Violência responde por mais de 10% das mortes no País
No Brasil, 120 mil pessoas morrem, a cada ano,
vítimas de homicídios, acidentes de trânsito e traumas causados por
acidentes de trabalho, acidentes domésticos, suicídios e outras
lesões e envenenamentos. Os óbitos por "causas externas" representam
13% das mortes em todo o País, e as estatísticas mostram que as
mortes como conseqüência da violência têm aumentado nos últimos
anos. Esses dados foram apresentados nesta segunda-feira (20/5/2002)
por participantes do Seminário Regional "Violência Urbana e Saúde
Pública", no Plenário da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
O Seminário, que prossegue na manhã desta
terça-feira (21/5), com a realização da plenária final, está sendo
promovido pela Assembléia de Minas, pelo Conselho Nacional de Saúde
e pela Comissão de Movimento Urbano da Câmara dos Deputados. O
evento é um desdobramento do Seminário Nacional sobre Violência
Urbana e Segurança Pública, promovido, em outubro do ano passado,
pela Câmara dos Deputados, por meio da Subcomissão Especial de
Violência Urbana e Segurança Pública. Participaram da organização do
evento representantes de entidades do Rio de Janeiro, São Paulo,
Minas Gerais e Espírito Santo, todas com o mesmo objetivo: debater o
quadro agravante da violência e saúde pública na região e encontrar
o melhor caminho para que a população tenha uma qualidade de vida
melhor.
Exclusão social - O
deputado Antônio Júlio (PMDB), presidente do Legislativo mineiro,
abriu os debates ressaltando o conjunto de fatores que caracterizam
a violência urbana e a exclusão social. Em seu pronunciamento, o
presidente disse que as conseqüências diretas da violência urbana
podem ser constatadas pelo elevado número de ocorrências policiais,
de atendimentos nos hospitais e centros de saúde.
Diante dos índices crescentes de violência e
criminalidade, e da Constituição, que deixa claro o dever do Estado
e o direito de todos à segurança, o presidente mostrou a necessidade
de um esforço conjunto, envolvendo os poderes públicos, as
instituições da sociedade civil e a população de modo geral, para
melhorar esta situação. A Assembléia mineira vem desenvolvendo, nos
últimos anos, uma série de ações com vistas a sensibilizar
autoridades e população sobre o problema da segurança, como debates,
audiências públicas, recebimento de queixas e denúncias, formação de
Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), em situações
específicas, e o lançamento, no ano de 2000, do "Movimento pela
Segurança e Vida".
Investimento pequeno - Rubens Furlan, presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano
e Interior da Câmara dos Deputados e autor de um projeto, em
tramitação naquela Casa legislativa que dá poder de polícia às
guardas municipais, disse que nos últimos oito anos foram feitos
poucos investimentos em segurança pública. Segundo ele, em São Paulo
morre uma pessoa assassinada por hora, sendo a média de 26 mortes
por dia.
Elias Rassi Neto, representante do ministro da
Saúde, Barjas Negri, ressaltou a importância da relação da violência
com a democracia. "O entendimento e a compreensão da politização do
olhar na saúde e segurança leva ao conhecimento de uma profunda
epidemia, de uma situação atual trágica nos setores", disse. De
acordo com o deputado José Augusto, representante do presidente da
Assembléia Legislativa de São Paulo, Walter Feldman, a violência
urbana reflete no serviço de saúde, sendo responsável por 8% dos
custos das internações em São Paulo. Ele afirmou, ainda, que 60% das
mortes naquele Estado são de jovens, causando "a perda de gerações
inteiras". Para ele, a violência de aglomeração (falta de educação,
saúde e outros pontos básicos que o número elevado de uma população
traz ) muitas vezes é causa da "violência de sangue".
O deputado mineiro Edson Rezende (PT), um dos
autores do requerimento que deu origem ao seminário, lembrou os
trabalhos feitos na Assembléia que confirmam a situação grave no
setor de saúde e na violência urbana. O quadro alarmante do IML e
dos presídios da região metropolitana, a violência no trânsito e o
grande número de mortes causadas pelas mineradoras em Minas, na sua
opinião, são fatos que não tiveram respostas satisfatórias da parte
do governo.
SOCIEDADE PRECISA SE MOBILIZAR
A deputada federal Maria do Carmo Lara (PT/MG)
disse que a preocupação atual não está mais centrada no desemprego,
mas, sim, na violência urbana. "Representantes de várias entidades,
conselhos estaduais e Assembléias reuniram-se para organizar o
Seminário. É importante que todos, neste momento, ajudem também a
encontrar soluções para este fato. O ideal é somarmos experiências
para que possamos viver com tranqüilidade", disse a deputada.
O secretário de Saúde de São Paulo, José da Silva
Guedes, informou que de 1980 a 1999 as chamadas "causas externas"
(mortes por traumas, acidentes, assassinatos) cresceram em 27% e
que, hoje, 80% das internações do SUS são por causas externas. Para
o secretário, é necessário que haja "uma ação geral da política do
País" para um desenvolvimento sustentável do cidadão, para que as
pessoas tenham chance também de participação e acesso ao lazer e
atividades esportivas.
Minas Gerais - O
secretário de Estado da Saúde de Minas Gerais, Carlos Patrício
Freitas Pereira, defendeu ações integradas e intersetoriais na busca
de soluções para o problema da violência urbana e saúde pública. Ele
foi um dos expositores da parte da manhã do Seminário Regional
"Violência Urbana e Saúde Pública", realizado pela Alemg e promovido
pela Câmara dos Deputados, Conselho Nacional de Saúde e Assembléias
da Região Sudeste, entre outros. Pela manhã, foi discutido o tema
"Os impactos da violência na saúde", reunindo secretários de Estado
da Região Sudeste, estudiosos e interessados. "As políticas públicas
devem ser intersetoriais, envolvendo segmentos como saúde, justiça,
segurança, educação, lazer e comunicação", ressaltou Carlos
Patrício.
Números deficientes - A
deficiência das estatísticas também foi apontada pelo secretário
como um problema. Na opinião dele, é preciso traçar estratégias que
conduzam à melhoria do sistema de informações sobre mortalidade. "É
necessário tornar mais objetivas as informações, pois as
estatísticas são pouco confiáveis", disse. O secretário da Saúde
informou que, em 1999, foram registrados cerca de 100 mil óbitos em
Minas, sendo cerca de 10 mil devido a causas externas - que abrangem
desde um simples acidente doméstico até acidentes de trânsito,
estupros e mortes por arma branca e de fogo, entre outros. Cerca de
3 mil óbitos tiveram como causa acidentes de transporte, em 1999. No
Hospital João XXIII, foram atendidos, em 2001, 15 mil pacientes
vítimas de acidentes de trânsito e 9 mil vítimas de agressões.
Sessenta mil foram classificados como vítimas de "outros acidentes"
(acidentes com cortes, sem cortes, quedas, queimaduras e por fogos
de artifício).
Carlos Patrício comentou, ainda, as ações
desenvolvidas pelo Executivo estadual em parceria com os municípios
e o governo federal. Segundo ele, o plano de urgência e emergência
conduzido pelo Estado deverá estar concluído no final de 2002. Ele
não informou os números do investimento. O plano abrange, entre
outras, as seguintes ações: medidas na área de resgate, com
participação do Corpo de Bombeiros Militar; criação das Centrais de
Regulação, que vão encaminhar as vítimas da unidade de resgate para
as unidades de assistência (hospitais e prontos-socorros); seleção
de unidades com equipamentos e condições de receber os pacientes e
capacitação de pessoal. A criação das centrais envolve recursos
federais, contrapartida pelo governo estadual e também parcerias com
os municípios.
IML - Sobre o Instituto
Médico Legal (IML), cujas problemáticas condições têm sido alvo de
matérias na imprensa, o secretário da Saúde informou que deverão ser
iniciadas ainda este ano as obras de construção da Central de
Vigilância de Óbitos. Essa central se encarregaria de conduzir as
necropsias em pacientes suspeitos de doenças infecto-contagiosas.
Carlos Patrício informou que, agora, estão sendo mantido contatos
entre as Secretarias da Saúde e da Segurança Pública e o município
de Belo Horizonte.
DESEMPREGO TAMBÉM É FORMA DE VIOLÊNCIA
Na opinião do professor Elias Jorge, da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que atuou como
debatedor, a "mãe de todas as violências" é a questão orçamentária.
Ele ressaltou que foi escolhida como política pública prioritária,
desde 1994, a política de estabilidade da moeda, apresentando
números sobre o comprometimento do Orçamento da União com o
pagamento de juros e amortização da dívida. Tanto Elias Jorge quanto
Maria Natividade Gomes Teixeira, que representa os trabalhadores em
saúde no Conselho Nacional de Saúde, enfocaram o desemprego como uma
forma de violência. "Não há violência maior que o cidadão estar
desempregado", enfatizou Elias Jorge. Para Maria Natividade, criar
postos de trabalho faz parte do rol de ações de combate à
violência.
Carta de Brasília - A
representante do Conselho Nacional de Saúde enfatizou que o problema
da violência só será resolvido com esforço conjunto do Estado e
sociedade. Maria Natividade criticou o modelo de gestão do Estado
classificado por ela como neoliberal; e o fato de o Brasil sempre
ter tido modelos agrários de latifúndios que expulsam o homem do
campo. A conselheira também lembrou a necessidade de se instituírem
políticas públicas de recursos humanos para capacitar os
trabalhadores da saúde - os primeiros a lidarem com o cidadão vítima
de violência. Ela chamou a atenção para a importância de se
discutir, no seminário regional, a Carta de Brasília, resultado do
Seminário Nacional sobre Violência Urbana e Segurança Pública,
realizado em outubro de 2001, em Brasília. Ele foi promovido pela
subcomissão que trata desses temas vinculada à Comissão de
Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara dos Deputados.
MORTE POR CAUSAS VIOLENTAS É DE 120 MIL NO
ANO
A Carta de Brasília, em seu item 15, ressalta que,
no que diz respeito à saúde e violência, as chamadas "causas
externas" (que provocam o trauma e incluem os homicídios, acidentes
de trânsito, acidentes de trabalho e domésticos, suicídios e outras
lesões e envenenamentos) constituem hoje, no Brasil, o segundo grupo
de causa de morte. Elas respondem por cerca de 120 mil óbitos a cada
ano e a 13% do total de mortes. Considerando também que os fatores
associados a esse crescimento da violência não têm causa isolada, a
Carta de Brasília propõe uma série de ações. Entre elas, a
implementação de uma política nacional de redução da
morbimortalidade por acidente e violências a partir de ações
articuladas e integradas de diversos setores do governo e da
sociedade; e medidas como a redução de promoção, uso e
disponibilidade de arma de fogo; e a criação de uma base de dados
sobre trauma e violência como início de um esforço nacional de
priorizar a informação visando à implementação das políticas
públicas de combate à violência.
Para o professor da Faculdade de Medicina da
Unesp/Botucatu Milton Flávio Latenschlager, a violência deve ser
encarada como epidemia. O momento atual da violência no País,
acrescentou, não decorre, provavelmente, de ações equivocadas ou de
não ações dos atuais governantes. "Os jovens vítimas ou praticantes
da violência representam uma geração perdida, abandonada por
governos que deveriam ter tido responsabilidade há dez, doze anos",
disse. Na opinião dele, o problema da violência deve preocupar
Executivo, Legislativo - que estabelece a destinação orçamentária
dos recursos que o Estado arrecada; e Judiciário - que, para ele,
tem protelado decisões.
A ação do Estado foi também abordada pelo
secretário de Estado da Saúde do Espírito Santo, Carlos José
Cardoso, expositor da manhã. Segundo ele, o Estado tem sido ineficaz
em combater a violência e resolver os crimes. Se os órgãos estaduais
estão deficientes, mas há envolvimento da sociedade, podem ser
buscadas as soluções, completou o secretário. Já o deputado Adelmo
Carneiro Leão (PT), co-autor do requerimento que deu origem ao
seminário, espera propostas concretas para enfrentar o problema da
violência urbana e saúde pública.
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