Assembléia de Minas é palco de debates sobre
biotecnologia
Apesar de os defensores do uso extensivo da
biotecnologia terem sido presença majoritária no Fórum Técnico "A
Biotecnologia e Você: Mitos, Verdades e Fatos", promovido pela
Assembléia Legislativa de Minas Gerais (Alemg), os participantes
presenciaram o levantamento de diversas questões polêmicas sobre o
assunto. O fórum aconteceu na última quarta-feira (18/9/2002), no
Plenário da Alemg, em Belo Horizonte.
O primeiro questionamento foi do professor de
Ecologia de Desenvolvimento Rural do Centro Universitário de Belo
Horizonte (Uni-BH), Carlos Eduardo Mazzeto Silva, que criticou a
necessidade de seguir políticas adotadas em outros países,
principalmente os EUA. Ele fez o comentário em resposta à fala do
pesquisador da UFMG e da Universidade de Harvard, Francisco Vidal
Barbosa, que defendeu a importância da biotecnologia para o
desenvolvimento econômico, alegando que, na década de 90, mais de
60% dos empregos naquele país foram gerados por novas empresas,
principalmente de biotecnologia.
Na opinião de Mazzeto Silva, o modelo
norte-americano é de "desenvolvimento insustentável". "O planeta não
tem recursos ambientais disponíveis para acompanhar o ritmo do
desenvolvimentismo proposto em nome de um capital global, sem
qualquer referência ética", observou o professor da Uni-BH. Para
Vidal Barbosa, no entanto, a biotecnologia "tem tudo a ver com
prosperidade, novos empregos, segurança nacional, independência
científica e tecnológica e desenvolvimento".
Vidal Barbosa perguntou por que a biotecnologia não
é questionada quando aplicada ao desenvolvimento de vacinas e
drogas, mas somente aos alimentos. "Quando utilizam a biotecnologia
para os alimentos todos ficam assustados. Não devem. Precisamos,
sim, expor os fatos", ponderou. Ele citou o Estado de Massachusetts,
nos EUA, como sucesso na aplicação de biotecnologia. Segundo o
pesquisador, lá existe uma "Comunidade de Biotecnologia" que conta
com apoio do governo, em interação com as universidades e as
empresas. "Esses três setores sentam e discutem juntos, pensando na
geração de empregos e riqueza. Gostaria que nossos políticos
estudassem esse caso americano", sugeriu.
Impactos da biotecnologia no meio ambiente também
são debatidos
Durante o painel "Os impactos da biotecnologia no
meio ambiente", tema do quarto painel do fórum técnico, o presidente
da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Willer Hudson Pós,
citou o Pró-Álcool como um "exemplo clássico" de biotecnologia que
deu certo no Brasil. De acordo com ele, a aplicação do projeto gerou
empregos e reduziu o impacto ambiental. Para Willer Pós, fatores
como o potencial agrícola brasileiro e a extensão do território são
favoráveis ao progresso desse tipo de tecnologia no País.
Já o diretor de Meio Ambiente e Saúde do Sindicato
das Empresas de Base Tecnológica (Sindbio), Luiz Mário Queiroz Lima,
defendeu a utilização da biotecnologia para solucionar o problema
dos lixões no Brasil. Segundo Lima, a biotecnologia deve ser
desenvolvida porque é uma ferramenta de custo acessível para
problemas como os resíduos domésticos e ambientais.
O professor da UFMG Sérvio Pontes, doutor em
Ecologia, alertou, no entanto, para os riscos dos possíveis impactos
da biotecnologia nos ambientes tropicais e defendeu pesquisas para
que sejam avaliados as suas conseqüências. "Não há investimento para
que sejam realizados estudos sobre os organismos geneticamente
modificados em países subdesenvolvidos", afirmou.
O professor destacou que a utilização da
biotecnologia para a resolução de problemas como a fome em países
pobres não é discutida. Pontes ponderou, ainda, se o desenvolvimento
da biotecnologia no Brasil traria benefícios para o País. "Até agora
o que se sabe é que as empresas que possuem as patentes das sementes
lucram muito com esse negócio, mas não se sabe se o governo terá
controle sobre essa produção ou mesmo se a população pode ser
prejudicada", afirmou.
Evento registra opiniões distintas sobre a eficácia
da legislação existente
A eficácia da legislação brasileira sobre
biotecnologia e a atuação da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio) também dividiram as opiniões dos
especialistas que participaram do fórum técnico. Durante o painel
que abordou o tema "Biotecnologia e aspectos legais", Eder Luiz
Bolson, presidente da Associação dos Produtores de Sementes e Mudas
de Minas Gerais, disse que o Brasil não está desamparado no que diz
respeito à legislação sobre biotecnologia, pois a Lei Federal
8.794/95, que regula o uso de Organismos Geneticamente Modificados
(OGMs) no País e criou a CTNBio, atende ao objetivo de minimizar os
riscos potenciais para os seres humanos e para o meio ambiente.
Já na opinião de Sílvio Valle, coordenador dos
cursos de Biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a lei
restringe-se a regulamentar a questão dos transgênicos e não trata
adequadamente dos assuntos ligados à biossegurança, ao mesmo tempo
em que a CTNBio não consegue controlar os experimentos transgênicos
no País.
Hoje, tramitam no Congresso Nacional nada menos que
25 projetos de lei, duas propostas de emenda à Constituição, um
substitutivo e dois projetos de decretos legislativos relativos à
biotecnologia e à biossegurança. A Lei Federal 8.794, de 6 de
janeiro de 1995, estabelece normas de segurança e mecanismos de
fiscalização quanto à construção, cultivo, manipulação, transporte,
comercialização, consumo, liberação e descarte de OGMs. Cabe à
CTNBio, integrada por 36 membros representantes da sociedade civil,
da área científica e do governo, decidir se a produção de um OGM
pode ser liberada.
Segundo Sílvio Valle, artigos importantes da lei
aprovada pelo Congresso Nacional em 1995, conhecida como "Lei de
Biossegurança", teriam sido vetados pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso, e hoje há um caos no setor. "Não existe política
de biossegurança no Brasil", analisou.
Já o presidente da Associação de Produtores de
Sementes e Mudas, Eder Luiz Bolson, defendeu a atuação da CTNBio,
afirmando que os transgênicos são "mais testados que os alimentos
convencionais e que os agrotóxicos" e que não há, no mundo,
registros de problemas médicos acarretados pelo consumo de OGMs.
Eder Bolson afirmou ainda que, atualmente, entre
65% a 70% da soja plantada no Rio Grande do Sul é transgênica, sendo
as sementes contrabandeadas da Argentina. "Hoje, com certeza já
consumimos óleo de soja transgênico", disse. Bolson refutou também
as alegações de que há risco de monopólio no setor biotecnológico.
"Em 1930, quando o milho híbrido foi lançado nos Estados Unidos,
também se falou em monopólio, mas isso não aconteceu", completou,
pedindo a injeção de recursos nas pesquisas.
Ação judicial - Roberta
Jardim de Morais, assessora adjunta para Assuntos Internacionais do
Governo do Estado de Minas Gerais, criticou as ações judiciais
contrárias à liberação, pela CTNBio, do plantio de soja transgênica
no País. Segundo ela, as ações foram ajuizadas sob alegação de que a
comercialização de produtos geneticamente modificados no Brasil não
era regulamentada, e um juiz concedeu liminar suspendendo o comércio
de soja transgênica. Posteriormente, em primeira instância, houve
sentença vedando o plantio comercial de qualquer tipo de OGM.
Atualmente, o processo está em segunda instância, no Tribunal
Regional Federal (TRF), e a juíza relatora, após estudar a questão
da biotecnologia, concluiu que a CTNBio estava correta ao liberar o
plantio da soja transgênica. Outros dois juízes pediram vista do
voto da juíza, e o assunto ainda está pendente. Para Roberta Morais,
é preciso haver diálogo entre as áreas jurídica e científica, a fim
de ter uma legislação mais clara, que não dê margem a duplas
interpretações e permita o fortalecimento do sistema de
biossegurança. "Talvez seja o caso de transformar a CTNBio em uma
agência reguladora", sugeriu.
Biossegurança - Outro
expositor do painel, o professor Aluízio Borém, do Departamento de
Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), falou sobre os
impactos da bioética na ciência e na sociedade. "Hoje, já é possível
escolher o sexo do bebê, mas, amanhã, outras características também
poderão ser selecionadas a priori", assinalou. De acordo com ele, a
questão dos transgênicos engloba aspectos de soberania tecnológica,
econômicos, morais e até mesmo religiosos, mas o principal é a
preocupação com a biossegurança, que envolve avaliação de riscos
para a segurança alimentar e para o meio ambiente. "É necessário
assegurar a biossegurança antes de se colocar um produto no
mercado", defendeu.
Discussões éticas devem acompanhar aplicações da
moderna tecnologia
"Hoje o homem pode se tornar um segundo Deus, já
que tem a capacidade de criar seres que não existem na natureza". A
afirmação foi feita pelo diretor científico da Fundação de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Naftale Katz, durante o debate
sobre os impactos da biotecnologia na saúde. Além da possibilidade
de criar novas formas de vida, o pesquisador destacou outras
aplicações práticas da biotecnologia, como o diagnóstico precoce de
doenças. Através de exames de DNA, já é possível prever a
predisposição a anomalias genéticas e a resistência a infecções.
Mas, na opinião de Katz, a utilização da
biotecnologia para esses fins deve ser acompanhada de discussões
éticas. Ele citou o exemplo de algumas empresas que começam a exigir
de seus funcionários a realização de exames para detectar a
predisposição genética a doenças graves, como câncer. "Isso é
moralmente correto?", questionou.
Outro uso polêmico da biotecnologia é a produção em
série de células-tronco. Como essas células são indiferenciadas, têm
alta capacidade de reprodução. A produção de células-tronco pode ser
uma alternativa de recuperação de tecidos danificados, como a medula
óssea. Pessoas que ficaram paraplégicas, por exemplo, poderiam ter a
medula reconstituída e recuperar os movimentos por meio da terapia
das células-tronco, que são obtidas a partir de embriões humanos.
"Nós vamos ter casais produzindo embriões só para isso? Estamos
autorizados a interromper vidas? Eticamente é muito complicado",
afirmou Katz.
É por isso que o diretor da Fapemig se coloca a
favor da biotecnologia com parcimônia, sempre levando em
consideração as implicações éticas do avanço tecnológico. "Não
deveríamos evitar o estudo dos transgênicos, mas temos que fazê-lo
com cuidado. Não podemos pensar só no lucro, mas também na função
social que a ciência deve ter", lembrou.
Professor da UFMG e diretora da Sociedade de
Bioética têm opiniões divergentes
A utilização da biotecnologia como forma de
impulsionar o desenvolvimento econômico foi defendida pelo professor
Roberto Machado, da Escola de Veterinária da UFMG. "Minha posição é
defender uma ciência com ética e nacionalismo, para sermos
independentes. Não podemos mais tolerar a dependência tecnológica,
precisamos banir esse sentimento de subserviência e partir para a
geração de conhecimento. Para isso nós já temos massa crítica e
condições tecnológicas", afirmou. "O cientista não pode ficar
filosofando sobre tudo, pois isso impede o avanço da ciência. É
preciso unir o pensamento filosófico com a solução de problemas",
defendeu.
A postura de Machado foi criticada pela diretora da
Sociedade Brasileira de Bioética, Maria de Fátima Oliveira. "É
ridículo ouvir um cientista dizer que não quer saber de filosofia.
Temos o dever moral de não banalizar a vida e aprender filosofia,
que é a mãe de todas as ciências." Fátima lamentou a ausência de
estudos conclusivos sobre os efeitos da ingestão de alimentos
geneticamente modificados, os transgênicos. "Mente quem diz que faz
mal e também mente quem diz que faz bem. O que há até agora são
indícios de que a ingestão de alimentos transgênicos não é
benéfica", afirmou. Entre esses malefícios, estão a possibilidade de
alergias, diminuição da resistência a infecções e aumento da
resistência a antibióticos.
A pesquisadora também alertou para o risco dos
remédios geneticamente modificados. Segundo ela, até hoje não foram
feitas pesquisas sobre os efeitos colaterais da insulina humana
(transgênica), comercializada desde 1987. Essa substância,
indispensável para diabéticos, é produzida a partir da implantação
de um gene na bactéria Escherichia coli. Ao contrário da
insulina animal, a transgênica pode causar o fenômeno conhecido como
"insconsciência da hipoglicemia", que pode até levar à morte, uma
vez que a pessoa não apresenta os sintomas da hipoglicemia.
Crítica - Fátima não
poupou também a Assembléia Legislativa, que, para ela, não vem
discutindo esse assunto com todos os setores da sociedade. "A casa
do povo tem o dever moral de abrigar todos os segmentos sociais.
Espero que a Assembléia jamais cometa outro erro como esse."
Participantes do fórum fazem questionamentos a
pesquisadores e técnicos
A fase de debates do Fórum Técnico também
revelou-se um momento de confronto de opiniões entre aqueles que
apóiam a produção de alimentos transgênicos e os que indagam sobre
seus efeitos e querem mais informações sobre os organismos
geneticamente modificados (OGMs).
Questionado sobre os riscos à saúde que produtos
modificados poderiam provocar, o representante da Fundação de Amparo
à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Naftale Katz, argumentou que
qualquer medicamento tem efeito colateral e que é preciso saber o
que é bom ou ruim na técnica para, então, aplicá-la com cuidado.
Já o professor Roberto Machado Silva, da UFMG,
questionado sobre as formas de mudar o conceito negativo que os
transgênicos têm atualmente, disse que "a imprensa é mal orientada,
muitas vezes por culpa do próprio cientista ou por
contra-informações cujo objetivo é inviabilizar projetos".
Maria de Fátima Oliveira afirmou que a clonagem e a
transgenia são biotecnologias rudimentares e inseguras. Defendeu,
portanto, que os cientistas informem mais sobre o assunto a
sociedade - que paga suas pesquisas - e não apenas prestem contas a
seus pares.
O representante do Sindicato das Empresas de Base
Biotecnológica no Estado (Sindbio), Wilhelmus Uitdewilligen,
apresentou diversos números para demonstrar que a produção comercial
de alimentos transgênicos é sinônimo de maior produtividade,
conquista de mercados e mais receita para a agricultura.
O chefe do Departamento de Pesquisa e
Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), Maurício Antônio Lopes, também defendeu a produção de
transgênicos. Segundo ele, a empresa é a que mais desenvolve esforço
em biotecnologia no Brasil - e não as multinacionais. Informou que
há resultados positivos com mamão, milho, soja e feijão
transgênicos, entre outros.
Conselho Regional - Estudantes de biotecnologia apresentaram, ao final do evento,
moção de apoio à criação de um grupo de trabalho para estudar a
viabilidade legal de um Conselho Regional de Biotecnologia. Na
moção, lida em Plenário, eles defendem o reconhecimento do
biotecnologista e a definição do perfil e funções desse
profissional.
No encerramento do fórum técnico, o deputado
Eduardo Hermeto (PFL), que coordenou o último painel, ressaltou que
a Alemg sempre promoveu debates de forma democrática, com a
participação de todos os segmentos envolvidos no tema abordado,
sendo nacionalmente reconhecida por esse motivo. Ele agradeceu,
ainda, o Sindbio e a Fiemg, parceiros na realização do evento. Já o
deputado Edson Rezende (PT) ponderou que nenhuma inovação
tecnológica teve tanta oportunidade de ser debatida como a
biotecnologia.
O secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de
Minas Gerais, Antônio Salustiano Machado, presente na abertura do
evento, afirmou que a biotecnologia é estratégica para o
desenvolvimento nacional. "Não é fácil exportar bens primários. A
competitividade está na produção de bens agregados. Enquanto o povo
não souber fazer uso do conhecimento para agregar valor aos nossos
produtos, o país não terá o desenvolvimento necessário",
afirmou.
Os debates do fórum técnico foram coordenados pelos
deputados José Milton (PL), Eduardo Hermeto (PFL) e Edson Rezende
(PT).
Potencial - Minas Gerais é
considerado o maior pólo potencial de biotecnologia na América
Latina, segundo a presidente do Sindicato das Empresas de Base
Biotecnológica do Estado de Minas Gerais (Sindbio), Hélen Aguiar
Lima. Influem para isso, segundo ela, o clima, temperatura, altitude
e localização estratégica no Brasil. Os dados apresentados por ela
indicam que, das 5,5 mil empresas de biotecnologia do Brasil, 750
estão em Minas Gerais, produzindo 90 mil empregos diretos e um
faturamento de R$ 3,5 bilhões, no ano passado.
Histórico - O Fórum
Técnico "A Biotecnologia e Você: Mitos, Verdades e Fatos", teve uma
etapa de interiorização entre o final de agosto e início de
setembro, quando aconteceram quatro reuniões em cidades-pólo do
Estado: Passos (28/8), Montes Claros (30/8), Barbacena (4/9) e
Uberaba (11/9). O fórum é uma parceria entre a Assembléia
Legislativa de Minas Gerais, o Sindicato das Empresas de Base
Biotecnológica no Estado (Sindbio) e a Federação das Indústrias
(Fiemg), além de organizações governamentais e não-governamentais e
associações.
Reprise e publicação no "Minas Gerais" - As notas taquigráficas do fórum técnico serão
publicadas no Diário Oficial "Minas Gerais/Diário do Legislativo" no
dia 5 de outubro. Já a TV Assembléia (canal 11 do sistema a cabo, em
Belo Horizonte) vai reprisar o evento nesta segunda-feira (23/9). A
partir das 8h30, a reprise é dos debates da manhã; e a partir das
14h20 é a vez da programação da tarde.
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