Projeto de JK reposicionou o Brasil no cenário
mundial
O reconhecimento da importância da administração de
Juscelino Kubitschek para a consolidação do processo de modernização
do Brasil foi a tônica das palestras apresentadas no primeiro painel
do Ciclo de Debates "Os anos JK", promovido pela Assembléia
Legislativa de Minas Gerais, nesta quarta-feira (04/09/2002). O
deputado Wanderley Ávila (PPS), que presidiu e coordenou os
trabalhos, destacou, na abertura do evento o espírito empreendedor
de Juscelino Kubitschek, que, por onde passou, deixou uma obra de
referência para os futuros governos.
O deputado ressaltou que "as restrições que se
fazem ao ex-presidente, especialmente na área econômica,
relacionam-se a "efeitos colaterais" de sua obsessão pelo
desenvolvimento, como a dependência do capital externo, o aumento
dos índices inflacionários e a pouca atenção dada ao meio rural e à
política agrária. Contudo, ninguém pode lhe negar o espírito
arrojado, a clarividência, a confiança no futuro e o otimismo, com
os quais contagiou toda a nação brasileira. Nem a habilidade
política, a capacidade de negociação e o espírito conciliador,
graças aos quais conseguiu afastar as crises durante todo o seu
mandado. Nem a inabalável vocação democrática, marca que cultivou
durante toda sua trajetória pública".
O coordenador dos debates esclareceu que o objetivo
do ciclo de debates, que se insere nas comemorações do centenário de
nascimento de Juscelino Kubitschek, promovidas pela Assembléia
Legislativa de Minas, é resgatar um pouco da memória desse
estadista, na visão diversificada de historiadores, cientistas
políticos, economistas e professores que se dedicaram ao estudo de
sua vida e obra.
Projeto modernizante modificou BH, Minas e o
Brasil
A historiadora Lucília Almeida Neves, professora da
PUC-Minas, destacou o espírito inovador de JK que predominou em suas
administrações, da prefeitura de Belo Horizonte, do governo de
Minas, e da presidência do Brasil. Em cada um destes momentos, JK
foi responsável pela implantação de um projeto modernizante que
transformou a cidade, o estado e o país que governou. Ela observou,
no entanto, que o culto do moderno, vigente nos anos 50, não impediu
a manifestação de uma outra face de Juscelino, voltada para a
valorização das tradições.
"Ele foi o nosso "presidente Bossa Nova", mas era
também conhecido como um grande seresteiro e o "pé de valsa" que
movimentava os salões. Ele foi o construtor de Brasília e também
tinha uma política de valorização dos museus" - citou a professora,
ressaltando que, com essas iniciativas, Juscelino resgatava a
história do país e suas origens, fazendo uma ponte com o novo
projeto que estava em construção.
Lucília Neves ponderou, no entanto, que o sucesso
do projeto modernizante de JK não quer dizer que este não contivesse
também suas contradições e os movimentos sociais que surgiram nessa
época - o sindicalismo, as ligas camponesas, uma oposição política
organizada - são alguns dos sinais evidentes dessa outra dimensão
dos anos 50.
Fosso social não foi superado por JK
O cientista político, Fábio Wanderley Reis, segundo
expositor do painel da manhã, destacou a habilidade de Juscelino
Kubitschek de atender a uma multiplicidade de interesses
antagônicos, criando entre eles uma convergência que os deslocava
para um segundo plano, acomodando as suas possíveis divergências.
Este centro agregador se encontrava em torno do seu projeto de
desenvolvimento nacional. Mas o professor Fábio Wanderley ressaltou
que essa tensão consorciativa tinha limites, desenhados pelo grande
fosso social existente no país e que permaneceu ao final do seu
governo até os nossos dias.
Bailarino - Para o
professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(Iuperj), Luiz Jorge Werneck Viana, era essa habilidade que o
permitia desviar dos temas mais espinhosos, evitando enfrentá-los de
frente e de criar situações de conflito. Ele afirmou que a tentativa
de JK foi a de recriar o país por meio da articulação da economia e
da política, "de fazer uma revolução sem revolução", que o
permitisse fugir da polarização numa fuga a frente. "Mas ele não
eliminou impasses políticos institucionais, contornou-os como um
bailarino, deslocou a oposição e instalou o centro do seu projeto em
um outro lugar" - afirmou o professor, frisando que JK não enfrentou
também o legislativo, mas desviou-se habilidosamente dele e não
tocou na questão agrária.
Werneck Viana ressaltou, no entanto, que a grande
arte de Juscelino, de quem somos devedores, "era sua capacidade de
criar esperança e a desconstrução desse projeto, mais do que pelos
regimes militares, está sendo feita hoje, com a difusão da concepção
neoliberal, que transformou o Estado numa entidade malévola, e que
apaga, passo a passo, as pegadas luminosas de Getúlio Vargas e
Juscelino Kubitschek".
A dimensão euclidiana de Juscelino
A professora Vânia Maria Losada Moreira, da
Universidade Federal do Espírito Santo, falou sobre as três
características marcantes do período JK: o desenvolvimentismo, o
nacionalismo e a dimensão euclidiana do projeto de Juscelino, que
estabeleceu um diálogo com a obra de Euclides da Cunha, criando uma
ponte do moderno com o tradicional. O desenvolvimentismo está
presente no Plano de Metas de JK que, apesar de muito ambicioso, foi
cumprido em quase 100%. Vânia Moreira citou uma pesquisa realizada
pelo Ibope, que acabava de ser criado, e que demonstrava que 80% da
população percebia positivamente a aceleração desenvolvimentista
implementada por Juscelino.
A aliança política do presidente com o movimento
nacionalista, que reunia diversos segmentos da sociedade brasileira,
como os militares, estudantes, intelectuais, e professores, deu a
marca de outra importante característica de seu governo, segundo a
professora. Ela esclareceu, no entanto, que este movimento não tinha
um conteúdo fortemente ideológico, mas principalmente social e
político. O projeto desenvolvimentista nacionalista de Juscelino era
identificado no plano de modernização e industrialização do país,
tirando o Brasil da dependência dos produtos primários e da
agricultura, superando a sua fragilidade, que ficou evidente na
crise de 29.
A dimensão euclidiana, destacada pela professora
Vânia Moreira, encontra-se no capítulo dedicado às obras de
integração nacional, incluído no Plano de Metas de JK. "A construção
de Brasília e do Cruzeiro Rodoviário - uma rede de rodovias ligando
Brasília aos principais centros políticos e econômicos do Brasil da
época - sintetizam bem esta meta" - afirmou.
Com a integração física e econômica das diversas
regiões do país, o presidente acreditava que viabilizaria o
desenvolvimento nacional, fortalecendo o mercado interno e
realimentando o processo de crescimento do país, promovendo ainda a
integração campo e cidade. Nessa perspectiva, Juscelino fez três
promessas de campanha: que a população rural teria melhores
condições de vida no seu governo; que promoveria o fim das
disparidades regionais; e, finalmente, romperia com o
subdesenvolvimento nacional.
"Eram promessas de cunho nitidamente social, mas
Juscelino não alcançou nessa área o mesmo sucesso que obteve com o
seu programa de industrialização e modernização e as razões desse
fracasso é que precisam agora ser melhor estudadas" - frisou a
professora.
Público debate impactos do Plano de Metas
Durante os debates, os expositores foram
questionados sobre a repercussão negativa do governo JK, que seria
responsável pelo endividamento do país e crescimento do processo
inflacionário. A professora Vânia Moreira ponderou, no entanto, que
para realizar o seu projeto, que foi fundamental para reposicionar o
país no cenário mundial, Juscelino não teria outra opção.
A poupança interna era insuficiente para financiar
este projeto e a captação de recursos governo a governo, modalidade
defendida pelos nacionalistas, não mais interessava aos países
parceiros do Brasil, que optavam, naquele momento, por investimentos
diretos, como aqueles utilizados por Juscelino. A última alternativa
era a emissão de papel moeda que também foi adotada por JK. "De
outra forma, não seria possível construir o país que ele deixou para
as futuras gerações" - concluiu a professora.
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