Impactos da biotecnologia sobre a saúde humana ainda são
desconhecidos
"Hoje o homem pode se tornar um segundo Deus, já
que tem a capacidade de criar seres que não existem na natureza". A
afirmação foi feita pelo diretor científico da Fundação de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Naftale Katz, durante o debate
sobre os impactos da biotecnologia na saúde, tema do terceiro painel
do Fórum Técnico "A Biotecnologia e Você: Mitos, Verdades e Fatos",
promovido pela Assembléia Legislativa de Minas nesta quarta-feira
(18/9/2002).
Além da possibilidade de criar novas formas de
vida, o pesquisador destacou outras aplicações práticas da
biotecnologia, como o diagnóstico precoce de doenças. Através de
exames de DNA, já é possível prever a predisposição a anomalias
genéticas e a resistência a infecções. Mas, na opinião de Katz, a
utilização da biotecnologia para esses fins deve ser acompanhada de
discussões éticas. Ele citou o exemplo de algumas empresas que
começam a exigir de seus funcionários a realização de exames para
detectar a predisposição genética a doenças graves, como câncer.
"Isso é moralmente correto?", questionou.
Outro uso polêmico da biotecnologia é a produção em
série de células-tronco. Como essas células são indiferenciadas, têm
alta capacidade de reprodução. A produção de células-tronco pode ser
uma alternativa de recuperação de tecidos danificados, como a medula
óssea. Pessoas que ficaram paraplégicas, por exemplo, poderiam ter a
medula reconstituída e recuperar os movimentos por meio da terapia
das células-tronco, que são obtidas a partir de embriões humanos.
"Nós vamos ter casais produzindo embriões só para isso? Estamos
autorizados a interromper vidas? Eticamente é muito complicado",
afirmou Katz.
É por isso que o diretor da Fapemig se coloca a
favor da biotecnologia com parcimônia, sempre levando em
consideração as implicações éticas do avanço tecnológico. "Não
deveríamos evitar o estudo dos transgênicos, mas temos que fazê-lo
com cuidado. Não podemos pensar só no lucro, mas também na função
social que a ciência deve ter", lembrou.
Tecnologia como fator de desenvolvimento
A utilização da biotecnologia como forma de
impulsionar o desenvolvimento econômico foi defendida pelo professor
da Escola de Veterinária da UFMG, Roberto Machado. "Minha posição é
defender uma ciência com ética e nacionalismo, para sermos
independentes. Não podemos mais tolerar a dependência tecnológica,
precisamos banir esse sentimento de subserviência e partir para a
geração de conhecimento. Para isso nós já temos massa crítica e
condições tecnológicas", afirmou.
Machado citou alguns exemplos de produtos
desenvolvidos a partir da utilização da biotecnologia, entre eles, o
chamado arroz dourado. Criado por cientistas suíços, esse arroz é
fruto da combinação de genes de bactéria Erwínia e de uma
planta típica do Mediterrâneo, o narciso. O resultado desse
cruzamento é um arroz amarelado, com alto teor de betacaroteno,
substância que estimula a produção de vitamina A. Machado considera
pesquisas desse tipo extremamente benéficas e por isso é um defensor
da biotecnologia. "O cientista não pode ficar filosofando sobre
tudo, pois isso impede o avanço da ciência. É preciso unir o
pensamento filosófico com a solução de problemas", defendeu.
Sociedade de Bioética alerta para riscos de
remédios modificados
A postura de Machado foi criticada pela diretora da
Sociedade Brasileira de Bioética, Maria de Fátima Oliveira. "É
ridículo ouvir um cientista dizer que não quer saber de filosofia.
Temos o dever moral de não banalizar a vida e aprender filosofia,
que é a mãe de todas a ciências. Os filósofos da ciência já
alertaram que o genoma estável é uma abstração". Segundo Fátima, não
se pode falar em genoma estável porque os genes são
interdependentes, sendo impossível dizer qual vai fazer prevalecer
determinada característica.
Outro problema, para Fátima, é a ausência de
estudos conclusivos sobre os efeitos da ingestão de alimentos
geneticamente modificados, os transgênicos. "Quem diz que faz mal
mente e quem diz que faz bem também mente. O que há até agora são
indícios de que a ingestão de alimentos transgênicos não é
benéfica", afirmou. Entre esses malefícios, estão a possibilidade de
alergias, diminuição da resistência a infecções e aumento da
resistência a antibióticos.
A pesquisadora também alertou para o risco dos
remédios geneticamente modificados (GMs). Segundo ela, até hoje não
foram feitas pesquisas sobre os efeitos colaterais da chamada
insulina humana transgênica, que vem sendo comercializada desde
1987. Essa substância, indispensável para diabéticos, é produzida a
partir da implantação de um gene na bactéria Escherichia
coli. Ao contrário da insulina humana e da animal, a transgênica
pode causar o fenômeno conhecido como insconsciência da
hipoglicemia, que pode até levar à morte, uma vez que a pessoa não
apresenta os sintomas da hipoglicemia.
Crítica - Fátima não poupou
também a Assembléia Legislativa, que, para ela, não vem discutindo
esse assunto com todos os setores da sociedade. "A casa do povo tem
o dever moral de abrigar todos os segmentos sociais. Espero que a
Assembléia jamais cometa outro erro como esse".
Diálogo - Na abertura do
debate, o deputado Edson Rezende (PT) alertou para a necessidade de
estudo dos efeitos dos alimentos transgênicos. "É preciso deixar
claro para o consumidor quais são os riscos desses produtos para a
saúde humana. Quem vai decidir, no final das contas, é o consumidor,
daí a necessidade de diálogo entre cientistas e
consumidores".
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