Ex-agente denuncia à CPI irregularidade na Nelson
Hungria
Livre acesso a telefones e computadores, sexo
liberado, bolos de aniversário à vontade. São privilégios que muitos
brasileiros não têm, mas que se tornaram comuns na Penitenciária
Nelson Hungria, em Contagem, de acordo com o ex-agente penitenciário
João Maurício, que prestou depoimento à CPI do Sistema Prisional
nesta terça-feira (21/5/2002). "A maior parte dos presos estão
soltos na prisão, enquanto os agentes são obrigados a trabalhar
conforme os detentos querem", afirmou.
João Maurício também denunciou o favorecimento de
alguns presos dentro da prisão. Segundo ele, os detentos Ronie
Peixoto, Geraldo Magela e Júlio César seriam os líderes da
penitenciária. Mas o grande privilegiado seria Rogério dos Santos
Amaral, mais conhecido como Rogerão, que teria conseguido várias
regalias após ter recebido a visita da secretária de Estado da
Justiça, Ângela Pace. De acordo com João Maurício, cada um dos 12
pavilhões do presídio tem um presidente, um vice e um diretor, cuja
autoridade sobrepõe-se à dos agentes penitenciários.
Com tanta liberdade, a situação estaria fora do
controle da diretoria da prisão. "Lá tem muitas pessoas com doenças
contagiosas sem tratamento. Chegamos a encontrar armas brancas lá
dentro, porque o diretor, capitão Marzano, não permitia que os
agentes cortassem os bolos trazidos pelos visitantes. A maior parte
dos presos têm a regalia de usar o telefone sem que nenhum agente
escute a conversa. A entrada de drogas é fácil e eu ouvi dizer que
os detentos chegaram a usar a internet para comprar entorpecentes.
Garotas faziam pernoite na prisão e alguns internos pagavam dívidas
com a prostituição de suas filhas. Infelizmente, esse é o retrato do
nosso sistema penitenciário", completou.
Mas a situação na Nelson Hungria nem sempre foi tão
desorganizada. João Maurício garantiu que, quando a cadeia era
dirigida pelo major Marcelo, o controle sobre os presos era rígido.
Mas, segundo ele, na gestão do capitão Marzano, os presos passaram a
controlar a penitenciária de segurança máxima. "Nós, agentes, temos
o dever de fiscalizar. Mas se a diretoria não permite, não podemos
fazer nada. Alguns detentos tinham livre acesso à cadeia toda,
tinham intimidade com o diretor e chegavam a ameaçar os agentes
penitenciários", declarou, acrescentando que os agentes que não
concordavam com esse esquema eram punidos.
Para João Maurício, sua demissão foi uma forma de
puni-lo por ser alinhado com o major Marcelo e não concordar com a
postura do capitão Marzano. Após seis anos trabalhando como
contratado, João Maurício foi afastado porque tinha contraído uma
misteriosa doença de pele. Foi exonerado após ter dado uma
entrevista à Rádio Itatiaia falando da visita que a secretária
Ângela Pace fez a Rogerão. "Aquele que fala é penalizado. Lá a gente
tinha que ver, ouvir e calar. É por isso que eu estou na rua",
desabafou. Segundo João Maurício, todos os agentes que discordavam
da administração do major Marcelo foram transferidos para delegacias
porque eram tidos como pessoas problemáticas.
Passaporte falso - A
comissão também ouviu o depoimento do ex-agente penitenciário Márcio
Silveira Duarte, que trabalhou na penitenciária de Governador
Valadares. De acordo com Márcio, cinco agentes penitenciários
daquela cidade entraram nos Estados Unidos com documentação falsa,
providenciada pelo detento Carlos José Alves, também conhecido como
Carlinhos Dragão. "Ele inclusive me ofereceu um passaporte com
visto", disse. Segundo ele, o diretor de Segurança do presídio,
Sérgio Pimenta Alvim, informou o diretor da prisão, Adão dos Anjos,
que não tomou nenhuma providência. Sérgio, então, pediu exoneração
do cargo.
"Aí Dragão parou de falsificar passaportes e
começou a traficar drogas. Esse preso tinha regalias, ficava o dia
inteiro falando ao telefone", completou. De acordo com Márcio, o
consumo de drogas era comum na penitenciária. As fugas não eram
freqüentes, mas não eram dificultadas pela segurança do presídio.
"Em um feriado, as celas ficaram destrancadas cinco dias. No quinto
dia, houve a fuga", afirmou. Márcio garantiu que Adão tinha
conhecimento da facilitação da fuga. Foi aberta uma sindicância e o
diretor pediu transferência para a penitenciária de Ipaba. "No dia
da sua despedida, ele disse que seu único amigo na cadeia era
Carlinhos Dragão. Poucos dias depois Carlinhos também foi
transferido para Ipaba".
Antes disso, o agente já tinha sido exonerado, após
responder a uma sindicância em que era acusado de levar bebida
alcoólica a um detento, num dia em que, segundo ele, não trabalhou.
"O Adão começou a me perseguir por causa da minha lealdade ao
Sérgio", disse. Márcio alegou temer que sua esposa, a também agente
penitenciária Adriana Duarte, possa sofrer retaliações por causa de
seu depoimento à comissão.
"Pessoa errada" - Também
prestou depoimento o delegado Renato Álfio Ciutti, que não pôde
esclarecer os motivos da facilitação de fuga de quatro presos que
participaram de um churrasco no Ceresp de Juiz de Fora. "Fui
responsável apenas pelo inquérito policial. Não sei quem fez a
sindicância", alegou. Ciutti havia sido convocado porque, na semana
passada, o delegado Elder Gonçalo Monteiro Dangelo afirmou à
comissão que Ciutti foi o responsável pela sindicância. Durante o
depoimento de Ciutti, Elder telefonou para o deputado Luiz Tadeu
Leite (PMDB) e disse que se havia enganado.
"Infelizmente ouvimos a pessoa errada", afirmou o
deputado Ermano Batista (PSDB), presidente da comissão, que vai
pedir cópias do inquérito policial e da sindicância, para apurar se
houve facilitação da fuga dos presos.
Foram aprovados dois requerimentos do deputado
Alberto Bejani (PFL). Um solicita a convocação dos detentos Wagner
Cordeiro Lobato, do Ceresp de Juiz de Fora, e Fabrício Luiz
Magalhães, da Cadeia Pública de Rio Novo, e o assessor da VEC de
Juiz de Fora, Walber Lopes Loures. O outro requerimento pede a
prorrogação da CPI por mais 60 dias.
Presenças - Estiveram
presentes os deputados Ermano Batista (PSDB), Luiz Tadeu Leite
(PMDB), Alberto Bejani (PFL), Dinis Pinheiro (PL) e Irani Barbosa
(PSD).
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