidade
e aos direitos humanos. Ao final da reunião, o deputado Dalmo
Ribeiro Silva (PPB), que estava na presidência, afirmou que a
preocupação da comissão é com a dignidade humana e a cidadania. Ele
disse acreditar que a comunidade negra terá voz e vez na gestão
Aécio Neves.
A audiência compõe a programação da IV Semana da
Consciência Negra, promovida pela Universidade do Estado de Minas
Gerais (Uemg), por meio do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, em
parceria com a Assembléia e com o Conselho Estadual de Participação
e Integração da Comunidade.
Presenças - Participaram da
reunião os deputados Paulo Piau (PFL), presidente da Comissão, Dalmo
Ribeiro Silva (PPB), José Henrique (PMDB) e Sebastião Navarro (PFL),
além de representantes de entidades ligadas à comunidade negra e de
órgãos públicos, além do ex-reitor da Uemg, Aluísio Pimenta.
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