Seminário das águas discute participação social nos comitês de
bacias
A importância e as dificuldades da participação
social no debate das águas foram temas abordados nesta segunda-feira
(1º/7/2002), no Seminário Legislativo "Águas de Minas II", promovido
pela Alemg com 48 organizações governamentais e não-governamentais.
Para o presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias, Mauro da
Costa Val, o envolvimento tem crescido, mas não atingiu a proporção
ideal. "As pessoas que participam das discussões e das decisões são
quase sempre as mesmas." A saída é ampliar a divulgação das
atividades dos comitês pela imprensa, a fim de que a sociedade saiba
da abertura que oferecem para a atuação dos cidadãos.
O que são os comitês - Os
comitês de bacia hidrográfica são formados pelo poder público, pelos
usuários das águas e pela sociedade civil. Suas funções são
deliberativas, normativas e consultivas. São os verdadeiros
"parlamentos das águas" da bacia hidrográfica. Têm competência para
aprovar o plano diretor da bacia (diretrizes e metas para
investimentos e obras), a forma e os valores da cobrança pelo uso da
água. São órgãos públicos, criados por decreto do governador do
Estado ou do presidente da República e não têm personalidade
jurídica própria.
O expositor Lázaro Tadeu Ferreira da Silva,
representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de
Bacias Hidrográficas, também abordou a organização da sociedade
civil na gestão dos recursos hídricos. "É preciso que a sociedade
civil possa, além de discutir, decidir. Para isso, os representantes
devem ser legitimados em sua base de atuação e apresentar um
discurso que seja coerente com a visão da entidade representada",
defendeu Lázaro da Silva.
Cobrança - O expositor
também mencionou Manifestos de São José dos Campos, de 21 de julho
de 2000, e de Taubaté, de 21 de abril de 2001, que denunciam a
incapacidade da sociedade civil de acompanhar, fiscalizar e
participar efetivamente da gestão das águas, em virtude da
desigualdade na representatividade nos comitês. Além disso, o
Manifesto de Taubaté recusa a cobrança da água até que a sociedade
civil tenha plenas condições de garantir os ideais originários da
política de recursos hídricos proposta. "Há um receio de que a
quantia arrecadada não fique na bacia hidrográfica, já que a lei não
é clara nesse ponto. A lei prioriza a aplicação dos recursos na
bacia, deixando uma lacuna quanto ao destino do dinheiro",
acrescentou Lázaro. Patrícia Boson, representante da Associação
Brasileira de Recursos Hídricos, opinou, na fase de debates, que
essa lacuna não é percebida na legislação estadual.
REPRESENTANTE DOS COMITÊS QUER ATUAÇÃO MAIS ATIVA
DO ESTADO
O presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias,
Mauro da Costa Val, defendeu atuação mais ativa do Estado, por
intermédio do Igam (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) e do
Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Cerh), na implementação de
ações que dizem respeito ao sistema hídrico como um todo. Segundo
ele, o Estado poderia intermediar a negociação das reivindicações da
sociedade civil, apresentadas nos comitês de bacias, e os interesses
difusos de grupos sociais excluídos, inclusive as futuras gerações.
Além disso, para o presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias,
o Estado seria responsável pela destinação de verba para o início da
implantação do sistema de recursos hídricos. A estimativa de
orçamento é de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões.
Mauro da Costa Val destacou a importância da
participação da sociedade nas atividades públicas, principalmente
para a efetivação da gestão dos recursos hídricos, a fim de dar mais
legitimidade e transparência às ações que tratam de bens públicos de
interesse comum. De acordo com Mauro da Costa Val, essa participação
popular também seria primordial para fiscalizar a função de
regulação do Estado. Ele defendeu, ainda, a integração e a
articulação dos Estados na formação dos comitês de rios federais
pela Agência Nacional de Águas (Ana). Para ele, a agência deve
respeitar as ações dos comitês de rios estaduais.
TRABALHADOR RURAL PODE CONTRIBUIR PARA GESTÃO DAS
ÁGUAS
O coordenador técnico da Área de Meio Ambiente da
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas
Gerais (Emater), Ênio Resende de Souza, acredita que a água é o
reflexo da qualidade ambiental de uma bacia hidrográfica. Segundo
ele, é por esse motivo que a gestão das águas deve abranger todos os
recursos naturais e não só os hídricos.
O representante da Emater fez referência, ainda, ao
censo agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) segundo o qual 75% do território mineiro é rural. Essa
condição, acrescentou, pode facilitar a melhoria da gestão das
águas, já que no campo estão os recursos naturais e os diferentes
ecossistemas. Ênio de Souza destacou a importância da participação
do trabalhador rural na gestão dos recursos hídricos, tendo em vista
que a irrigação é uma das atividades que mais consomem água. O homem
do campo exerceria o papel de um "síndico", preservando um bem
público que está dentro de sua propriedade sem receber nada por
isso.
Ênio de Souza defendeu também a criação de uma lei
que aborde a gestão de oferta da água. Segundo ele, as atuais leis
estadual e federal que regem os recursos hídricos tratam da gestão
de uso, mas não da oferta de água. Ênio de Souza afirmou, ainda, que
é necessária a criação de programas de recuperação de pastagens, de
conservação dos solos e das águas pluviais, a fim de que elas se
tornem adequadas para abastecer os aqüíferos; de revitalização de
nascentes e de recuperação de estradas. Segundo ele, esses programas
refletem a importância do envolvimento do setor agropecuário na
gestão das águas.
CONSTRUÇÃO DE BARRAGEM É DISCUTIDA NO EVENTO
O conferencista Lázaro Tadeu Ferreira da Silva,
representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de
Bacias Hidrográficas, expôs o documento final do 1º Encontro dos
Povos Indígenas da Região da Volta Grande do Rio Xingu. Ele
manifesta a posição contrária das comunidades à construção do
Complexo Hidrelétrico de Belo Monte e o repúdio às tentativas do
governo, por meio da Eletronorte, de aliciamento das comunidades
indígenas e ribeirinhas.
Além disso, os participantes do encontro indígena
exigem que o dinheiro público a ser investido na construção da
barragem seja revertido para a educação, saúde, incentivo à
agricultura familiar, demarcação de terras indígenas e outros
projetos que beneficiem as comunidades locais.
Custo socioambiental - O
expositor Marcelo de Deus Melo, engenheiro da Gerência de
Planejamento Hidroenergético da Cemig, apresentou conceitos ligados
ao processo de geração de energia. Marcelo mostrou que, para se
definir o local para a construção de uma usina hidrelétrica, é
preciso levar em conta, além das variáveis físicas, como vazão,
altura e geologia, os custos socioambientais envolvidos. "É
necessário estimar o valor da área a ser inundada para a população
que nela vive", explicou o expositor.
O engenheiro demonstrou, ainda, a importância das
águas reservadas em Minas para alimentar outras usinas de geração de
energia no Brasil. Diante disso, o expositor levantou alguns pontos
essenciais de como operar e planejar o uso da energia elétrica no
Estado, como a disponibilidade e restrições de transmissão; as
restrições hidráulicas, ambientais e de múltiplos usos; cargas;
disponibilidade de geradores e previsão hidrometeorológica.
ÁGUA MINERAL É TAMBÉM RECURSO HÍDRICO
As águas minerais e o Sistema de Gerenciamento de
Recursos Hídricos foram os temas abordados pela representante da
Associação Brasileira de Recursos Hídricos, Patrícia Boson. Em sua
exposição, Patrícia esclareceu que as águas minerais são regidas por
legislação específica que lhes confere o caráter de bem mineral -
portanto, bem público de domínio da União, gerido pelo regime de
autorização de pesquisa e lavra, conforme Código da Mineração. A
principal base legal para a exploração das águas minerais é o
Decreto-Lei 7.841/1945, que define as águas minerais como distintas
das comuns por sua ação medicamentosa, característica que também
deve ser preservada.
Após comentar a legislação que regulamenta a gestão
dos recursos hídricos e a gestão das águas minerais, a expositora
concluiu que a água mineral é também recurso hídrico e deve,
portanto, haver uma integração entre seus órgãos reguladores.
Segundo ela, a água mineral segue as normas de autorização do
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e, como recurso
hídrico que é, sujeita-se ao Sistema de Gerenciamento de Recursos
Hídricos e aos seus instrumentos de gestão: o plano estadual, o
plano de bacia, outorga e enquadramento e a cobrança pelo uso da
água, com aplicação dos recursos na bacia.
Recomendações - A
expositora fez, ainda, algumas recomendações para serem
implementadas em curto, médio e longo prazos, como: a exigência de
outorga pelo uso da água; a convocação de grupo de trabalho para
propor mecanismos normativos e administrativos para a integração dos
dois sistemas; e a modernização do Código de Água Mineral.
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