Assembléia de Minas é palco de debates sobre biotecnologia

Apesar de os defensores do uso extensivo da biotecnologia terem sido presença majoritária no Fórum Técnico "A Biotecn...

19/09/2002 - 13:01
 

Assembléia de Minas é palco de debates sobre biotecnologia

Apesar de os defensores do uso extensivo da biotecnologia terem sido presença majoritária no Fórum Técnico "A Biotecnologia e Você: Mitos, Verdades e Fatos", promovido pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais (Alemg), os participantes presenciaram o levantamento de diversas questões polêmicas sobre o assunto. O fórum aconteceu na última quarta-feira (18/9/2002), no Plenário da Alemg, em Belo Horizonte.

O primeiro questionamento foi do professor de Ecologia de Desenvolvimento Rural do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), Carlos Eduardo Mazzeto Silva, que criticou a necessidade de seguir políticas adotadas em outros países, principalmente os EUA. Ele fez o comentário em resposta à fala do pesquisador da UFMG e da Universidade de Harvard, Francisco Vidal Barbosa, que defendeu a importância da biotecnologia para o desenvolvimento econômico, alegando que, na década de 90, mais de 60% dos empregos naquele país foram gerados por novas empresas, principalmente de biotecnologia.

Na opinião de Mazzeto Silva, o modelo norte-americano é de "desenvolvimento insustentável". "O planeta não tem recursos ambientais disponíveis para acompanhar o ritmo do desenvolvimentismo proposto em nome de um capital global, sem qualquer referência ética", observou o professor da Uni-BH. Para Vidal Barbosa, no entanto, a biotecnologia "tem tudo a ver com prosperidade, novos empregos, segurança nacional, independência científica e tecnológica e desenvolvimento".

Vidal Barbosa perguntou por que a biotecnologia não é questionada quando aplicada ao desenvolvimento de vacinas e drogas, mas somente aos alimentos. "Quando utilizam a biotecnologia para os alimentos todos ficam assustados. Não devem. Precisamos, sim, expor os fatos", ponderou. Ele citou o Estado de Massachusetts, nos EUA, como sucesso na aplicação de biotecnologia. Segundo o pesquisador, lá existe uma "Comunidade de Biotecnologia" que conta com apoio do governo, em interação com as universidades e as empresas. "Esses três setores sentam e discutem juntos, pensando na geração de empregos e riqueza. Gostaria que nossos políticos estudassem esse caso americano", sugeriu.

Impactos da biotecnologia no meio ambiente também são debatidos

Durante o painel "Os impactos da biotecnologia no meio ambiente", tema do quarto painel do fórum técnico, o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Willer Hudson Pós, citou o Pró-Álcool como um "exemplo clássico" de biotecnologia que deu certo no Brasil. De acordo com ele, a aplicação do projeto gerou empregos e reduziu o impacto ambiental. Para Willer Pós, fatores como o potencial agrícola brasileiro e a extensão do território são favoráveis ao progresso desse tipo de tecnologia no País.

Já o diretor de Meio Ambiente e Saúde do Sindicato das Empresas de Base Tecnológica (Sindbio), Luiz Mário Queiroz Lima, defendeu a utilização da biotecnologia para solucionar o problema dos lixões no Brasil. Segundo Lima, a biotecnologia deve ser desenvolvida porque é uma ferramenta de custo acessível para problemas como os resíduos domésticos e ambientais.

O professor da UFMG Sérvio Pontes, doutor em Ecologia, alertou, no entanto, para os riscos dos possíveis impactos da biotecnologia nos ambientes tropicais e defendeu pesquisas para que sejam avaliados as suas conseqüências. "Não há investimento para que sejam realizados estudos sobre os organismos geneticamente modificados em países subdesenvolvidos", afirmou.

O professor destacou que a utilização da biotecnologia para a resolução de problemas como a fome em países pobres não é discutida. Pontes ponderou, ainda, se o desenvolvimento da biotecnologia no Brasil traria benefícios para o País. "Até agora o que se sabe é que as empresas que possuem as patentes das sementes lucram muito com esse negócio, mas não se sabe se o governo terá controle sobre essa produção ou mesmo se a população pode ser prejudicada", afirmou.

Evento registra opiniões distintas sobre a eficácia da legislação existente

A eficácia da legislação brasileira sobre biotecnologia e a atuação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) também dividiram as opiniões dos especialistas que participaram do fórum técnico. Durante o painel que abordou o tema "Biotecnologia e aspectos legais", Eder Luiz Bolson, presidente da Associação dos Produtores de Sementes e Mudas de Minas Gerais, disse que o Brasil não está desamparado no que diz respeito à legislação sobre biotecnologia, pois a Lei Federal 8.794/95, que regula o uso de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) no País e criou a CTNBio, atende ao objetivo de minimizar os riscos potenciais para os seres humanos e para o meio ambiente.

Já na opinião de Sílvio Valle, coordenador dos cursos de Biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a lei restringe-se a regulamentar a questão dos transgênicos e não trata adequadamente dos assuntos ligados à biossegurança, ao mesmo tempo em que a CTNBio não consegue controlar os experimentos transgênicos no País.

Hoje, tramitam no Congresso Nacional nada menos que 25 projetos de lei, duas propostas de emenda à Constituição, um substitutivo e dois projetos de decretos legislativos relativos à biotecnologia e à biossegurança. A Lei Federal 8.794, de 6 de janeiro de 1995, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização quanto à construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de OGMs. Cabe à CTNBio, integrada por 36 membros representantes da sociedade civil, da área científica e do governo, decidir se a produção de um OGM pode ser liberada.

Segundo Sílvio Valle, artigos importantes da lei aprovada pelo Congresso Nacional em 1995, conhecida como "Lei de Biossegurança", teriam sido vetados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, e hoje há um caos no setor. "Não existe política de biossegurança no Brasil", analisou.

Já o presidente da Associação de Produtores de Sementes e Mudas, Eder Luiz Bolson, defendeu a atuação da CTNBio, afirmando que os transgênicos são "mais testados que os alimentos convencionais e que os agrotóxicos" e que não há, no mundo, registros de problemas médicos acarretados pelo consumo de OGMs.

Eder Bolson afirmou ainda que, atualmente, entre 65% a 70% da soja plantada no Rio Grande do Sul é transgênica, sendo as sementes contrabandeadas da Argentina. "Hoje, com certeza já consumimos óleo de soja transgênico", disse. Bolson refutou também as alegações de que há risco de monopólio no setor biotecnológico. "Em 1930, quando o milho híbrido foi lançado nos Estados Unidos, também se falou em monopólio, mas isso não aconteceu", completou, pedindo a injeção de recursos nas pesquisas.

Ação judicial - Roberta Jardim de Morais, assessora adjunta para Assuntos Internacionais do Governo do Estado de Minas Gerais, criticou as ações judiciais contrárias à liberação, pela CTNBio, do plantio de soja transgênica no País. Segundo ela, as ações foram ajuizadas sob alegação de que a comercialização de produtos geneticamente modificados no Brasil não era regulamentada, e um juiz concedeu liminar suspendendo o comércio de soja transgênica. Posteriormente, em primeira instância, houve sentença vedando o plantio comercial de qualquer tipo de OGM. Atualmente, o processo está em segunda instância, no Tribunal Regional Federal (TRF), e a juíza relatora, após estudar a questão da biotecnologia, concluiu que a CTNBio estava correta ao liberar o plantio da soja transgênica. Outros dois juízes pediram vista do voto da juíza, e o assunto ainda está pendente. Para Roberta Morais, é preciso haver diálogo entre as áreas jurídica e científica, a fim de ter uma legislação mais clara, que não dê margem a duplas interpretações e permita o fortalecimento do sistema de biossegurança. "Talvez seja o caso de transformar a CTNBio em uma agência reguladora", sugeriu.

Biossegurança - Outro expositor do painel, o professor Aluízio Borém, do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), falou sobre os impactos da bioética na ciência e na sociedade. "Hoje, já é possível escolher o sexo do bebê, mas, amanhã, outras características também poderão ser selecionadas a priori", assinalou. De acordo com ele, a questão dos transgênicos engloba aspectos de soberania tecnológica, econômicos, morais e até mesmo religiosos, mas o principal é a preocupação com a biossegurança, que envolve avaliação de riscos para a segurança alimentar e para o meio ambiente. "É necessário assegurar a biossegurança antes de se colocar um produto no mercado", defendeu.

Discussões éticas devem acompanhar aplicações da moderna tecnologia

"Hoje o homem pode se tornar um segundo Deus, já que tem a capacidade de criar seres que não existem na natureza". A afirmação foi feita pelo diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Naftale Katz, durante o debate sobre os impactos da biotecnologia na saúde. Além da possibilidade de criar novas formas de vida, o pesquisador destacou outras aplicações práticas da biotecnologia, como o diagnóstico precoce de doenças. Através de exames de DNA, já é possível prever a predisposição a anomalias genéticas e a resistência a infecções.

Mas, na opinião de Katz, a utilização da biotecnologia para esses fins deve ser acompanhada de discussões éticas. Ele citou o exemplo de algumas empresas que começam a exigir de seus funcionários a realização de exames para detectar a predisposição genética a doenças graves, como câncer. "Isso é moralmente correto?", questionou.

Outro uso polêmico da biotecnologia é a produção em série de células-tronco. Como essas células são indiferenciadas, têm alta capacidade de reprodução. A produção de células-tronco pode ser uma alternativa de recuperação de tecidos danificados, como a medula óssea. Pessoas que ficaram paraplégicas, por exemplo, poderiam ter a medula reconstituída e recuperar os movimentos por meio da terapia das células-tronco, que são obtidas a partir de embriões humanos. "Nós vamos ter casais produzindo embriões só para isso? Estamos autorizados a interromper vidas? Eticamente é muito complicado", afirmou Katz.

É por isso que o diretor da Fapemig se coloca a favor da biotecnologia com parcimônia, sempre levando em consideração as implicações éticas do avanço tecnológico. "Não deveríamos evitar o estudo dos transgênicos, mas temos que fazê-lo com cuidado. Não podemos pensar só no lucro, mas também na função social que a ciência deve ter", lembrou.

Professor da UFMG e diretora da Sociedade de Bioética têm opiniões divergentes

A utilização da biotecnologia como forma de impulsionar o desenvolvimento econômico foi defendida pelo professor Roberto Machado, da Escola de Veterinária da UFMG. "Minha posição é defender uma ciência com ética e nacionalismo, para sermos independentes. Não podemos mais tolerar a dependência tecnológica, precisamos banir esse sentimento de subserviência e partir para a geração de conhecimento. Para isso nós já temos massa crítica e condições tecnológicas", afirmou. "O cientista não pode ficar filosofando sobre tudo, pois isso impede o avanço da ciência. É preciso unir o pensamento filosófico com a solução de problemas", defendeu.

A postura de Machado foi criticada pela diretora da Sociedade Brasileira de Bioética, Maria de Fátima Oliveira. "É ridículo ouvir um cientista dizer que não quer saber de filosofia. Temos o dever moral de não banalizar a vida e aprender filosofia, que é a mãe de todas as ciências." Fátima lamentou a ausência de estudos conclusivos sobre os efeitos da ingestão de alimentos geneticamente modificados, os transgênicos. "Mente quem diz que faz mal e também mente quem diz que faz bem. O que há até agora são indícios de que a ingestão de alimentos transgênicos não é benéfica", afirmou. Entre esses malefícios, estão a possibilidade de alergias, diminuição da resistência a infecções e aumento da resistência a antibióticos.

A pesquisadora também alertou para o risco dos remédios geneticamente modificados. Segundo ela, até hoje não foram feitas pesquisas sobre os efeitos colaterais da insulina humana (transgênica), comercializada desde 1987. Essa substância, indispensável para diabéticos, é produzida a partir da implantação de um gene na bactéria Escherichia coli. Ao contrário da insulina animal, a transgênica pode causar o fenômeno conhecido como "insconsciência da hipoglicemia", que pode até levar à morte, uma vez que a pessoa não apresenta os sintomas da hipoglicemia.

Crítica - Fátima não poupou também a Assembléia Legislativa, que, para ela, não vem discutindo esse assunto com todos os setores da sociedade. "A casa do povo tem o dever moral de abrigar todos os segmentos sociais. Espero que a Assembléia jamais cometa outro erro como esse."

Participantes do fórum fazem questionamentos a pesquisadores e técnicos

A fase de debates do Fórum Técnico também revelou-se um momento de confronto de opiniões entre aqueles que apóiam a produção de alimentos transgênicos e os que indagam sobre seus efeitos e querem mais informações sobre os organismos geneticamente modificados (OGMs).

Questionado sobre os riscos à saúde que produtos modificados poderiam provocar, o representante da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Naftale Katz, argumentou que qualquer medicamento tem efeito colateral e que é preciso saber o que é bom ou ruim na técnica para, então, aplicá-la com cuidado.

Já o professor Roberto Machado Silva, da UFMG, questionado sobre as formas de mudar o conceito negativo que os transgênicos têm atualmente, disse que "a imprensa é mal orientada, muitas vezes por culpa do próprio cientista ou por contra-informações cujo objetivo é inviabilizar projetos".

Maria de Fátima Oliveira afirmou que a clonagem e a transgenia são biotecnologias rudimentares e inseguras. Defendeu, portanto, que os cientistas informem mais sobre o assunto a sociedade - que paga suas pesquisas - e não apenas prestem contas a seus pares.

O representante do Sindicato das Empresas de Base Biotecnológica no Estado (Sindbio), Wilhelmus Uitdewilligen, apresentou diversos números para demonstrar que a produção comercial de alimentos transgênicos é sinônimo de maior produtividade, conquista de mercados e mais receita para a agricultura.

O chefe do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Maurício Antônio Lopes, também defendeu a produção de transgênicos. Segundo ele, a empresa é a que mais desenvolve esforço em biotecnologia no Brasil - e não as multinacionais. Informou que há resultados positivos com mamão, milho, soja e feijão transgênicos, entre outros.

Conselho Regional - Estudantes de biotecnologia apresentaram, ao final do evento, moção de apoio à criação de um grupo de trabalho para estudar a viabilidade legal de um Conselho Regional de Biotecnologia. Na moção, lida em Plenário, eles defendem o reconhecimento do biotecnologista e a definição do perfil e funções desse profissional.

No encerramento do fórum técnico, o deputado Eduardo Hermeto (PFL), que coordenou o último painel, ressaltou que a Alemg sempre promoveu debates de forma democrática, com a participação de todos os segmentos envolvidos no tema abordado, sendo nacionalmente reconhecida por esse motivo. Ele agradeceu, ainda, o Sindbio e a Fiemg, parceiros na realização do evento. Já o deputado Edson Rezende (PT) ponderou que nenhuma inovação tecnológica teve tanta oportunidade de ser debatida como a biotecnologia.

O secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de Minas Gerais, Antônio Salustiano Machado, presente na abertura do evento, afirmou que a biotecnologia é estratégica para o desenvolvimento nacional. "Não é fácil exportar bens primários. A competitividade está na produção de bens agregados. Enquanto o povo não souber fazer uso do conhecimento para agregar valor aos nossos produtos, o país não terá o desenvolvimento necessário", afirmou.

Os debates do fórum técnico foram coordenados pelos deputados José Milton (PL), Eduardo Hermeto (PFL) e Edson Rezende (PT).

Potencial - Minas Gerais é considerado o maior pólo potencial de biotecnologia na América Latina, segundo a presidente do Sindicato das Empresas de Base Biotecnológica do Estado de Minas Gerais (Sindbio), Hélen Aguiar Lima. Influem para isso, segundo ela, o clima, temperatura, altitude e localização estratégica no Brasil. Os dados apresentados por ela indicam que, das 5,5 mil empresas de biotecnologia do Brasil, 750 estão em Minas Gerais, produzindo 90 mil empregos diretos e um faturamento de R$ 3,5 bilhões, no ano passado.

Histórico - O Fórum Técnico "A Biotecnologia e Você: Mitos, Verdades e Fatos", teve uma etapa de interiorização entre o final de agosto e início de setembro, quando aconteceram quatro reuniões em cidades-pólo do Estado: Passos (28/8), Montes Claros (30/8), Barbacena (4/9) e Uberaba (11/9). O fórum é uma parceria entre a Assembléia Legislativa de Minas Gerais, o Sindicato das Empresas de Base Biotecnológica no Estado (Sindbio) e a Federação das Indústrias (Fiemg), além de organizações governamentais e não-governamentais e associações.

Reprise e publicação no "Minas Gerais" - As notas taquigráficas do fórum técnico serão publicadas no Diário Oficial "Minas Gerais/Diário do Legislativo" no dia 5 de outubro. Já a TV Assembléia (canal 11 do sistema a cabo, em Belo Horizonte) vai reprisar o evento nesta segunda-feira (23/9). A partir das 8h30, a reprise é dos debates da manhã; e a partir das 14h20 é a vez da programação da tarde.

 

 

 

 

 

 

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