Alca ameaça soberania nacional, afirma Dalmo Dalari
Uma tremenda ameaça à soberania e à dignidade do
povo brasileiro. Assim o jurista e professor de direito da
Universidade de São Paulo (USP), Dalmo de Abreu Dalari, definiu o
acordo para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca),
previsto para entrar em vigor em 2005 e que determina o fim das
barreiras comerciais entre os países. A palestra de Dalari aconteceu
na manhã desta sexta-feira (23/8/2002), no Plenário da Assembléia
Legislativa de Minas, no último dia do II Fórum Minas Por Um Outro
Mundo. Os trabalhos da parte da manhã do encontro foram coordenados
pelo deputado Anderson Adauto (PL).
Dalmo Dalari citou artigos da Constituição da
República para demonstrar que qualquer ato que diminua a
independência e a soberania brasileiras é inconstitucional. Por
isso, a Alca, da forma como está sendo proposta, prejudica os
interesses nacionais. Segundo Dalari, os Estados Unidos pregam a
abertura do mercado brasileiro, mas não abrem mão do fechamento de
suas fronteiras a produtos estrangeiros.
O jurista deu três exemplos recentes de atitudes
norte-americanas que mostram que aquele país é inimigo de acordos
internacionais que possam impor limites aos seus interesses: os
Estados Unidos se retiraram da Convenção de Kyoto (Japão), na qual
os países participantes se comprometeram a reduzir a poluição
atmosférica; não participaram da reunião na África do Sul contra o
racismo; e não assinaram o Tratado de Roma para criar o Tribunal
Penal Internacional.
"É com esse país que iremos negociar. Eles (os EUA)
não têm o mínimo respeito pelo direito internacional. Só agem em
função de seus próprios interesses", alertou o jurista. Dalmo Dalari
defendeu que o governo brasileiro não deve assinar nenhum acordo
sobre a Alca sem antes consultar a população. "Que nenhuma decisão
seja tomada antes que seja ouvido o povo brasileiro, que deve ser o
senhor do seu próprio destino", afirmou.
O deputado Anderson Adauto (PL) afirmou que o País
vive um momento muito importante para discutir a questão da Alca.
"Não somos considerados mais pessoas humanas e sim meros
consumidores", disse ele, acrescentando que o Brasil vive hoje sob
um novo regime autoritário: o do poder econômico. "Vinte anos após
derrubarmos a ditadura militar, não tenho dúvida de que a população
está consciente da importância de se derrubar essa nova ditadura",
acrescentou o deputado. Ele disse ainda que o mercado, "esse ser
invisível", não pode ter tanto poder e tanta influência sobre as
pessoas como tem hoje, enfatizando que "um novo mundo é
possível".
ECONOMISTA PEDE QUE POPULAÇÃO REJEITE
ACORDO
O professor de Economia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) Reinaldo Gonçalves apelou para que a população
diga um "rotundo não" à Alca no plebiscito sobre o assunto a ser
realizado durante a Semana da Pátria, em setembro. Segundo ele, o
acordo de livre comércio trará impactos altamente negativos para o
País, com destaque para o aumento do desemprego.
Outras consequências imediatas, de acordo com o
professor, são o sucateamento da indústria nacional, a precarização
das relações de trabalho, o enfraquecimento dos sindicatos e também
da agricultura familiar, agravando o êxodo rural, e ainda a perda de
renda da população. "A Alca significa o aprofundamento do processo
de africanização da América Latina", alertou o professor. Outro
perigo real corrido pela sociedade brasileira, disse ele, é o de uma
crise institucional.
O professor listou quem estaria a favor da Alca no
Brasil: as empresas multinacionais, os bancos, os latifundiários
("que vão vender suas terras") e os meios de comunicação ("que estão
quebrados e vão vender 30% de suas ações para o capital
externo").
Reinaldo Gonçalves criticou o governo de Fernando
Henrique Cardoso, classificando-o como o pior presidente dos últimos
cem anos. "FHC colocou o País numa trajetória de crise. O Brasil é
um país frágil frente ao cenário internacional e isso é resultado de
um projeto predatório conduzido pelo atual governo", afirmou. O
professor concluiu sua palestra durante o fórum dizendo que "o
futuro dos nossos filhos está sendo vendido".
PROFESSOR DIZ QUE BRASIL ESTÁ EM UMA ENCRUZILHADA
HISTÓRICA
Uma encruzilhada histórica. Foi assim que o
historiador Valério Arcary definiu a atual situação do Brasil
durante o debate "Alca: integração ou anexação?". Ele apontou dois
caminhos para o País nesta encruzilhada: voltar ao colonialismo ou
disputar uma vaga na luta pela "descolonização". A volta ao
colonialismo seria representada pela aceitação do acordo sobre a
Alca; o movimento contrário seria a recusa da proposta e a busca,
por cidadãos e governantes, de uma alternativa que não ferisse a
soberania nacional.
Durante a sua exposição, o historiador destacou
fatos relevantes da história mundial que mostram a importância da
participação do povo para a libertação do domínio das potências
colonizadoras. "Vários são os exemplos de países que alcançaram a
sua independência e onde a mobilização popular conquistou o espaço
de garantia de direitos. E nós vivemos agora, no Brasil, uma vaga na
descolonização" afirma.
Valério cita o levante popular na Venezuela, que
trouxe de volta ao poder o general Hugo Chávez, e o processo de
privatização interrompido pelo prefeito de Arequipa, na Colômbia,
como exemplos de que é possível não aceitar as estratégias usadas
contra a soberania nacional. "Hoje no mundo há países que são
semi-colônias ou colônias, como o Equador, onde a moeda nacional foi
substituída pelo dólar; e é crescente o número de protetorados e
enclaves que ampliam o quadro de dependência desses países. Mas há
também aqueles independentes, como é o caso de Cuba, Rússia e China"
ressalta.
Liderança inexistente -
Quanto às possibilidades de o Brasil reverter o quadro atual, o
historiador lamenta a ausência de um líder na classe dominante que
mobilize os cidadãos contra a Alca e os demais acordos que ferem a
integridade nacional. Mas enfatiza a necessidade da luta contra a
submissão e contra a manutenção das práticas de dominação, sobretudo
americana. Valério conclui com um pensamento oriental que traduz a
sua opinião: "Quem não sabe contra quem luta, não pode
vencer".
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