Seminário reúne representantes de governos e empresas
A outorga do direito de uso dos recursos hídricos e
a cobrança pela utilização da água foram os principais assuntos em
discussão no segundo dia do Seminário Legislativo "Águas de Minas
II", nesta terça-feira (2/7/2002), no Plenário da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais. A mesa de debates reuniu integrantes de
órgãos técnicos, que defendem a cobrança, e representantes de
entidades classistas de grandes consumidores, que terão de pagar
pelo uso da água.
A cobrança pelo uso da água está prevista na Lei
Federal 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos
Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento das Águas. Esse
sistema é composto por comitês de bacias, agências de águas,
conselhos estaduais e nacional de recursos hídricos e Agência
Nacional das Águas (ANA). De acordo com essa lei, cada bacia
hidrográfica tem que criar um comitê, com a participação de
governos, grandes usuários e representantes da sociedade.
É esse comitê quem decide sobre a outorga e a cobrança
pelo uso da água. A cobrança está sendo discutida porque a água
é um recurso precioso que se vem tornando cada vez mais escasso.
Atualmente, o consumidor paga apenas os custos de tratamento
e distribuição. Já a outorga é o direito de utilizar a água
de determinado rio durante um prazo estabelecido. Quem não cumprir
as metas estabelecidas pode ser punido com multa ou com a perda
da outorga. Em Minas, o Instituto de Gestão das Águas contabiliza
6.163 outorgas, número que tende a aumentar. Isso porque ainda
existem poucos comitês de bacias. O Estado, considerado a caixa
d água do Brasil, poderia ter 34 comitês, mas tem apenas 12 em
funcionamento e outros cinco em implantação.
"Os comitês são inspirados na bem-sucedida
experiência européia. Seus integrantes tomam decisões concretas e
catalisam os recursos públicos para a solução dos problemas da
bacia", afirmou o superintendente de recursos hídricos da ANA, Jair
Sarmento da Silva. Outro entusiasta do modelo de gestão dos comitês,
que permite a participação da sociedade nas decisões sobre o uso da
água, é o diretor do Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais
(Igam), Willer Hudson Pós.
Para Willer, a participação popular é garantia de
que as ações propostas pelos comitês terão continuidade, mesmo com a
troca de governantes. "Se continuarmos nesse caminho, de discussão e
investimentos na recuperação dos bacias, tenho certeza de que em 30
anos vamos reverter a situação dos nossos rios. Eu gostaria que os
deputados buscassem a opinião dos representantes de comitês, para
evitar o uso inadequado dos recursos financeiros, que são escassos",
defendeu.
Uma experiência bem-sucedida na preservação da água
é a atuação da Promotoria da Bacia do São Francisco, que tem cinco
promotores com dedicação exclusiva em defesa do rio, além dos
promotores das comarcas da região. "Isso nos permite buscar soluções
uniformes para toda a bacia, e não apenas ações pontuais", justifica
o representante das promotorias do São Francisco, Luciano Badini. O
promotor é um defensor da outorga e da cobrança como instrumento
capaz de estimular a redução do desperdício de água. "A água é um
recurso restrito e de grande valor econômico. Por isso, aquela velha
imagem de pessoas lavando calçadas tende a se perder. Em situações
de escassez, o uso prioritário tem que ser para consumo humano",
defendeu.
Pontos negativos da cobrança
Os representantes de entidades que congregam
grandes consumidores questionaram alguns pontos da Lei 9.433. A
secretária de Meio Ambiente e Normas do Instituto Brasileiro de
Siderurgia (IBS), Maria Cristina Yuan, explicou os aspectos
principais da lei e abordou as vantagens e desvantagens da cobrança
pelo uso da água. Segundo ela, a cobrança pode servir de base para o
desenvolvimento sustentável, pois inibe o desperdício de água. Mas
tem como ponto negativo uma visão financeira, voltada principalmente
para a geração de receita para os cofres públicos, na opinião de
Yuan.
Mas a cobrança é um processo demorado, pois tem
como pré-requisitos a constituição dos comitês de bacia, a aprovação
de planos de gestão de recursos hídricos, o cadastramento dos
usuários, a regularização dos usos sujeitos à outorga e a
instituição de agência de águas. Maria Cristina Yuan também lembrou
as dificuldades que os comitês de bacias têm que superar: as
diferenças de legislação entre os Estados, os pesos diversos dos
distintos atores sociais que participam dos comitês, e a necessidade
de sintonia entre Estados e União e de intensas negociações antes de
tomar decisões.
Quem também trouxe questionamentos para o debate
foi o presidente da Federação da Agricultura do Estado de Minas
Gerais (Faemg), Gilman Viana Rodrigues. "Há um retardamento na ação
do poder público. Por que só agora se fala em outorga e cobrança
pelo uso da água? O Brasil tem o privilégio de deixar o erro se
instalar para depois tentar corrigir. É preciso prever os problemas,
e não ficar apenas punindo", ironizou.
O diretor da Faemg também fez duras críticas ao
Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das
Bacias Hidrográficas de Minas Gerais (Fhidro). Esse Fundo, que conta
com recursos do Estado, do Prosam e dos royalties pagos por usinas
hidrelétricas, deve arrecadar R$ 30 milhões este ano, mas até hoje
nenhum centavo desse dinheiro foi investido na recuperação dos rios,
segundo Gilman.
O representante dos produtores rurais lembrou,
ainda, que as mudanças trazidas pela Lei 9.433 vão exigir adaptações
difíceis para os produtores rurais. "A falta de educação básica no
Brasil dificulta a compreensão das mudanças por parte dos
agricultores. Demora-se a educar as pessoas, e é preciso ter
tolerância com elas", disse. Gilman alegou que o produtor rural é um
guardião da natureza e não pode ser o único a pagar pelos erros de
toda a sociedade.
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